Testes estão sendo feitos em cultura de
células por pesquisadores da Unicamp para investigar como a infecção muda o padrão
de proteínas e outros metabólitos presentes nas amostras(imagem: neurônios
derivados de células-tronco neurais / Giuliana S. Zuccoli)
Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp) acabam de confirmar, por meio de experimentos feitos com cultura de
células, que o novo coronavírus (SARS-CoV-2) é capaz de infectar neurônios
humanos.
A infecção e o aumento da carga viral nas células
nervosas foram confirmados pela técnica de PCR em tempo real, a mesma usada no
diagnóstico da COVID-19 em laboratórios de referência. O grupo coordenado pelo
professor do Instituto de Biologia Daniel Martins-de-Souza
também confirmou que os neurônios expressam a proteína ACE-2 (enzima conversora
de angiotensina 2, na sigla em inglês), molécula à qual o vírus se conecta para
invadir as células humanas. Nos próximos dias, a equipe pretende investigar de
que modo o funcionamento dessas células nervosas é alterado pela infecção.
A pesquisa está sendo conduzida no âmbito de um projeto aprovado pela
FAPESP na chamada “Suplementos de Rápida Implementação contra COVID-19”,
como parte da força-tarefa criada pela Unicamp (leia mais em agencia.fapesp.br/32861/).
“Vamos comparar as proteínas e demais metabólitos
presentes nas culturas celulares antes e após a infecção. A ideia é observar
como o padrão das moléculas muda e, com base nessa informação, tentar contar a
história de como o vírus atua no sistema nervoso central”, explica
Martins-de-Souza à Agência FAPESP.
No experimento, realizado pela pós-doutoranda Fernanda Crunfli, foram
usados uma linhagem celular cerebral humana e também neurônios humanos obtidos
a partir de células-tronco pluripotentes induzidas (IPS, na sigla em inglês).
O método consiste, inicialmente, em reprogramar
células adultas – que podem ser provenientes da pele ou de outro tecido de
fácil acesso – para fazê-las assumir estágio de pluripotência semelhante ao de
células-tronco embrionárias. Esta primeira parte foi realizada no laboratório
do professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Stevens Rehen, no
Instituto DOR de Pesquisa e Ensino. Em seguida, o time de Martins-de-Souza
induziu, por meio de estímulos químicos, as células IPS a se diferenciarem em
células-tronco neurais – um tipo de célula progenitora que pode dar origem a
diversas células do cérebro, como neurônios, astrócitos e oligodendrócitos.
“Também estamos começando testes com astrócitos
humanos e, em breve, saberemos se o vírus infecta essas células, que dão
suporte ao funcionamento dos neurônios e são as mais abundantes do sistema
nervoso central”, conta Martins-de-Souza.
Efeitos no cérebro
Como explica Martins-de Souza, estudos feitos em
outros países sugerem que o SARS-CoV-2 tem tropismo pelo sistema nervoso
central, ou seja, uma certa propensão a infectar as células nervosas. “Mas
ainda não sabemos se o vírus realmente consegue atravessar a barreira
hematoencefálica [estrutura que protege o cérebro de substâncias tóxicas e
patógenos presentes na circulação sanguínea] e, caso consiga, que tipo de
impacto pode causar no tecido nervoso. Tentaremos buscar pistas que ajudem a
elucidar essas dúvidas”, diz o pesquisador.
Os experimentos in vitro com isolados virais
estão sendo feitos no Laboratório de Estudos de Vírus Emergentes (Leve) do
Instituto de Biologia da Unicamp, que tem nível 3 de biossegurança (em uma
escala que vai até 4) e é coordenado pelo pesquisador José Luiz Proença Módena.
Participam dos testes os pós-graduandos Gabriela
Fabiano de Souza e Stéfanie Primon Muraro, orientandas de Módena, e Ana Campos
Codo e Gustavo Gastão Davanzo, sob a orientação do professor Pedro Moraes Vieira.
Os testes de metabolômica e proteômica serão
conduzidos no Laboratório de Neuroproteômica, coordenado por Martins-de-Souza,
pelos pós-doutorandos Victor Corasolla Carregari
e Pedro Henrique Vendramini. Para isso, será usado um espectrômetro de massas,
equipamento capaz de discriminar diferentes substâncias presentes em uma
solução com base no peso molecular de cada uma.
“Além de investigar se a quantidade de uma
determinada proteína na amostra aumenta ou diminui após a infecção, também
pretendemos avaliar como está o nível de fosforilação e de glicosilação das
moléculas. Esses dois mecanismos bioquímicos são usados pela célula para ativar
ou desativar rapidamente a função desempenhada pelas proteínas. Isso nos dará
pistas sobre as vias metabólicas que são alteradas nos neurônios em resposta ao
novo coronavírus”, conta Martins-de-Souza.
Manifestações neurológicas
Em um vídeo divulgado no site
da Unicamp, o neurologista Li Li Min comenta as manifestações
neurológicas já observadas em pacientes com COVID-19, entre elas perda de
olfato e paladar, confusão mental, derrame e dor muscular (sem relação com
alguma lesão no músculo).
Segundo o pesquisador, estima-se que até 30% dos
infectados pelo novo coronavírus possam apresentar algum sintoma neurológico.
Min é coordenador de Educação e Difusão do Conhecimento do Instituto de Pesquisa sobre
Neurociências e Neurotecnologia (BRAINN),
um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID)
apoiado pela FAPESP.
Karina Toledo
Agência FAPESP
http://agencia.fapesp.br/novo-coronavirus-e-capaz-de-infectar-neuronios-humanos/33053/
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