É fundamental a construção de uma relação
de confiança entre pais, escola e criança, ressaltam hematologistas
A
hemofilia é uma condição rara. Quem nasce com esta doença tem algumas proteínas
necessárias para coagular o sangue (chamadas fatores de coagulação) em menor
quantidade do que o normal. “Há 13 fatores de coagulação no sangue em
nosso organismo, e quando há algum hematoma/machucado, é necessário que um vá
ativando o outro para que se forme o coágulo. Se um estiver deficiente,
diminuído ou ausente, esse ciclo não se fecha e a pessoa continua sangrando”,
explica Claudia Lorenzato, hematologista e hemoterapeuta, responsável pelo
tratamento de coagulopatias no Paraná.
Existem
dois tipos de hemofilia, que podem ser classificados entre leve, moderada
e grave. A hemofilia A ocorre por deficiência do fator VIII de
coagulação do sangue e a hemofilia B, por deficiência do fator IX.
Nos quadros graves há menos de 1% de atividade do fator de coagulação,
moderado há entre 1 e 5% e os leves acontecem quando há entre 5 e 40% de fator
no sangue da pessoa.
Ana
Clara Kneese, hematologista da Santa Casa de São Paulo, afirma que os episódios
de sangramento podem ocorrer logo no primeiro ano de vida do paciente. “Os
episódios se tornam mais evidentes quando a criança começa a andar e a cair,
após vacinas ou com a primeira dentição. São pequenos traumas que em outras
crianças não causaria nada, mas em crianças com a condição causam manchas
roxas, dor no membro, hematoma e sangramento aumentado”.
A
médica recomenda que, vivenciando tais acontecimentos, os pais procurem
atendimento médico imediatamente, mas que não necessariamente seja um
especializado em hemofilia. “Os responsáveis precisam consultar um pediatra que
fará a investigação inicial, uma vez que existem outros problemas de
coagulação. Sendo constatada a hemofilia, a criança deve ser encaminhada ao
especialista para fazer o diagnóstico correto e direcionar o melhor
tratamento.”
Como
a hemofilia afeta a escolarização?
Em
grande parte, por conta da raridade da condição, o momento da criança ir para a
escola pode ser de apreensão por parte dos pais, a sensação é que ninguém além
da própria família vai saber cuidar corretamente, e a partir daí, criam-se barreiras.
Como
a Educação é garantida pela Constituição e regida sob o Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA), a criança com hemofilia não pode e não deve ser privada
deste direito. E cabe à escola buscar informações para que a inclusão
dessa criança seja feita de maneira gradual e positiva, uma vez que a hemofilia
não é algo aparente.
Felizmente,
devido à eficácia do tratamento, atualmente a hemofilia não deve ter um impacto
sério sobre a educação da criança. “O tratamento consiste na infusão preventiva
do fator de coagulação deficiente, também conhecido
como terapia de substituição de fator VIII ou IX, que fornece ao corpo a
proteína em falta. Isso possibilita a integração social da criança com
seus colegas, podendo brincar, fazer amigos e desenvolver-se plenamente”,
afirma Ana Clara Kneese.
A
frequência e a dosagem das infusões de fator, por exemplo, vão depender da
gravidade da hemofilia, dos hábitos do paciente, de seu peso, como ele tem
respondido aos fatores infundidos. O ideal é evitar que exista uma primeira
lesão/sangramento antes de se iniciar o tratamento.
A
Federação Brasileira de Hemofilia destaca que o mais importante é que seja
estabelecido um bom canal de comunicação com os pais. Por esta razão, é
aconselhável manter reuniões, conforme necessário, para esclarecer dúvidas,
para expressar receios ou angústias ou simplesmente comentar a respeito de
outros aspectos relacionados à evolução da criança.
O
coordenador da turma, o professor responsável pela criança, o professor de
educação física, monitores e enfermaria (se houver) poderão identificar, em
algum momento, situações de risco ou alguma ocorrência que tenha produzido um
evento traumático.
Todas
as escolas têm um modelo de ficha de registro para cada criança. Além dos dados
normais, é muito importante mencionar na ficha da criança com hemofilia os
seguintes dados:
1. Número do telefone
onde os pais podem ser localizados a qualquer momento;
2. Tipo e gravidade da
hemofilia;
3. Tipo de tratamento que
a criança faz;
4. Nome e telefone do
Hemocentro onde a criança é tratada;
5. Nome do médico ou
pessoa de referência no hemocentro;
6. Indicações médicas
para o tratamento na Escola, por exemplo:
· Não
dar aspirina ou qualquer medicamento com AAS, atrasa a coagulação e piora o
problema;
· Colocar
gelo no local afetado após um trauma;
· Exercer
pressão sobre cortes após lavá-los e tampá-los com gaze.
· No
caso de hemorragias nasais, colocar gotas de ácido tranexâmico e aplicar
tamponamento ou pressão.
A
criança com hemofilia pode e deve. A menos que haja outra contraindicação
médica, ou que ela esteja em tratamento de alguma hematrose e esteja retornando
às atividades gradativamente. Além disso, a interação com os colegas nesse
momento é importante para toda criança e adolescente, pois eles sentem que
pertencem ao grupo e que não são discriminados.
“Os
exercícios atuam no condicionamento físico e no fortalecimento da musculatura,
ajudando a diminuir a dor e os sangramentos nas articulações. No entanto,
apesar de todas as atividades serem potencialmente possíveis, aquelas de menor impacto
são as mais indicadas”, completa Claudia Lorenzato.
No
caso de crianças pequenas, é muito importante trabalhar a psicomotricidade, já
que em longo prazo ajudará a criar um bom esquema corporal, definir os seus
limites, coordenação motora, lateralidade, etc.
Muitos
incidentes que você pode esperar que causassem problemas podem facilmente ser
resolvidos com simples procedimentos de primeiros socorros. Outros não. Os
cuidados mais específicos devem ser para o caso de uma criança com articulação
alvo, ou seja, articulação que já sofreu três ou mais hemorragias no período de
seis meses, ou uma articulação mais frágil.
As
hematologistas explicam que no caso de uma emergência com uma criança com
hemofilia, ela deverá receber a infusão do fator de coagulação, na dose usual,
e ser levado a um hospital de referência. Após isto, o hematologista deve ser
contatado. Somente caso o Hemocentro ou Centro de Tratamento de Hemofilia (CTH)
seja próximo da escola, deverá ser levada diretamente para lá. “Qualquer
sangramento ao redor da face, pescoço ou garganta deve ser considerado uma
emergência, e tratado imediatamente”, ressalta Ana Clara.
É
importante não perder o controle. “A criança com hemofilia não sangrará mais
que os outros, nem mais rapidamente. Ela sangrará até ser medicada com o fator
de coagulação. Por isso, é indicado ter uma dose na escola, com pessoas
devidamente treinadas para realizar a infusão intravenosa”, completa.
Referências
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4. Ministério
da Saúde. Perfil das
Coagulopatias Hereditárias no Brasil 2014. DF, 2015.
5. Escolas
e pais de crianças com hemofilia devem ter relação de confiança. Acessado
em 11 de Maio de 2017. Disponível em: http://www.hemofiliabrasil.org.br
6.
Frequently Asked Questions About Hemophilia. World
Federation of Hemophilia. Acessado em 08 de Março de 2017. Disponível em: https://www.wfh.org/en/page.aspx?pid=637 .
7. Manco-Johnson
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8.
Ferreira, AA, et al. Hemophilia A in Brazil – epidemiology and treatment
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