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Em países como a
Espanha, referência em transplantes, existem duas vezes mais doadores. Pandemia
fez o Brasil reduzir ainda mais o índice de doadores e ocupar o lugar de nação
com uma das piores performances no assunto. Desmistificar o tema é fundamental
para mudança de cenário
A doação de órgãos e tecidos no Brasil ainda é
cercada de tabus, resultantes da desinformação. Hoje no país, a cada milhão de
pessoas, menos de 20 são doadoras de órgãos. O dado é da Aliança Brasileira
pela Doação de Órgãos e Tecidos (ADOTE). Em nações como a Espanha, por exemplo,
referência mundial em transplantes, cerca de 40 pessoas a cada milhão são
doadoras de órgãos.
Mais de 50 mil pessoas esperam na fila para serem
transplantadas no país. E desde que a pandemia causada pela Covid-19 chegou ao
Brasil com mais expressão, em março de 2020, a situação ficou ainda mais grave.
Um estudo publicado em setembro de 2021 na revista científica The Lancet
Public Health, mostra que o total de transplantados no mundo caiu
16% no ano que passou em consequência da pandemia. O Brasil teve redução de
29%; um dos países com pior performance entre as nações consideradas. De acordo
com o Ministério da Saúde, a maioria das pessoas esperam pelo transplante de
córnea e, principalmente, rins.
De acordo com a Associação Brasileira de
Transplante de Órgãos (ABTO), o principal motivo do declínio no período mencionado
tem relação com o aumento de 44% na taxa de contraindicação, em virtude do
risco de transmissão do coronavírus ou pela dificuldade encontrada para
realizar a testagem em alguns momentos durante a pandemia. As doações também
sofreram queda devido à lotação e ao excesso de trabalho nos Centros de
Terapia Intensiva (CTIs). O fato de as pessoas que morrem em decorrência da
Covid-19 não poderem ser doadoras quando estão infectadas também piorou o
cenário.
No entanto, a desinformação e os tabus que ainda
envolvem a doação de órgãos também são fatores que impedem que, a cada ano,
vidas possam ser salvas ou melhoradas. A doação de órgãos é de fundamental
importância para a manutenção da vida de pessoas que precisam de um
transplante, nos casos em que não há mais outras formas de tratamentos. Em
vida, é possível, com as compatibilidades necessárias, doar rim, parcialmente o
pâncreas, parte do fígado e do pulmão, em situações excepcionais. Já de
doadores não vivos podem ser obtidos rins, coração, pulmão, pâncreas, fígado e
intestino.
Marcelo Mion, gerente de laboratório da Biometrix
Diagnóstica, lembra que, para mudar esse cenário, é fundamental continuar
reforçando as campanhas de conscientização sobre a importância da doação para o
salvamento de vidas. A empresa fornece soluções voltadas ao diagnóstico
molecular e comercializa reagentes e equipamentos essenciais para que os
laboratórios de imunogenética do Brasil possam avaliar os pacientes e doadores
que serão submetidos ao transplante de medula óssea e órgãos sólidos.
"Temos trabalhado todos os dias para oferecer as melhores soluções em
tecnologia para que todo o processo de doação seja feito com agilidade e
segurança. Para garantir que tudo dê certo para os doadores e, principalmente,
para os receptores, a Biometrix oferece regentes e equipamentos para a
realização dos testes para verificar a compatibilidade entre o organismo que
vai doar e o que vai receber o órgão. É uma forma de cuidar, ainda mais, da
vida de todos os pacientes”, explica.
A Biometrix é uma empresa brasileira que tem mais
de 25 anos de atuação no mercado e, nos últimos dois anos, foi responsável por
fornecer e comercializar reagentes para a maioria dos transplantes que foram
realizados no Brasil. "Cada transplante pode gerar inúmeros testes
dependendo da necessidade” explica Marcelo.
Como ser doador de órgãos?
Para ser doador de órgãos no Brasil, é preciso
comunicar a família, pois somente parentes podem autorizar a doação. A doação
de órgãos e tecidos pode ocorrer após a constatação de morte encefálica, que é
a interrupção irreversível das funções cerebrais, ou em vida. Um único doador
pode salvar mais de dez pessoas doando órgãos e tecidos, como córneas, coração,
fígado, pulmão, rins, pâncreas, ossos, vasos sanguíneos, pele, tendões e
cartilagem. Além de avisar a família, o interessado na doação de órgãos pode
fazer o cadastro no site www.adote.org.br/register.
De acordo com a ADOTE, o doador em vida deve ter
mais de 21 anos e boas condições de saúde. A doação ocorre somente se o
transplante não comprometer suas aptidões vitais. Rim, medula óssea e parte do
fígado ou pulmão podem ser doados entre cônjuges ou parentes de até quarto grau
com compatibilidade sanguínea. No caso de não familiares, a doação só ocorre
mediante autorização judicial.
E de medula óssea?
Em se tratando da doação de medula óssea, o
interessado precisa ter entre 18 e 35 anos e pode ir a um Hemocentro (existem
137 em vários estados do Brasil, segundo o Ministério da Saúde), coletar
uma amostra de sangue (apenas 10 ml), preencher os dados cadastrais e se
colocar à disposição para ser chamado no caso de surgir um receptor compatível.
Carmen Vergueiro, médica hematologista e fundadora da AMEO - Associação da Medula
Óssea do Estado de São Paulo, defende que "é preciso falar cada vez mais
sobre o tema e desmistificá-lo para que mais pessoas se disponham a salvar
vidas".
O Instituto
TMO é outra entidade que trabalha para estimular doação de medula óssea por
meio de campanhas realizadas nas redes sociais. Cristiane Canet Mocellin,
presidente do Instituto TMO, lembra que a amostra de sangue que o doador tira
quando se apresenta a um hemocentro possibilita a análise no laboratório,
chamada "tipagem HLA" - feita a partir de soluções fornecidas por
empresas como a Biometrix -, que determina as características genéticas do
possível doador.
Outro importante trabalho que a instituição
desenvolve é a manutenção da Casa Malice, uma casa de apoio, cuja estrutura foi
pensada para dar acolhimento institucional provisório a pessoas em situação de
vulnerabilidade social e seus acompanhantes que estejam em trânsito, e sem
condições de autossustento, durante o tratamento de doenças graves. "Na casa,
recebemos pessoas de todo o Brasil, com idade a partir de 16 anos, que venham
devidamente encaminhadas pelas redes socioassistenciais. Em média, a Casa
Malice acolhe cerca de 30 pessoas por mês. Desde a sua fundação em 2016, já
foram acolhidas mais de 517 pessoas, gerando um total de quase 11.720 diárias”
conta Cristiane.
O Unidos pela Vida - Instituto Brasileiro de
Atenção à Fibrose Cística é referência no tema da fibrose cística, uma doença
genética crônica que afeta, principalmente, os pulmões, pâncreas e sistema
digestivo. Desde 1985, o transplante pulmonar, principalmente, tem sido uma
opção para os pacientes. De acordo com Cristiano Silveira, diretor de Políticas
Públicas e advocacy do Instituto, mais da metade das doações de órgãos
para pessoas acometidas pela doença deixam de acontecer por falta de
autorização da família. "Precisamos melhorar a cultura da doação de órgãos
no Brasil para aumentar o número de transplantes no país”, defende.
Cristiano também destaca que, na fibrose cística, o
transplante de órgãos pode ser feito entre pessoas vivas - também chamado de
"modalidade intervivos”. "Além dos rins e partes do fígado, parte dos
pulmões dos pais, por exemplo, também podem ser transplantados para um filho”,
explica.
Ele ainda acrescenta que, quando feito com
antecedência, sem esperar que o quadro da doença evolua e se agrave, as chances
de sucesso e conquista de uma qualidade de vida melhor dos pacientes da fibrose
cística aumentam exponencialmente. "É um grande equívoco acreditar que
fazer ou se submeter a um transplante é trocar uma doença pela outra”,
esclarece.
Entendendo o HLA - o sistema imunológico tem a função de identificar e reagir a organismos estranhos. Este processo é baseado na identificação dos antígenos, a “marca biológica” de cada célula. Quando o organismo reconhece um antígeno estranho, desencadeia uma resposta com o objetivo de destruí-lo. Este corpo estranho detectado pode ser tanto uma bactéria ou vírus, como um tecido, órgão ou medula transplantados. Assim, o HLA é o responsável pela histocompatibilidade.
É importante saber que o HLA é herdado, uma parte
da mãe e a outra do pai. A identidade HLA é composta por vários genes agrupados
na mesma região no cromossomo 6. Cada gene possui uma diversidade muito grande
de alelos. Sabe-se que mais de 11 mil alelos já foram identificados em todo o
mundo. Por isso, é muito raro que dois indivíduos tenham o mesmo grupo de
genes. A grande complexidade dos transplantes é encontrar esta compatibilidade
entre doador e receptor.
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