O grupo de vulneráveis em risco de contaminação
pelo Covid 19 abriga uma população bastante limitada, com restrições na vida
autônoma e social: os deficientes visuais ou pessoas de baixa visão.
Naturalmente, eles já criam mecanismos de adaptação para conseguirem
sobreviver em meio à escuridão. A grande maioria só conhece o mundo
através da visão do outro - ou por alguma pouca memória.
O auxílio dos sentidos remanescentes, como a
percepção, o olfato, o paladar, a audição e o tato, é fundamental para
que o universo se torne perceptível a este indivíduo. E é aqui que os
problemas e a exposição ao contágio por coronavirus começam. Para
reconhecer os locais e as pessoas, os deficientes visuais lançam mão da
exploração tátil. Apalpam o rosto para identificar o outro; tocam o
corrimão, as paredes, objetos e bancadas dentro de uma dinâmica
sensorial. As mãos, portanto, são utilizadas como principal
ferramenta de identificação em substituição aos olhos.
A bengala, sua companheira diária, também
tornou-se uma aliada perigosa e suscetível à transmissão do vírus, pois
encosta no chão e nas superfícies, carregando as bactérias.
A baixa visão de alguns faz com que levem, com
frequência, material escrito muito próximo ao rosto, outro grande perigo. Além
da dependência de terceiros para se locomover, o que contribui para o
aumento do risco de contágio.
Desta maneira, o deficiente visual, por suas
limitações , precisa de um cuidado maior ao higienizar as mãos, a
bengala, os óculos, bancadas e superfícies. Se faz importante
evitar o contato e não sair de casa, pois a certeza da segurança e a eficácia
da limpeza dos objetos de apoio para locomoção nao são garantidos.
Desafiado diariamente, o deficiente aprende a
carregar suas restrições. Mas o momento atual traz agora um inimigo invisível
que limita o tato - seu instrumento mais eficaz na visualização do mundo. Por
isso, seus sentidos precisam estar mais apurados.
Não ver as belezas do mundo através dos olhos faz
parte de seu cotidiano. Com o coração ele enxerga o outro e o que está à
sua volta. E neste sentido, espelhando-se neste indivíduo tão especial,
ressalto que estamos sendo obrigados a enxergar o universo sob outra
perspectiva. Essa doença silenciosa mostra que o mundo está além do que se
vê. O Isolamento e a incerteza do amanhã exigem que o olhar seja
voltado aos detalhes -mais empático, criativo e cuidadoso -, alimentando
nossa mente com pensamentos valiosos e produtivos.
Enfim, vamos aprender com a sensibilidade dos
deficientes visuais a não colocar óculos em ninguém - seus graus são
diferentes. Não force o outro a ver através de seus olhos. O ser humano é
um agente ativo na sociedade, sendo produto e produtor de seu ambiente e
de sua história. A atualidade exige empatia para que o olhar da gratidão
traga a perseverança por dias melhores com o fim da pandemia.
Dra Andrea Ladislau – Psicanalista.
Doutora em Psicanálise
Palestrante
Colunista
Academia Fluminense de Letras
Gestora em saúde
Repres. Intern. (USA) da University Miesperanza
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