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quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

Carta aberta ao governador eleito de São Paulo, Tarcísio de Freitas

O futuro vai ser difícil, governador. Sob seu comando estará um sistema prisional em frangalhos, transformado em máquina de moer pessoas sem distinção


Os paulistas elegeram um oficial do exército e ex-integrante de um governo com forte discurso voltado à segurança pública, para governar o Estado nos próximos quatro anos. Caro Tarcísio de Freitas, como profissional da segurança, policial penal há 22 anos, gostaria de dar as boas-vindas ao senhor e lamentar não poder trazer boas notícias do sistema penitenciário. O futuro vai ser difícil, governador.

Sob seu comando estará um sistema prisional em frangalhos, transformado em máquina de moer pessoas sem distinção. Na ânsia de endurecer a punição aos criminosos, o sistema foi transformado em um ambiente que também massacra servidores públicos, seus familiares e toda a comunidade com algum envolvimento, seja pessoal ou profissional, com os presídios paulistas.

A população carcerária de São Paulo está estimada em 198 mil pessoas, do tamanho de uma cidade de porte médio, como Rio Claro. Apesar desse tamanho, em média, cada dois servidores fazem o serviço de três. De um quadro total de 50 mil servidores, só temos 35 mil guerreiras e guerreiros que sentem medo, ficam doentes, mas não abandonam a missão de cuidar de um sistema sucateado por décadas de descaso.

Peço que o futuro servidor público número 1 do Estado tenha sempre em mente a importância do sistema prisional para a inteligência policial, única forma efetiva de reduzir a criminalidade, e, portanto, de garantir a segurança de toda a sociedade. O senhor certamente soube quando, em 2020, uma fuga do chefe da maior facção criminosa do país foi frustrada porque um policial penal da P1 de Presidente Bernardes encontrou o plano de fuga ao revistar uma cela. Me faltariam dedos para contar quantas vezes policiais penais vasculharam o esgoto e até as privadas, onde encontraram mensagens que, não queira imaginar a situação em que estavam, foram montadas feito quebra-cabeças, e deram início a grandes operações que prenderam traficantes de drogas, evitaram assassinatos de autoridades e grandes assaltos do chamado “Novo Cangaço”, que deixa um rastro de terror por onde passa.

Como retribuição recebemos há anos um ‘banho-maria’ para a criação e regulamentação da nossa profissão. Enquanto isso, seguimos atuando como polícia na prática, sem o reconhecimento e as garantias de direito, sobretudo à nossa segurança pessoal e de nossas famílias. Somos nós a primeira barreira entre eles e o mundo exterior. Somos nós os obrigados a informar a eles que não terão atendimentos por falta de servidores. Esse papel faz de nós o primeiro alvo de vingança. Não é à toa que a expectativa de vida de um policial penal no Brasil é de 45 anos, bem inferior à média nacional.

Temos que alertar que a falta de servidores chegou ao absurdo de encontrarmos, em maio deste ano, um único policial penal, DESARMADO, cuidando de 700 presos do semiaberto no Centro de Detenção Provisória de Franco da Rocha.

Sim, governador, acredito que o senhor tenha se espantado em saber que nos presídios do semiaberto paulistas os policiais penais trabalham sem armas.

Agora imagine, governador Tarcísio, que nessas unidades os detentos passam o dia todo soltos e que, para fechar as celas à noite, um policial penal, armado apenas de um molho de chaves, tranca cela por cela, cadeado por cadeado, expondo-se ao risco de agressões e até de morte.

Isso aconteceu recentemente no Centro de Ressocialização Feminino de Rio Preto. Cinco presas agrediram as únicas três policiais penais de um plantão e fugiram com facilidade. Os casos de agressão são constantes. Só este ano já foram 10. Não à toa as unidades do regime semiaberto passaram a ser consideradas mais perigosas para os servidores do que os presídios de regime fechado, o que mostra que a coisa está de cabeça pra baixo, governador.

Os funcionários do sistema prisional não reivindicam nada ao governador, a não ser o cumprimento de leis e regras constitucionais que já existem, como a regulamentação da Polícia Penal de São Paulo, atrasada há três anos e parada desde agosto, e a recomposição de servidores para atender ao Artigo 1º do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, que estabelece o número mínimo de 1 policial penal cuidando de, no máximo, 5 detentos.

Governador Tarcísio, antes mesmo da sua posse, em dezembro, o sindicato que representa os servidores organizará um seminário, com a participação de todos os atores envolvidos no sistema prisional: a troca de ideias será entre autoridades de segurança pública; OAB; organizações sociais; especialistas e populações vizinhas que sofram impactos negativos de unidades prisionais. Será a melhor oportunidade para conhecer detalhes que só quem vive o sistema no dia a dia pode saber.

Nós, policiais penais, desejamos boa sorte ao seu mandato e nos colocamos à disposição para auxiliar na construção de um sistema prisional que cumpra seu objetivo de ressocializar quem um dia perdeu-se dos caminhos da Lei. Hoje, inaceitavelmente, o sistema é uma fábrica de criminosos.

 

Fábio Jabá - presidente do Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional de São Paulo (SIFUSPESP) e secretário-geral da Federação Nacional Sindical da Polícia Penal (FENASPPEN)


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