Enquanto a pandemia do Covid-19 começa a
desacelerar em alguns países da Europa, no Brasil, o número de casos e de
pacientes que necessitarão de auxílio médico continua a crescer. Embora aqui os
casos estejam mais presentes nas grandes capitais, especialmente de São Paulo e
do Rio de Janeiro, todos os estados já registram pacientes em tratamento. E,
além da saúde, o que preocupa também é o impacto econômico.
Na última semana, a Meritíssima Juíza de Direito da
12ª Vara Cível Federal de São Paulo Doutora Natália Luchini, emitiu uma liminar
obrigando a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), entre outras
agências governamentais federais, a determinar que as operadoras de telefonia
móvel e fixa sejam proibidas de interromper o fornecimento de serviços ao
consumidor em caso de inadimplência. Apesar de ser uma conquista para a
população e justo diante da pandemia do novo coronavírus, a grande questão é:
se o consumidor não pagar a conta, quem vai?
Que o tema é complexo não se discute. A questão é
que a decisão, cuja eficácia, a meu ver, é improvável, levou em consideração
questões sociais em detrimento da saúde financeira das operadoras. Será
que o Estado irá socorrê-las? Será que a eventual falência de uma grande
operadora não pode causar mais danos ao país? Perguntas pertinentes, porém
difíceis de responder. É certo que o juízo em questão buscou amparar a
sociedade, zelando em última instância salvaguardar o princípio básico do
Estado: o bem de todos.
Talvez, em tempos de outrora, fosse mais plausível
a decisão, quando a Telebrás detinha o controle absoluto sobre o sistema de
telecomunicações. No passado, havia uma obrigação objetiva do Estado de
prover o serviço a todos os brasileiros. Com a universalização das
telecomunicações, em 1997, o serviço alcançou mais brasileiros, sendo hoje
acessível a todas as classes sociais. Nesse contexto, foram criadas as agências
reguladoras, como a Anatel, com a missão de equilibrar as relações de consumo
entre sociedade e concessionárias, hoje controladas por empresas
multinacionais.
Outro ponto que considero desproporcional é que,
caso a Anatel edite algum comando legal nesse sentido, a decisão valerá para
todo o território nacional, inclusive em estados com número de casos
baixíssimo, dispensados de quarentena e, de certa forma, resguardados dos
efeitos da desaceleração econômica. Passando a vigorar ou não a decisão, o fato
é que as operadoras passarão por uma forte pressão de aumento de custos
decorrentes da alta do dólar, que impactará grande parte dos insumos
necessários para a manutenção da infraestrutura que permite o funcionamento do
serviço com níveis aceitáveis de qualidade. A decisão também não considera os
efeitos deletérios ao caixa das empresas operadoras de telefonia móvel e fixa,
sendo notório que a maior delas em extensão territorial, se encontra em
Recuperação Judicial.
Como pode-se perceber, o cenário de aumento de
custos e redução de receitas, por si só, já é bastante desafiador. Certamente,
haverá impactos negativos, que podem ser potencializados, tendo em vista o
critério subjetivo do consumidor de pagar ou não a conta.
Nesse contexto, claro está que o ora constituído
imbróglio jurídico fragiliza a Anatel enquanto autarquia pública federal, haja
vista a impossibilidade de obrigar terceiros a uma decisão judicial, pelo
momento emergencial reconhecido na própria sentença, ainda que formalmente
constituída para tal, e, por via oblíqua, enfraquece o próprio judiciário. Ouso
pensar, como jurista, que os novos tempos exigirão um novo tipo de direito,
mais prático, inclusive para que haja mais economia processual, menos recursos,
maior celeridade e efetividade na tutela jurisdicional. Mais do que nunca, as
autoridades brasileiras de todas as esferas federativas, bem como de todos os
poderes que, embora tripartidos - Executivo, Legislativo e Judiciário, se
manifestam de modo uno, precisarão de muita visão sistêmica para, de fato,
atuarem de modo empático, justo e harmônico.
Dane
Avanzi - advogado, empresário de telecomunicações e diretor do Grupo Avanzi.
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