Quando
eu era criança, em Santana do Livramento, brincava-se com bolinha de gude. Por
influência castelhana chamava-se “jogo de bolita” e era disputado “às brinca”
ou “às ganha”. Às brinca jogava-se por diversão; às ganha, pela bolita do
adversário. Daí a pergunta: a intervenção no Rio de Janeiro é às brinca ou às
ganha?
Não
posso sequer imaginar o Exército de Caxias descendo o morro, cabisbaixo,
derrotado por homicidas, ladrões, traficantes e estupradores, sob o olhar
desesperançado da população. Jamais!
A reprovação da oposição e
movimentos sociais à intervenção no Rio de Janeiro se dá por motivos militares?
Motivos policiais? Não. Por insuficiência dos meios em relação aos fins?
Tampouco. Ela é determinada pelos motivos ideológicos de costume. São os mesmos
que sempre estiveram ao lado da criminalidade. São os mesmos que a percebem
como força auxiliar no processo da revolução social com que perfilam seus
palanques e tribunas. Deles, em circunstância alguma, se ouviu palavra de
reprovação a quaisquer condutas criminosas que não fossem atribuíveis a seus
adversários. Nunca se ouviu dessa esquerda vociferante uma advertência sequer
aos bandidos do país. Nos diferentes níveis de governo ou fora deles, governando
ou impedindo de governar, legislando ou impedindo de legislar, sempre se
alinharam com a justificativa ideológica da criminalidade. Nas comissões de
“direitos humanos” dos parlamentos e nos conselhos nacionais, estaduais,
municipais e siderais de igual viés, sempre se instalam, constrangendo e
recriminando a atividade policial.
Trata-se de uma percepção
política da Moral. Esse grupo - como reiteradamente tenho comprovado na
experiência de décadas de debates - crê com fé religiosa que o capitalismo, o
livre mercado e a propriedade privada são as causas da pobreza, das
desigualdades sociais e as gêneses de todo mal. Por mais que a realidade, o
presente e a história os contradigam, sustentam que, eliminados tais fatores,
não só o mal deixaria de existir, mas a humanidade emergiria num paraíso de
amor e paz. Quem acredita nisso conclui que não se deveria criminalizar a
conduta de quem conduta diversa não possa ser exigida. Para esses
preconceituosos, o pobre em nome de quem dizem falar é um bandido em potencial.
Voilá! A
impunidade e seus corolários infiltram-se, por essa fresta, no lado formal,
estatal, público, da cadeia produtiva da criminalidade. É um verdadeiro self service de leis brandas, persecução
penal constrangida a escalar exaustivas e morosas escarpas recursais, penas
mínimas, cadeias de menos, garantias demais, indenizações aos presos,
progressões de regime, arrombados semiabertos, “prisões” domiciliares,
maioridade aos 18 anos, restrições ao regime disciplinar diferenciado, indultos,
ativismo judicial, insegurança jurídica, e o Poder Judiciário atabalhoado entre
interpretações contraditórias. Quem buscar causas para o vertiginoso
crescimento da criminalidade no Brasil se irá deparar, necessariamente, com a
impunidade, esse verdadeiro energético aplicado diretamente nas artérias do
mundo do crime. Sobre tudo isso, um desarmamento que permite selecionar a
vítima com o dedo, assim como se elege o frango assado na vitrine da mercearia.
A
criminalidade declarou guerra à nação e as Forças Armadas foram convocadas a
intervir. Não posso imaginar o Exército de Caxias descendo o morro em retirada.
Nem consigo supor que vá, simplesmente, espanar o morro e espalhar o crime,
numa operação que exige aspirador de pó. Impõe-se forte pressão social para que
os entraves jurídicos sejam removidos, a bem da segurança de todos e,
principalmente das populações usadas como valhacoutos dos barões do crime.
Nota
do autor: Aos 60 anos da
revolução cubana, estou ultimando uma nova edição ampliada e atualizada de “Cuba, a
tragédia da utopia”. Ela estará disponível nos próximos meses.
Percival Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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