Diante do caos que vive o país, uma nova lei, publicada em 10 de março, assegurou a possibilidade da compra da vacina contra o coronavírus por municípios, governos estaduais e mesmo entes privados.
Em relação ao nosso arranjo federativo, a
possibilidade de um município comprar vacina potencializa desigualdades
regionais e cria uma questionável "geopolítica da vacina", que se
defronta, por outro lado, com o fato de que no dia em que a lei foi publicada,
mais de 2 mil brasileiros morreram por Covid-19.
A lei adequadamente exige que a vacina a ser
comprada tenha registro ou autorização temporária pela ANVISA; afinal, tempos
nefastos demandam medidas urgentes, porém, de nada adiantam soluções sem base
científica. Ao permitir a compra por “pessoas jurídicas de direito privado”, a
lei autoriza a aquisição por empresas, associações e sindicatos, com regras
especiais.
Na primeira fase, até que seja concluída a
imunização do grupo prioritário, tal como definido no Programa Nacional de
Imunizações (PNI), as vacinas compradas por entes privados devem ser doadas ao
SUS, todas elas. Uma vez atingida a imunização de todo o grupo prioritário,
permite-se a aquisição das vacinas por entes privados desde que metade seja
doada ao SUS. Esse mecanismo, além de atender a uma perspectiva coletiva,
harmoniza-se com uma racionalização dos cada vez mais escassos recursos para
atenção dos pacientes graves.
A lei proíbe a revenda das vacinas, no entanto, o
efetivo controle desta restrição será muito difícil. Espera-se que sua
regulamentação seja simples, sobretudo diante do recente histórico de
dificuldades do Ministério da Saúde.
A nova legislação permitiu a contratação de seguro
nacional ou internacional pela União, estados e municípios. Essa medida busca
facilitar o atendimento às exigências das farmacêuticas. Sob outra ótica, não
se pode esquecer que o direito brasileiro não possui uma definição clara sobre
a responsabilização por riscos das novas tecnologias. Em um momento em que cada
um considera-se prioritário, não podemos esquecer que a prioridade precisa ser
vacinar.
Começando atrasado a corrida pela vacinação, o
Brasil assume medidas que certamente são compreensíveis, mas que reproduzem
injustiças arraigadas em nossa sociedade e que não devem ser esquecidas. Sob um
prisma ético, diante do momento delicado em que vivemos, a lei parece uma
concessão necessária, ainda que dolorosa, diante da impossibilidade de uma
“estratégia nacional” propriamente dita.
Gabriel Schulman - doutor em Direito, advogado em Trajano Neto e Paciornik, professor da Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo e coordenador da Pós-Graduação em Direito e Tecnologia.
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