Ambientalistas, pesquisadores e profissionais do meio ambiente fazem um balanço de como foi 2020 no campo ambiental e lançam suas apostas para o que deve mover o Brasil e o mundo em 2021
Enchentes, queimadas, desmatamento, ciclone bomba,
nuvem de gafanhoto, animais invasores e uma pandemia sem precedentes na
história moderna. O ano de 2020 apresentou grandes desafios relacionados ao
meio ambiente e encerra como o terceiro ano mais quente já registrado. Por um
lado, 2020 foi marcado pela união dos países em construir uma economia mais
verde; por outro, pelos desafios mais imediatos provocados pelo coronavírus.
“Este foi um ano de paradoxos. Apesar do efeito
nefasto em mortes pela Covid-19 e a perda de renda devido à desaceleração
econômica, esta situação provocou uma redução considerável na poluição do ar,
tanto pela redução da movimentação de veículos no planeta como pela desaceleração
industrial”, resume o membro da Rede de Especialistas em Conservação da
Natureza (RECN) e professor do Laboratório de Inovação em Sustentabilidade da
Universidade de Colorado, Gunars Platais.
Ele e outros especialistas fizeram um balanço dos
eventos mais marcantes da área ambiental em 2020 e traçaram algumas
perspectivas para 2021. Veja a seguir:
Retrospectiva 2020
Fim da Década da Biodiversidade
Em 2020, encerra-se a Década da Biodiversidade,
criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) para proteger as espécies do
planeta. No entanto, nenhuma das metas definidas para o período foi atingida de
acordo com o balanço
final da Década divulgado pela entidade em setembro deste ano. No
Brasil, números apresentados em novembro pelo Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE) mostraram que o país tem 3.299 espécies ameaçadas
de extinção.
Redução das emissões de gases do efeito estufa
Um estudo da revista científica Nature Communications mostrou
que a pandemia teve grande impacto na redução da poluição atmosférica. Segundo
cálculos dos pesquisadores, houve uma queda de 8,8% nas emissões de dióxido de
carbono (CO2) na primeira metade do ano em comparação com igual período de
2019. A redução é maior do que a registrada em crises econômicas anteriores ou
na Segunda Guerra Mundial. Por outro lado, em relação à redução das emissões de
gases de efeito estufa, o Brasil estabeleceu recentemente metas pouco
ambiciosas a serem cumpridas até 2030, mantendo o que havia sido proposto há
cinco anos.
Enchentes e estiagens
O primeiro semestre foi de chuvas fortes em muitas
cidades do país, causando alagamentos recordes e devastação. Ao mesmo tempo,
outras regiões sofreram com o problema da estiagem, que em alguns casos, como
em Curitiba (PR), foi a mais longa já registrada. De acordo com especialistas,
o fenômeno de precipitações mais intensas e secas mais duradouras é reflexo dos
efeitos das mudanças climáticas. “São eventos extremos que afetam a
biodiversidade, o equilíbrio dos ecossistemas e as pessoas, com restrição ao
abastecimento de água, falta de energia e aumento de tarifas, por exemplo. Além
disso, quando a estiagem é muito longa, é preciso acionar as usinas
termelétricas, que são mais poluentes”, explica o gerente de Economia da
Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, André
Ferretti, alertando que esse cenário deve permanecer em 2021 e nos próximos
anos.
Pantanal
Em 2020, o Pantanal recebeu atenção internacional
em razão dos incêndios que queimaram o bioma e mataram milhares de animais. O
fogo atingiu Unidades de Conservação (UCs), incluindo o Parque Estadual
Encontro das Águas, que reúne a maior população de onça-pintada do mundo. “Em
2020, a intensidade e a quantidade de áreas atingidas pelo fogo foram muito
grandes. Apesar das políticas equivocadas do governo federal e algumas em nível
dos estados do Mato Grosso do Sul e do Mato Grosso, a tragédia estabeleceu um
clima de solidariedade na sociedade e ao mesmo tempo aparou algumas arestas
entre o terceiro setor e a iniciativa privada”, comenta o membro da RECN e
diretor executivo do Instituto SOS Pantanal, Felipe Dias.
Eventos climáticos extremos
Além das chuvas e estiagens, o Brasil também
conviveu com eventos climáticos incomuns ao longo do ano, como o ciclone bomba,
que prejudicou mais gravemente a região Sul do país, e a nuvem de gafanhotos,
ocasionada pelas mudanças climáticas e por práticas não sustentáveis de
agricultura.
Passando a boiada
Em uma reunião ministerial em 22 de abril, o
ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, declarou que o governo deveria
aproveitar o foco da imprensa na cobertura da pandemia do novo coronavírus para
passar “reformas infralegais de desregulamentação e simplificação”. “Para isso,
precisa ter um esforço nosso aqui, enquanto estamos neste momento de
tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só falam de Covid, e
ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”, disse
Salles na ocasião. Entre as tentativas de mudanças orquestradas pelo governo
federal estão as alterações na fiscalização da exportação de madeira e
demissões nos órgãos de controle ambiental.
Pesca de sardinhas em Fernando de Noronha
No final de outubro, o governo federal autorizou a
pesca de sardinhas no Parque Nacional Marítimo de Fernando de Noronha, o que
gerou preocupação entre ambientalistas e pesquisadores. “Foi autorizada de uma
forma equivocada, atropelando um processo que já ocorria no âmbito do Parque e
que acabou levando a uma situação que nos deixa muito receosos em relação ao
que pode gerar. Temos como beneficiários dessa autorização pessoas que sequer
têm atuação de pesca mais tradicional ou local”, alerta o membro da RECN,
professor da Universidade de São Paulo (USP) e responsável pela Cátedra de
Sustentabilidade de Oceano da Unesco, Alexander Turra. Já o pesquisador da Voz
da Natureza e da Academia de Ciências da Califórnia, Hudson Pinheiro, lembra
que a sardinha é base da cadeia alimentar de outras espécies. “É um precedente
inacreditável você poder entrar num Parque Nacional para pescar. É inaceitável.
A sardinha é a base da cadeia alimentar, seu desaparecimento pode resultar no
colapso de toda ecologia trófica da ilha, inclusive da própria pesca de
recursos locais”, diz Pinheiro, que também é membro da RECN.
Najas e pitons
O episódio da cobra naja – uma espécie exótica do
Brasil – tomou conta do noticiário no segundo semestre. Um estudante de
veterinária do Distrito Federal acusado de traficar o animal foi picado pela
cobra e foi parar no hospital, em coma. Na metade de dezembro, uma piton albina
birmanesa, espécie típica da Ásia e da África, foi resgatada no município de
Mucambo (CE). Os casos trouxeram à tona a questão das espécies exóticas
invasoras, capazes de causar sérios distúrbios aos ecossistemas. “Esses animais
trazem vários riscos, desde o ataque a outras pessoas, como foi o caso da naja,
à proliferação de doenças”, alerta a diretora executiva do Instituto Hórus de
Desenvolvimento e Conservação Ambiental e membro da RECN, Sílvia Ziller.
Decisão do Conama
No final de setembro, o Conselho Nacional do Meio
Ambiente (Conama) se reuniu para revogar três resoluções publicadas em anos
anteriores, incluindo medidas que fortaleciam a proteção de áreas de restingas
e manguezais. A decisão foi criticada por ambientalistas e acabou indo parar no
Supremo Tribunal Federal (STF), que já formou maioria pela restauração das
resoluções em julgamento ainda sem data de conclusão.
Perspectivas para 2021
Início da Década do Oceano
Com o fim da Década da Biodiversidade, a ONU dá
início em 2021 à Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável.
O objetivo é unir esforços de todos os setores relacionados ao mar para
reverter o ciclo de declínio na saúde do oceano e criar melhores condições para
concretizar o desenvolvimento sustentável. No Brasil, foram conduzidas diversas
oficinas para a construção do Plano Nacional de Implementação da Década, com
participação de diversos atores da sociedade. A criação de um banco de dados
on-line, integrado, transparente e acessível a todos, não somente aos espaços de
educação formal, foi a principal necessidade identificada para o país.
COP 26 e COP 15
Em 2021, importantes eventos relacionados ao meio
ambiente, dentro do âmbito da ONU, ocorrerão como forma de unir os países em
torno de um futuro sustentável. “Será um ano crucial para a agenda ambiental
global, com o início da Década da ONU de Restauração de Ecossistemas; a
realização – em Glasgow, na Escócia – da Conferência das Partes (COP) 26 de
Clima para pactuar acordo sobre as regras de implementação do Acordo de Paris;
e a realização da COP 15 de Biodiversidade -- em Kunming, na China -- para
adotar a nova Estratégia Global de Biodiversidade para o período de 2021 a
2050. São oportunidades únicas que o Brasil não pode perder para influenciar,
fazendo bom uso das lições aprendidas com as ricas experiências desenvolvidas
no país”, comenta o membro da RECN e professor do Departamento de Ecologia da
Universidade de Brasília, Braulio Dias, que também é ex-secretário executivo da
Convenção da ONU sobre Diversidade Biológica.
Impacto das eleições nos EUA
A eleição do presidente Joe Biden nos Estados
Unidos e o retorno do país ao Acordo de Paris irá fortalecer a política
ambiental global e influenciar países como o Brasil. “No governo do presidente
Donald Trump foram sistematicamente desmanteladas mais de cem regulações
ambientais de grande importância. O presidente-eleito Biden já indicou que vai
começar a, paulatinamente, voltar a implantá-las”, detalha Platais. Já para
Dias, a política ambiental de Biden irá impactar e influenciar o Brasil, uma
vez que ela é “diametralmente oposta” à política de Trump.
Intensificação da recuperação econômica verde
O ano atual foi marcado por posicionamentos cada
vez mais enfáticos das empresas na proteção e conservação do meio ambiente e numa
crescente conscientização da sociedade sobre os impactos ambientais de negócios
econômicos. “O fato de os setores financeiros de grande envergadura estarem
prestando muita atenção ao impacto que a mudança climática está causando no
lucro das empresas é de suma importância. O resultado esperado é que estejamos
cada vez mais descarbonizados”, comenta Platais, ex-economista do Bando
Mundial. Outro fator que caminha nessa direção é a adoção e o fortalecimentos
de boas práticas ambientais, sociais e de governança (ESG) pelas corporações, o
que tem levado grandes investidores a levarem isso em conta na hora de escolher
os negócios que receberão recursos.
Novos hábitos de consumo
A mudança dos padrões de consumo da sociedade, em
especial da juventude, é um importante aspecto a monitorar ao longo do próximo
ano e década, indicam os especialistas. Os modelos atuais de crescimento
econômico estão sendo questionados e a economia circular ganha cada vez mais
tração e relevância nesse novo contexto.
Cidades sustentáveis
A tendência de cidades em todo o mundo de implantar
ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas deve continuar em 2021.
No Brasil, especificamente, essa ação deve ser liderada pelos novos prefeitos e
vereadores eleitos em 2020. Exemplos já existem, como o movimento Viva Água, em
São José dos Pinhais (PR), que busca contribuir com a segurança hídrica para
milhares de famílias e indústrias locais por meio da recuperação do solo e da
vegetação da bacia hidrográfica do rio Miringuava. O projeto é uma iniciativa
da Fundação Grupo Boticário em parcerias com os governos municipal e estadual,
além de empresas e entidades da sociedade civil organizada. “É preciso dar
espaço para a natureza, introduzindo tipologias de Soluções Baseadas na
Natureza (SBN) por meio de tetos verdes nas edificações, jardins de chuvas,
canteiros fluviais, biovaletas e parques multifuncionais”, explica a membro da
RECN e pesquisadora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Cecilia Herzog.
Olhos atentos à Amazônia
Seguindo a pauta dos últimos anos, a política
ambiental para proteger a Amazônia continuará a atrair a atenção da população
global. A falta de medidas eficazes para combater o desmatamento – que cresceu
9,5% em 12 meses, passando de 11 mil km² devastados – e preservar povos e
terras indígenas seguirá desencadeando pressões ao Brasil vindas a partir da
perda de investimentos estrangeiros, boicote a produtos nacionais e sanções
comerciais de outros países.
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