UMA PERSPECTIVA PARA O TRATAMENTO DA DOENÇA DE ALZHEIMER
A doença de
Alzheimer atinge 5% da população com mais de 65 anos – ou 1,4 milhão de pessoas
no Brasil. Ela provoca a perda de funções como memória, raciocínio, juízo
crítico e orientação, podendo levar à desorientação espacial, alterações
de comportamento e dificuldades para a realização de tarefas corriqueiras, como
se alimentar ou se vestir.
Em fases
mais avançadas, o paciente passa a não reconhecer parentes e amigos, até ficar
totalmente dependente.
“A pessoa
torna-se incapaz de aprender novas informações. Essa alteração de memória é
justamente para as novas informações, os fatos recentes. A memória de
acontecimentos antigos continua bastante preservada, no início. O paciente pode
ainda não reconhecer lugares que antes eram familiares, se perder em datas e
também apresentar quadros de depressão, apatia, surtos de agressividade,
delírios de roubo e mania de perseguição”, explica Jerusa Smid, doutora em
ciências pelo Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (FMUSP), neurologista do Grupo de Neurologia
Cognitiva e do Comportamento (GNCC) da Divisão de Clínica Neurológica do Hospital
das Clínicas da FMUSP e coordenadora do Departamento Científico de Neurologia
Cognitiva e do Envelhecimento da Academia Brasileira de Neurologia (ABN).
Até o
momento, a literatura médica não descobriu as causas da doença. Sabe-se, no
entanto, que é preciso dar atenção às proteínas Beta-amiloide, que são
consequências de parte da degradação celular. Elas se acumulam no cérebro de
pessoas mais idosas e ainda mais nas acometidas por Alzheimer.
Provavelmente
são produtos de um mecanismo de reparação celular irregular e, por isso, se
acumulam em grande quantidade nesses grupos. Não são a causa exclusiva do
Alzheimer, nem sua única consequência, apenas um dos componentes da sua
fisiopatologia.
CAMINHO
Como não
tem cura, os especialistas se empenham em fazer o diagnóstico precoce e
trabalham no sentido de aplicar medidas consideradas preventivas para retardar
o avanço da enfermidade. Mas um novo medicamento, aprovado pela FDA (Food and
Drug Administration, o órgão regulatório americano, equivalente a Anvisa no
Brasil), vem agitando o cenário científico, oscilando entre a expectativa de um
tratamento inédito para a doença e certa limitação em torno da descoberta.
A droga em
questão é o Aducanumab – anticorpo monoclonal que atual sobre o acúmulo de
proteína beta-amiloide no cérebro –, que foi submetido a dois estudos clínicos,
fase 3, prospectivos e controlados. Eles chegaram a ser interrompidos porque o
remédio parecia não fazer efeito. Mas, segundo o fabricante do medicamento,
depois da parada, uma análise mais profunda das informações de um dos trabalhos
encontrou resultados positivos. E foi a partir daí que o FDA deu parecer
positivo. Nessa retomada, o estudo apontou melhora na avaliação laboratorial de
imagem dos pacientes com a doença de Alzheimer, porém sem benefício clínico
objetivo.
“A
conclusão a que se chegou é que o medicamento atua sobre o acúmulo da
substância beta-amiloide no cérebro de pacientes com deficiência cognitiva
leve. O remédio diminui o acúmulo. No entanto, não mostrou eficácia clínica nem
benefício evidente para os pacientes, que não tiveram melhora da cognição, a
despeito de haver uma melhora no exame”, explica Jerusa Smid.
A polêmica
começou logo após a aprovação pelo FDA, que desde 2003 não aprovava nenhuma
medicação para a doença. Principalmente porque o painel responsável pela
avaliação, em sua maioria, votou contra. E mesmo assim o medicamento –
administrado por meio de infusão intravenosa – recebeu sinal verde. Por se
tratar de uma droga de uso crônico, que vem gerando expectativa social e
populacional, com um resultado alvissareiro, mas que deve ser interpretado com
cautela, alguns especialistas – inclusive no Brasil – avaliam como arriscada a
utilização em larga escala, ainda mais imaginando-se o uso de longo prazo.
“Faltam
mais estudos com resultados positivos, porque esse foi o único em que mostrou
redução da patologia da doença de Alzheimer. Mas sabemos que nem sempre
reduzindo a patologia haverá um ganho clínico na vida diária do paciente. Então
o trabalho precisa ser replicado. Por isso o órgão regulatório dos Estados
Unidos obrigou a realização de um novo estudo. E quando você pede para fazer um
estudo na fase 4, enquanto as pessoas estão usando, são pacientes mais do dia a
dia do cuidado com a doença, qualquer que seja ela. Porque esses estudos
iniciais são feitos com indivíduos que não têm outras comorbidades, não têm
doenças clínicas graves e não tomam muitas medicações”, diz a neurologista
Sônia Brucki, especialista da Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo e da Academia Brasileira de Neurologia (ABN).
PESQUISAS
Na fase 4
(que testa a medicação em um grupo maior de pessoas), a pesquisa deve ir atrás
de mostrar eficácia clínica e esclarecer efeitos colaterais. Afinal, os
avaliadores do Aducanumab também perceberam que, na dose mais alta, cerca de
40% dos pacientes tiveram efeitos colaterais, como inchaço ou sangramento
cerebral.
“Antes de
se falar em qualquer medicamento, é preciso um diagnóstico muito bem definido
de doença de Alzheimer porque existem outras enfermidades que podem parecer com
ela. Temos que pedir ressonâncias magnéticas periódicas e encontrar um
biomarcador bastante efetivo na doença de Alzheimer. Por isso, em relação a
esse novo tratamento, por envolver muitas coisas, os especialistas em demência
ainda estão reticentes”, argumenta Sonia Brucki.
“A
medicação não foi avaliada pela Anvisa. Ou seja, nem a temos por aqui. Além
disso, até o momento, foi usada apenas em fase bem leve da doença ou em
pré-demência (cognitivo leve). Talvez esse trabalho mais amplo possa revelar
melhores resultados. Se acontecer, vai ser muito legal. Mas o fato é que ainda
não mostrou”, reforça Jerusa.
Até o
momento só existem medicamentos que atuam na qualidade de vida de pessoas com
Alzheimer: melhoram comportamento ou ciclo sono-vigília ou agressividade ou
disposição ou apatia.
FUTURO
A doença
começa muito antes dos primeiros sintomas. Isso porque temos uma “reserva
cognitiva”, uma “resiliência cerebral”. Nessa fase, acontecem ainda bastante
sinapses e a ela vai avançando, mas sem manifestar problemas.
Inicialmente,
o Alzheimer acomete a região do hipocampo, que é portão da memória. No quadro
primário, que é chamado comprometimento cognitivo leve, o indivíduo percebe que
sua memória está deteriorando. O primeiro sintoma, na maioria dos pacientes, é
esquecimento para eventos recentes, enquanto fatos remotos seguem preservados.
Às vezes, a pessoa é incapaz de lembrar o que almoçou ontem, mas lembra com
detalhes de sua casa de infância, por exemplo. E isso vai levando a perda de
independência e autonomia. Com a evolução da doença, outras regiões do cérebro
vão sendo acometidas e mais alterações cognitivas ocorrendo, piorando a
qualidade de vida.
Como a
doença está bastante associada ao envelhecimento, especialistas recomendam
olhar para pessoas muito antes disso: aos 20, 30 anos e não aos 70. É preciso
investir em uma melhor qualidade de envelhecimento cerebral desde jovem.
Uma
pesquisa publicada na revista cientifica “The Lancet”, no ano passado, aponta
como medidas preventivas: manter o nível de açúcar no sangue e o peso para
evitar diabetes; obter o máximo de educação escolar na infância; manter-se
cognitivamente ativo, por meio de leituras, jogos e aprendendo coisas novas;
controlar a depressão; gerenciar o estresse; ter a pressão arterial sob
controle, especificamente a partir dos 40 anos; examinar perda de audição ao
longo da vida; praticar regularmente atividades físicas; seguir uma alimentação
saudável, balanceada e rica em vitamina C; evitar exposição à poluição do ar e
ao fumo; não abusar de bebidas alcoólicas; buscar ter um sono de qualidade,
entre outros cuidados.
“São ações consideradas preventivas para retardar a
doença, já que não há como evitá-la”, finaliza a neurologista Jerusa Smid.
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