A pandemia do Covid-19 está mudando o mundo e deve
remodelar a sociedade de forma duradoura. A educação, que tem respondido de
maneira peculiar às restrições impostas pelo distanciamento social, não passará
ilesa a esse processo e deve intensificar, em um futuro próximo, um uso mais
sofisticado e flexível da tecnologia. A análise do Fórum Econômico Mundial
sobre os possíveis impactos da pandemia na educação, revela uma mudança
imediata: milhões de pessoas no planeta estão sendo educadas graças à brecha
digital que trouxe novas abordagens pedagógicas via uso de tecnologias.
Implementada como alternativa às salas de aula fechadas, essa via tecnológica
conferiu inovação educacional a um setor que sempre resistiu aos ventos da
mudança; sempre investiu em um modelo de aulas expositivas. A outra face dessa
moeda – sobretudo em um contexto nacional –, é a possibilidade do aumento do gap
digital, ou seja, a desigualdade socioeconômica pode ser exacerbada, tornando o
acesso educacional de qualidade mais distante no Brasil. Por isso, é
fundamental a atuação do poder público e de organizações da sociedade civil no
combate a essa distorção.
Inspirado pelo relatório Three
ways the coronavirus pandemic could reshape education,
conduzido pelo Fórum Econômico Mundial – e como mestre em Educação pela
Universidade de Stanford – eu me desafiei a pensar sobre qual será o possível
legado dessa pandemia de coronavírus para a educação. Sob a constatação do
maior uso da tecnologia, acredito que veremos, no mundo sem Covid-19, um maior
número de escolas adotando do Ensino Híbrido. Para conceituar melhor,
essa modalidade integra as melhores práticas educacionais off-line e online; em
inglês, inclusive, é reconhecido pelo termo blended learning – em livre tradução,
misturar o processo de aprender. Nessa metodologia, há momentos em que o aluno
estuda sozinho, aproveitando ferramentas online; em outros, a aprendizagem
acontece de forma presencial, valorizando a interação entre alunos e com o
professor. Por inserir essas ferramentas digitais no processo de aprendizagem
do estudante, esta estratégia tem se mostrado mais coerente com o estado da
arte da educação. Os alunos deste século, os nativos digitais, estão imersos no
mundo virtual – embora nem sempre com as competências e conhecimentos
necessários para identificar seus riscos e suas oportunidades. É neste espaço
digital que está a própria linguagem, a forma de expressão, as interações e,
principalmente, as próprias fontes de informação. Neste sentido, o Ensino
Híbrido traz para a sala de aula a realidade desta nova geração.
No livro Blended - usando a inovação disruptiva para
aprimorar a educação, os autores Michael B. Horn e Heather Staker
abordam o Ensino Híbrido como a modalidade que mescla um ensino
presencial com o virtual dentro e fora da escola; ambos acreditam que essa é
uma das tendências mais importantes da educação de século XXI. Os autores
defendem que não por acaso esse programa de educação formal tem se disseminado
em redes de ensino ao redor do mundo: ele oferece aos alunos acesso a um
aprendizado mais interessante, eficiente e personalizado; torna-se, ainda, a
base de um sistema educacional centrado no aluno. Na perspectiva desse processo
eficiente e personalizado de aprender, o Ensino Híbrido funciona como um motor
que alimenta a inovação e aquisição de conhecimento dentro e fora da escola.
Por que acredito que o Ensino Híbrido será um legado? Nesse momento que vivemos – no qual o presencial foi substituído pelo virtual –, ferramentas online como Hangouts Meet e Zoom têm servido a um momento síncrono e propiciado a facilidade na integração e troca maior entre alunos e professores; uma forma de vencer limitações impostas pelo contexto. Vimos escolas se adaptando, em uma verdadeira gincana, para minimizar o impacto do distanciamento social no proces
so de aprendizagem e no ano letivo dos
estudantes. Esse fato deixou evidente que estabelecimentos de ensino conectados
com soluções tecnológicas – com intencionalidade pedagógica, como defendemos na
Geekie – têm mais capacidade de adaptação e também de adotar a mesma linguagem
dos estudantes. A tecnologia, que assumiu esse papel importante mesmo em
escolas mais tradicionais, poderá (e provavelmente irá) manter essa relevância
na educação dentro da sala de aula.
Portanto, nesse exercício de enxergar o impacto da
pandemia na educação no Brasil, acredito que deve haver a diminuição das aulas
mais tradicionais e expositivas – elas devem ser substituídas por aquelas que
trazem o estudante para o centro do processo de ensino; que são mais ativas;
que falam a linguagem do estudante. Esse caminho só é contemplado pela maior
presença da tecnologia com a intencionalidade pedagógica nas mãos dos
professores, nas rotinas dos estudantes, no acompanhamento das famílias e no
planejamento pedagógico e estratégico da gestão escolar. Na Geekie – empresa
que se tornou uma referência em educação com apoio da tecnologia e inovação – o
Ensino
Híbrido é uma das bases de nossa proposta pedagógica. Isso porque,
no momento em que o estudante está fora da escola, ele também conta com o apoio
da tecnologia para manter o processo de aprendizado, ou seja, para dar
continuidade a uma forma de assimilar – e se apoderar – de conteúdos que foram
passados na sala de aula.
O aprendizado propiciado pelo Ensino
Híbrido é mais personalizado, mais dinâmico. E, o mais importante,
confere a pais e professores a possibilidade de acompanhar o processo de
aprendizado e engajamento do aluno. A partir dessas evidências, os educadores
conseguem fazer intervenções mais rápidas. Na Geekie, temos trabalhado
diariamente com escolas para não deixar que ninguém fique para trás; impedir
que exista o gap no aprendizado causado pelas aulas expositivas
sequenciadas, que ignoram se o aluno atingiu ou não o objetivo de aprendizagem
da aula anterior. Interessante notar que o contexto das aulas online – que
levou a sala de aula para dentro de casa, forçaram as famílias a acompanharem
mais de perto o processo de educação das crianças e adolescentes –, gerou uma
aproximação maior. Os pais, hoje, podem assistir aulas dos professores, sabem o
nível de engajamento dos filhos. Essa também é uma grande mudança! E é pouco
provável que os pais, no futuro, abram mão de ter essa proximidade.
Sobre a experiência como um todo, posso dizer
também que a pandemia está impulsionando o surgimento de uma nova geração de
aprendizes, formada por pais, filhos e professores. Esse educador – que teve
que se desafiar a usar a tecnologia e se adaptar a novas formas de ensinar –
não vai abrir mão dessa conquista; esses pais e filhos, que se aproximaram via
educação, também não. Que esse seja, então, mais um legado dessa pandemia. Que
todos possamos partilhar da concepção de que somente a educação pode nos tornar
pessoas melhores. Que essa seja a grande reflexão desse Dia Mundial da
Educação.
Claudio
Sassaki - mestre em Educação pela Stanford University; graduado em Arquitetura
e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP) e cofundador da Geekie,
empresa referência em educação com apoio de tecnologia no Brasil e no mundo.
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