Em tempos em que mulheres ainda lutam por igualdade de direitos, em que sua dignidade é diariamente afrontada, em que a cultura do machismo e da misoginia ainda impera, a instituição de um tipo penal intermediário entre o gravíssimo estupro e a contravenção de importunação ofensiva ao pudor é um verdadeiro alento.
A alteração da lei remete ao lamentável episódio envolvendo a prisão e posterior soltura do homem que passou a ser conhecido como "ejaculador do ônibus" em setembro do ano passado. Na ocasião, Diego Novais, nitidamente portador de séria deficiência mental, foi autuado em flagrante por estupro após ter ejaculado em uma passageira sentada ao seu lado em um transporte coletivo em São Paulo. O Juiz responsável pela audiência de custódia entendeu não se tratar de estupro, mas sim de mera contravenção penal, não sendo possível, portanto, a manutenção da prisão. A situação de aparente desrespeito à vítima gerou forte comoção nacional, mas o fato é que não havia mesmo outra alternativa jurídica que não a liberação do rapaz. Afinal, se a lei era omissa, o magistrado não podia simplesmente ampliar seus limites, mas sim garantir ao acusado um processo justo, nos termos da legislação então em vigor.
A omissão legislativa tinha um potencial de injustiça tremendo, não só para quem sofria o assédio, como a passageira em questão, mas também para quem eventualmente o praticava. Não eram raros os homens presos e condenados por estupro, cuja pena mínima é de 8 anos de reclusão, por atos como um beijo forçado ou uma "passada de mão" na vítima. Ninguém discute que tais situações não devam ficar impunes, mas estabelecer o mesmo tratamento penal dado ao estuprador era de toda sorte intolerável.
Diante de casos como este ocorrido em São Paulo e de tantos outros em que juízes desafiavam a lei para penalizar homens que de qualquer forma abusavam sexualmente de mulheres, o Congresso Nacional se viu na necessidade de elaborar uma lei que previsse punição efetiva ao assediador, mas com penas proporcionais ao dano por ele causado. Nasce, assim, o art. 215-A do Código Penal, que pune com 1 a 5 anos de reclusão quem pratica "contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro".
A inovação merece aplausos, pois ao mesmo tempo em que protege a vítima de um crime que atenta contra a sua dignidade sexual, pune com proporcionalidade quem o pratica. A criação de dispositivos penais como esses nos direciona à civilidade e nutre a esperança de que a mulher venha a ser cada dia mais respeitada. Cabe a nós, mulheres ou não, elegermos representantes tanto no Executivo quanto no Legislativo que permitam um caminho rumo à igualdade e respeito ao gênero feminino cada dia menos tortuoso.
Daniella Meggiolaro - sócia do escritório Malheiros Filho, Meggiolaro e Prado Advogados e diretora do Instituto de Defesa do Direito de Defesa - IDDD.
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