quinta-feira, 25 de maio de 2017

A criança com hemofilia: Cuidados necessários para uma vida normal



É fundamental a construção de uma relação de confiança entre pais, escola e criança, ressaltam hematologistas


A hemofilia é uma condição rara. Quem nasce com esta doença tem algumas proteínas necessárias para coagular o sangue (chamadas fatores de coagulação) em menor quantidade do que o normal. “Há 13 fatores de coagulação no sangue em nosso organismo, e quando há algum hematoma/machucado, é necessário que um vá ativando o outro para que se forme o coágulo. Se um estiver deficiente, diminuído ou ausente, esse ciclo não se fecha e a pessoa continua sangrando”, explica Claudia Lorenzato, hematologista e hemoterapeuta, responsável pelo tratamento de coagulopatias no Paraná.

Existem dois tipos de hemofilia,  que podem ser classificados entre leve, moderada e grave. A hemofilia A ocorre por deficiência do fator VIII de coagulação do sangue e a hemofilia B, por deficiência do fator IX. Nos quadros graves há menos de 1% de atividade do fator de coagulação, moderado há entre 1 e 5% e os leves acontecem quando há entre 5 e 40% de fator no sangue da pessoa.

Ana Clara Kneese, hematologista da Santa Casa de São Paulo, afirma que os episódios de sangramento podem ocorrer logo no primeiro ano de vida do paciente. “Os episódios se tornam mais evidentes quando a criança começa a andar e a cair, após vacinas ou com a primeira dentição. São pequenos traumas que em outras crianças não causaria nada, mas em crianças com a condição causam manchas roxas, dor no membro, hematoma e sangramento aumentado”. 

A médica recomenda que, vivenciando tais acontecimentos, os pais procurem atendimento médico imediatamente, mas que não necessariamente seja um especializado em hemofilia. “Os responsáveis precisam consultar um pediatra que fará a investigação inicial, uma vez que existem outros problemas de coagulação. Sendo constatada a hemofilia, a criança deve ser encaminhada ao especialista para fazer o diagnóstico correto e direcionar o melhor tratamento.” 


Como a hemofilia afeta a escolarização? 

Em grande parte, por conta da raridade da condição, o momento da criança ir para a escola pode ser de apreensão por parte dos pais, a sensação é que ninguém além da própria família vai saber cuidar corretamente, e a partir daí, criam-se barreiras. 

Como a Educação é garantida pela Constituição e regida sob o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a criança com hemofilia não pode e não deve ser privada deste direito.  E cabe à escola buscar informações para que a inclusão dessa criança seja feita de maneira gradual e positiva, uma vez que a hemofilia não é algo aparente. 

Felizmente, devido à eficácia do tratamento, atualmente a hemofilia não deve ter um impacto sério sobre a educação da criança. “O tratamento consiste na infusão preventiva do fator de coagulação deficiente, também conhecido como terapia de substituição de fator VIII ou IX, que fornece ao corpo a proteína em falta. Isso possibilita a integração social da criança com seus colegas, podendo brincar, fazer amigos e desenvolver-se plenamente”, afirma Ana Clara Kneese.

A frequência e a dosagem das infusões de fator, por exemplo, vão depender da gravidade da hemofilia, dos hábitos do paciente, de seu peso, como ele tem respondido aos fatores infundidos. O ideal é evitar que exista uma primeira lesão/sangramento antes de se iniciar o tratamento. 


Quais informações devem ser fornecidas para a escola? 

A Federação Brasileira de Hemofilia destaca que o mais importante é que seja estabelecido um bom canal de comunicação com os pais. Por esta razão, é aconselhável manter reuniões, conforme necessário, para esclarecer dúvidas, para expressar receios ou angústias ou simplesmente comentar a respeito de outros aspectos relacionados à evolução da criança. 

O coordenador da turma, o professor responsável pela criança, o professor de educação física, monitores e enfermaria (se houver) poderão identificar, em algum momento, situações de risco ou alguma ocorrência que tenha produzido um evento traumático.  

Todas as escolas têm um modelo de ficha de registro para cada criança. Além dos dados normais, é muito importante mencionar na ficha da criança com hemofilia os seguintes dados: 

1.      Número do telefone onde os pais podem ser localizados a qualquer momento;

2.      Tipo e gravidade da hemofilia;

3.      Tipo de tratamento que a criança faz;

4.      Nome e telefone do Hemocentro onde a criança é tratada;

5.      Nome do médico ou pessoa de referência no hemocentro;

6.      Indicações médicas para o tratamento na Escola, por exemplo:

·         Não dar aspirina ou qualquer medicamento com AAS, atrasa a coagulação e piora o problema;

·         Colocar gelo no local afetado após um trauma;

·         Exercer pressão sobre cortes após lavá-los e tampá-los com gaze.

·         No caso de hemorragias nasais, colocar gotas de ácido tranexâmico e aplicar tamponamento ou pressão. 


A criança pode praticar atividades físicas em casa ou frequentar as aulas de educação física?

A criança com hemofilia pode e deve. A menos que haja outra contraindicação médica, ou que ela esteja em tratamento de alguma hematrose e esteja retornando às atividades gradativamente. Além disso, a interação com os colegas nesse momento é importante para toda criança e adolescente, pois eles sentem que pertencem ao grupo e que não são discriminados.

“Os exercícios atuam no condicionamento físico e no fortalecimento da musculatura, ajudando a diminuir a dor e os sangramentos nas articulações. No entanto, apesar de todas as atividades serem potencialmente possíveis, aquelas de menor impacto são as mais indicadas”, completa Claudia Lorenzato. 

No caso de crianças pequenas, é muito importante trabalhar a psicomotricidade, já que em longo prazo ajudará a criar um bom esquema corporal, definir os seus limites, coordenação motora, lateralidade, etc. 


Com o que os responsáveis devem ter cuidado?

Muitos incidentes que você pode esperar que causassem problemas podem facilmente ser resolvidos com simples procedimentos de primeiros socorros. Outros não. Os cuidados mais específicos devem ser para o caso de uma criança com articulação alvo, ou seja, articulação que já sofreu três ou mais hemorragias no período de seis meses, ou uma articulação mais frágil.

As hematologistas explicam que no caso de uma emergência com uma criança com hemofilia, ela deverá receber a infusão do fator de coagulação, na dose usual, e ser levado a um hospital de referência. Após isto, o hematologista deve ser contatado. Somente caso o Hemocentro ou Centro de Tratamento de Hemofilia (CTH) seja próximo da escola, deverá ser levada diretamente para lá. “Qualquer sangramento ao redor da face, pescoço ou garganta deve ser considerado uma emergência, e tratado imediatamente”, ressalta Ana Clara.

É importante não perder o controle. “A criança com hemofilia não sangrará mais que os outros, nem mais rapidamente. Ela sangrará até ser medicada com o fator de coagulação. Por isso, é indicado ter uma dose na escola, com pessoas devidamente treinadas para realizar a infusão intravenosa”, completa.






Referências
1. Srivastava, A. et al. and Treatment Guidelines Working Group of the WFH.Guidelines for the management of hemophilia. Haemophilia 2013, 19(1); e8-9, e44
2.  Ministério da Saúde. Manual de Hemofilia. 2015. Brasília - DF. 2ª edição. 1ª reimpressão.
3.  World Federation of Hemophilia. About bleeding disorders. Treatment. Acessado em 09 de março de 2017. Disponível em: https://www.wfh.org/en/sslpage.aspx?pid=642
4.   Ministério da Saúde. Perfil das Coagulopatias Hereditárias no Brasil 2014. DF, 2015.

5. Escolas e pais de crianças com hemofilia devem ter relação de confiança. Acessado em 11 de Maio de 2017. Disponível em: http://www.hemofiliabrasil.org.br
6.  Frequently Asked Questions About Hemophilia. World Federation of Hemophilia. Acessado em 08 de Março de 2017. Disponível em: https://www.wfh.org/en/page.aspx?pid=637 .
7.  Manco-Johnson et al. N Engl J Med. 2007;357(6):535-544.
8.  Ferreira, AA, et al. Hemophilia A in Brazil – epidemiology and treatment developments. J Blood Med 2014; 5: 175-84.



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