Instituto DACOR reúne nomes importantes para a luta contra a escravidão no século 19 e que ajudam a entender esse período
Domingo, 13 de maio de 1888. Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bourbon e Bragança, a princesa Isabel, sanciona a Lei Áurea, dando fim à escravidão do Brasil, regime que durou cerca de 300 anos. Uma multidão acompanha o ato ao lado de fora do Paço Imperial. A princesa, filha de Dom Pedro II, fica conhecida como “a Redentora”.
Não há como negar que o 13 de maio, que celebra a abolição da escravatura, é um marco. Marco esse, porém, de uma história contada por apenas uma voz, que exalta a figura da princesa Isabel como heroína de uma trajetória com a presença de abolicionistas negros e escravizados, que lutaram para o fim do regime escravagista no Brasil, último país que manteve a escravidão nas Américas. A narrativa oficial, ao longo do século 20, tratou de apagar figuras como Maria Firmina dos Reis e Luís Gama e exaltar a assinatura de Isabel.
“Maio de 1888 representa um divisor de águas na história do Brasil, em que os ideais de igualdade e liberdade foram colocados em prática, principalmente pelo maior movimento social que já existiu na história brasileira: o da libertação das pessoas escravizadas. Um movimento de resistência por parte da população negra, que teve sua vida dilacerada por um sistema desumanizador, cruel, perverso e violento”, afirma Vidal Mota Júnior, um dos fundadores do Instituto DACOR, organização sem fins lucrativos que atua na produção, integração e disseminação de dados, conhecimentos e evidências sobre o racismo no país.
Segundo Vidal, a luta pela liberdade das pessoas
escravizadas é muito maior do que um ato isolado de uma senhora branca da
monarquia brasileira. Por isso, na celebração dos 135 anos da assinatura da Lei
Áurea, o Instituto DACOR reúne nomes importantes para a luta contra a
escravidão ao longo do século 19, e que, ainda hoje, ajudam a entender esse
período:
MARIA FIRMINA DOS REIS, a primeira romancista brasileira
Por meio da literatura, Maria Firmina dos Reis foi voz de resistência e luta contra a escravidão. Professora, poetisa e romancista, sua obra Úrsula, de 1859, é considerada o primeiro romance publicado por uma mulher negra em toda a América Latina – e o primeiro romance abolicionista de autoria feminina em todos os países de Língua Portuguesa.
Nascida em São Luís, Maranhão, Maria Firmina escreveu sobre a desigualdade vivida pelos escravizados e pelas mulheres no século XIX. Em Úrsula, negros africanos e afro-brasileiros refletem, em primeira pessoa, a condição da escravidão e do contexto de opressão e patriarcado no Brasil.
No prólogo da obra, assinado por um pseudônimo da autora, se
segue: “Mesquinho e humilde livro é este que vos apresento, leitor. (…)
Sei que pouco vale este romance, porque escrito por uma mulher, e mulher
brasileira, de educação acanhada e sem o trato e a conversação dos homens
ilustrados”.
LUIS GAMA, o escravizado que virou advogado
Luís Gama foi responsável pela libertação de muitos escravizados, antes mesmo da abolição. Poeta, jornalista e advogado, nasceu em Salvador, filho de Luíza Mahin, escrava liberta que participou da revolta dos Malês, em 1835, e da Sabinada, de 1837 a 1838, pelo fim da escravidão. Luíza foi perseguida e fugiu para o Rio de Janeiro, onde desapareceu.
Aos 10 anos, Luís foi vendido como escravo, e levado para São Paulo. Quando tinha 17 anos aprendeu a ler, reivindicou a sua liberdade a seu proprietário e a conseguiu. Tornou-se advogado autodidata e começou a apoiar a libertação de diversos escravos, entrando com ações na Justiça. Ele teria ajudado na alforria de cerca de 500 pessoas e solicitou o habeas corpus de negras e negros presos, especialmente em situação de fuga.
“As vozes dos abolicionistas têm posto em relevo um fato
altamente criminoso e assaz defendido pelas nossas indignas autoridades. A
maior parte dos escravos africanos (…) foram importados depois da lei
proibitiva do tráfico promulgada em 1831”, disse Gama na época.
ADELINA, a charuteira informante dos abolicionistas
Ao vender charutos nas ruas de São Luís, no Largo do Carmo, Adelina foi informante e participou de diversos comícios abolicionistas no Maranhão. Nascida em 1859 e filha de uma escrava com um senhor, Adelina recebeu a promessa de que seria libertada por seu pai aos 17 anos, mas o juramento não foi cumprido. Seu pai empobreceu, passou a fabricar charutos e ela virou vendedora dos produtos.
“A charuteira”, como passou a ser chamada, circulava pela cidade vendendo em bares e fregueses avulsos, como era o caso dos estudantes do Liceu, no Largo do Carmo, com os quais assistiu comícios abolicionistas promovidos por eles.
Como conhecia as rotas e ruas da cidade, a jovem virou
informante das ações da polícia aos ativistas, ajudando inclusive na fuga de
escravos. Somente em 1876 ela conseguiu sua alforria e manteve sua luta pelo
fim da escravidão.
JOSÉ DO PATROCÍNIO, “o Tigre da Abolição”
Por meio da escrita e do trabalho jornalístico, José do Patrocínio foi orador na campanha em prol da abolição da escravatura. Nascido em Campos, no Rio de Janeiro, em 1854, era filho de Justina Maria do Espírito Santo, quitandeira e escrava liberta, e do cônego José Carlos Monteiro. Mudou-se para a capital carioca para estudar Farmácia, mas pouco exerceu a profissão.
Em 1877, começou a escrever na Gazeta de Notícias. Dois anos
depois, iniciou no jornal a campanha pela Abolição, com outros jornalistas como
Ferreira de Meneses, Joaquim Nabuco, Lopes Trovão, Ubaldino do Amaral, Teodoro
Sampaio e Paula Nei. O jornalista foi um dos fundadores da Academia Brasileira
de Letras, e ocupou a Cadeira n.º 21, cujo patrono é Joaquim Serra.
FRANCISCO JOSÉ DO NASCIMENTO, o “dragão do mar”
Francisco José do Nascimento foi um jangadeiro que se recusou a fazer parte do mercado de escravizados no Ceará. O movimento liderado por ele impediu o transporte de pessoas escravizadas no porto de Fortaleza, sendo um importante marco no movimento abolicionista na região.
Nascido em 1839, em Aracati, no Ceará, Francisco, conhecido
como Chico da Matilde, tinha 42 anos quando liderou a greve dos jangadeiros, em
1881. Em 1884, o Ceará tornou-se a primeira província brasileira a abolir a
escravidão, quatro anos antes da assinatura da Lei Áurea. Na ocasião, Dragão do
Mar foi ao Rio de Janeiro com seus companheiros, onde participou das
comemorações pela abolição no Ceará. Nessa viagem, levou sua embarcação chamada
“Liberdade”, a bordo de um navio mercante.
ANDRÉ REBOUÇAS
André Rebouças fazia a ponte entre o abolicionismo das ruas e o dos gabinetes políticos. Considerado um dos principais articuladores do fim da escravidão, defendia que a abolição fosse seguida de uma reforma agrária, que destinasse terras para os ex-escravizados.
André Pinto Rebouças nasceu durante a Sabinada, revolta acontecida
na Bahia entre 1837 e 1838, na cidade de Cachoeira, localizada no Recôncavo
Baiano. Engenheiro militar, participou da Guerra do Paraguai e, na década de
1880, engajou-se na campanha abolicionista, colaborando na criação da Sociedade
Brasileira contra a Escravidão, ao lado de Joaquim Nabuco e José do Patrocínio.
Também participou da Confederação Abolicionista e foi redator dos estatutos da
Associação Central Emancipadora.
Instituto DACOR
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