Ser um humano não garante a
humanidade. Pode parecer uma afirmação ilógica a primeira vista, porém o que se
tem por humanidade não é sinônimo de ser um humano, como pode se considerar em
um primeiro momento. O humano é a condição base da espécie, que é dotada de
liberdade de escolha e capaz do raciocínio lógico, mas não exclui o instinto e,
nem mesmo, a posturas consideradas “inumanas”.
Hoje em dia se acostumou a
falar que é desumano cometer atos que são prejudiciais ao próximo, como
guerras, que prejudicam populações inteiras, ou mesmo atos de corrupção, que
prejudicam grupos dentro de uma empresa ou governo. O caso é que o humano é
capaz dessas coisas, e o que o impede, ou faz refletir sobre não fazê-lo, é sua
humanidade, que não é uma condição inata. A humanidade é uma construção da
evolução, fruto da consciente capacidade de escolher e raciocinar, porém apenas
quando guiada pelo aprendizado e pelo esclarecimento.
A natureza escolheu os
instintos para guiar a vida dos animais. Isso os acorrenta a sempre escolher os
meios e os fins que atendam a um único propósito, a perpetração de sua espécie.
Já os humanos também têm instintos, porém raciocinar e escolher está em nós, o
que faz com que, por essa liberdade, nem sempre escolhamos os caminhos que
perpetuaram nossa sociedade.
Na verdade, o que o humano
geralmente escolhe é a preservação de si mesmo. Esse é o caminho da ética egoísta,
que considera apenas o ganho presente, individual, e cujo nível de
esclarecimento é baixo. Digo nível de esclarecimento no sentido ético, no
sentido de continuação da espécie, da construção evolutiva que pode levar o ser
humano além como raça.
Nascemos humanos e buscamos
a humanidade através desse esclarecimento. Nascemos egocêntricos, viciosos, em
estado de menoridade. Para sair disso é preciso escolher conscientemente a
humanidade. O altruísmo, a virtude e a maioridade só vem com o aprendizado. Este
por fim gera o esclarecimento.
Mas, porque buscar isso? Se
somos naturalmente viciosos, por que buscar o esclarecimento? Por que se
preocupar com o próximo? Basicamente por dois motivos; primeiro: por sermos
detentores de dignidade, algo que é tão natural quanto ser um ser humano e;
segundo: por sermos reclamantes dessa dignidade.
Isso quer dizer que quando a
dignidade nos é tirada nós lutamos para reconquistá-la, para voltar ao estado
de bem estar e felicidade. Por sermos sensíveis a perceber que somos dignos, se
torna necessário que se alcance um estado onde a dignidade seja garantida,
encontrando então esse estado de humanidade.
Mas, como se dá a passagem
do mero humano para o humanizado? Justamente pelo esclarecimento advindo do
aprendizado. Para aprender é preciso escolher, mas, sobretudo, com
responsabilidade. Exatamente com esses atos que partem da ética nobre, que
pensa no maior número de pessoas, o esclarecimento surge então conforme vamos
nos sensibilizando com o outro, exemplo da empatia ou íntima compaixão.
No entanto, é possível
alcançarmos outro caminho quando não pela empatia; pelo uso do raciocínio. Por
ele se constrói princípios éticos e passíveis do uso da liberdade e escolha,
como escolher, por exemplo, a ética nobre. Porém tudo começa com uma atitude de
escolha consciente em abraçar essa habilidade humana de construir a humanidade.
Sem usar isso estamos condenados, pois até os animais são compelidos a se
preservar como espécie. Nós, sem escolher pela dignidade, estamos fadados a
extinção e a um mal que destrói até o último de nós.
Samuel
Sabino - fundador da Éticas Consultoria, Filósofo, Mestre
em Bioética, e professor universitário.
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