"Em época de campanha eleitoral, há sempre
dois temas recorrentes: a dívida pública e a privatização de empresas estatais.
Para começo de conversa, é preciso esclarecer a confusão das palavras. Aqui no
Brasil fala-se muito em “setor público”, expressão que dá a ideia de um setor
que vive para fazer o bem ao público, e “setor privado”, que sugere um setor
que vive de forma egoísta atrás do lucro. Decorre daí outra confusão: a
expressão “empresa pública”, que no Brasil são as empresas estatais, e “empresa
privada”, as que pertencem aos capitalistas privados.
A expressão “setor público” povoa a mente da
população como uma máquina voltada ao bem social e à generosidade. A expressão
“setor privado” é vista como um ente insensível à dor dos outros. São visões
impróprias. O economista paulista Rafael Vechiatti sugere chamar o setor
público de “setor coercitivo” (que só executa algo com dinheiro de imposto e de
impor regras sobre como devemos viver) e o setor privado de “setor voluntário”
(no qual quem entra tem que se submeter à competição e às imposições
governamentais).
Quanto à “empresa pública”, nos Estados Unidos e
outros países avançados não é empresa estatal, mas aquela construída com
recursos do público, basicamente por poupanças dos próprios donos e por meio da
venda de ações. Lá fora, o Itaú, o Bradesco, a Vale e demais empresas cujo
capital vem de acionistas são consideradas empresas públicas. Já as empresas
pertencentes a algum ente estatal (município, Estado, União) são empresas
estatais. As empresas possuídas por um grupo de pessoas, ou uma família apenas,
são empresas privadas.
Debate sem conhecimento é um exercício de
ignorância especializada, que não serve para resolver problemas complexos
Por aqui, sempre que entre em cena a discussão
sobre desestatização, ou privatização, várias confusões se estabelecem. Debate
sem conhecimento é um exercício de ignorância especializada, que não serve para
resolver problemas complexos. É lamentável quando o desconhecimento vem de
políticos que pretendem dirigir o país. Nas discussões sobre privatização de
empresas estatais faltam aspectos conceituais. Alguns candidatos simplesmente
são contra a privatização, em geral com argumentos equivocados.
Muitos afirmam que não faz sentido vender empresas
estatais para pagar dívidas do governo. Não raro, são esses que mais gritam
contra os juros da dívida. Convém lembrar que só há juros a pagar porque o
governo contraiu empréstimos para cobrir seus déficits públicos. O argumento
deve ser o oposto: não faz sentido vender empresas estatais e estourar o
dinheiro em aumentos salariais e outras despesas de custeio da máquina
administrativa e dos serviços públicos. Fazendo sentido vender ativos para
cancelar passivos. Vender patrimônio para gastar em consumo é que não faz
sentido algum.
Quando Lula assumiu o governo, a dívida consolidada
do setor estatal era de R$ 600 bilhões. Hoje, findo o clico do PT (que inclui o
governo Temer, porquanto, ele nada mais era que o vice de Dilma), a dívida
pública chegará a R$ 4,8 trilhões, simplesmente foi multiplicada por oito.
Aliás, os benefícios sociais desde a Constituição de 1988 ou resultaram de
endividamento do governo ou de ventos favoráveis vindos do comércio
internacional, a exemplo da explosão de preços, entre 2001 e 2010, dos produtos
agrícolas, minério de ferro e outras commodities que o Brasil exporta.
Acreditar que há um governante capaz de fazer milagres é de uma ingenuidade
desumana. Tanto que a ex-presidente Dilma, do mesmo partido de Lula, gritava o
tempo todo que a reversão dos ventos externos foi a responsável pelo mau
desempenho de seu governo.
Mas, além da utilidade da privatização para reduzir
a dívida pública, há constatação mundial da falência econômica e moral do
Estado-empresário.
Mesmo nos países que adotaram regimes socialistas
constataram-se problemas de rigidez, ineficiência e desperdício dos sistemas
dirigistas estatais, em parte pela dificuldade de aferir eficiência de empresas
sem competição. No caso das estatais brasileiras, a avaliação da eficiência
sempre foi dificultada pelos privilégios de mercado e de suas vantagens
fiscais, e que são inacessíveis às empresas privadas.
Só para citar dois casos, a Petrobras, a despeito
de alguma abertura, ainda desfruta de um monopólio que impossibilita a aferição
de eficiência. O Banco do Brasil, ainda que apresente áreas de eficiência,
sempre recebeu aportes do Tesouro Nacional e depósitos compulsórios de
entidades públicas sem o esforço e os altos custos de captação. Todos esses
aspectos não esgotam o problema, mas, sem a compreensão deles, a discussão fica
empobrecida.
José Pio Martins - economista, é reitor da
Universidade Positivo.
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