Sem sombra de dúvida podemos citar o petrolão (do
PT, PP, PMDB, PSDB, PTB, SD, PSB etc.) e otrensalão (do
PSDB-SP) como expressões da cleptocracia brasileira, que significa, desde logo,
"Estado governado por ladrões". Se cleptocracia é um conceito
vinculado à governança do Estado (aos que governam, aos que contam com acesso
privilegiado à divisão do Orçamento público), não é certo afirmar que toda
ladroagem dentro do poder público pertença a essa categoria. Se um agente
fiscal ou um policial vem a ser corrompido, isso não significa cleptocracia. A
corrupção da oclocracia (das classes dominadas, subordinadas) não é
cleptocracia. Por quê?
Porque a cleptocracia, em sentido estrito, é, dentre
outras manifestações, (1) a corrupção ou roubalheira institucionalizada
praticada pelas bandas podres das classes sociais dominantes/reinantes
(financeiras, industriais, comerciais, agrárias, políticas ou administrativas),
para a acumulação ilícita de riqueza; é também (2) o gerenciamento
patrimonialista da coisa pública (gerenciamento dela como se fosse coisa
privada) com o propósito de preservar no poder (no comando do Estado) um
determinado grupo hegemônico; é ainda (3) a cooptação do poder político pelo
poder econômico-financeiro (verdadeiro dono do poder) que, dessa forma,
"compra" o primeiro, sobretudo por meio do financiamento empresarial da
sua campanha. Corrompe-se, assim, o processo eleitoral (desmentindo o mito
igualitário do "cada cabeça um voto") e rouba-se a democracia cidadã,
que garante e amplia, conforme Marshall, os direitos políticos, civis e sociais
das pessoas (materializando o que disse Pierre Mendès France: "todo
indivíduo contém dentro de si um cidadão").
Inspirado em um texto de Dalmacio Negro Pavon (La
cleptocracia: vejahttp://www.conoze.com/doc.php?doc=2147), que é professor na
Universidade Complutense de Madri, não há como não subscrever (com alguns
reparos e adequações, é certo) a sua tese de que a cleptocracia (Estado
governado por ladrões) está se convertendo (ou já se converteu definitivamente)
numa forma de governo generalizada, que se implantou em praticamente todas as
democracias ocidentais, que se caracterizam ou se transformaram (salvo
raríssimas exceções, como seria talvez o caso dos países escandinavos, por
exemplo) em meras democracias eleitorais (não cidadãs), submetidas ao jugo do
dinheiro dos poderosos econômicos e financeiros que, como donos do poder,
sempre se entendem com todos os partidos e governos, pouco importando se são
ditatoriais ou democráticos, de direita, de centro ou de esquerda.
Diferentemente do que acontece nas ditaduras, no entanto,
que são ostensivas, não se trata de uma forma "estabelecida" de
governo (ela não vem declarada, obviamente, nas constituições). É camuflada,
invisível, mas se tornou, como afirma H. E. Richter, em seu libro Die
hohe Kunst der Korruption ("A refinada arte da
corrupção" - citação de Dalmacio Negro), inseparável das atuais
democracias, que convivem com a cleptocracia praticada pelas bandas podres das
classes dominantes/reinantes, que governam o Estado e conformam o sistema de
domínio e exploração das classes dominadas.
Flávio
Gomes - Jurista e Professor Luiz
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