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terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Explosão em Beirute: negligência que há por trás da história

Em agosto o porto de Beirute explodiu em chamas e ficou envolto em uma densa fumaça branca. Enquanto o inferno se agitava, flashes que muitos confundiram com fogos de artifício apareceram em sua base. Em um instante, o fogo foi substituído por uma explosão poderosa, ouvida em Chipre, a quase 150 milhas dali. Logo em seguida, veio o veredicto: a explosão de 2.750 toneladas de nitrato de amônio. 

Além de uma grande indignação, a pergunta que fica é o que o nitrato de amônio estava fazendo há tanto tempo nos armazéns? A história dessa explosão começa em 2013, quando negligências corporativas levaram a uma batalha legal prolongada, envolvendo marítimos abandonados por um armador negligente. Procedimentos inadequados para lidar com navios e tripulantes abandonados são parte do que permitiu que tanto material perigoso chegasse aos armazéns de Beirute e ali permanecesse por tanto tempo até o resultado fatídico. 

Em 2013, a embarcação Rhosus foi abandonada na capital libanesa, após o seu passeio de saída ser suspenso pelo Port State Control. A tripulação foi impossibilitada de desembarcar, e sem suprimentos ou provisões, a situação a bordo do navio rapidamente se tornou uma questão humanitária. 


A tripulação entrou em contato com advogados que, por sua vez, argumentaram que a vida de todos a bordo estava ameaçada não apenas por seu abandono, mas também devido à natureza perigosa da carga. A tripulação recebeu uma liminar permitindo sua repatriação ao país de origem e, após a sua partida, com o silêncio contínuo do armador do Rhosus, a Autoridade Portuária se viu com a responsabilidade pelo conteúdo altamente explosivo do navio.  

 

Assim, enquanto pendia uma definição jurídica do navio e da carga, o nitrato de amônio foi transferido para um armazém onde, ostensivamente, permaneceu até a explosão catastrófica.

 

As consequências do abandono de navios e marítimos raramente são tão visíveis e chocantes quanto o que aconteceu em Beirute, mas o problema é bastante comum. Inclusive, já foi objeto de inúmeros artigos e entrevistas que concedi. Nos últimos anos, nossa equipe tem atuado em mais de uma dezena de casos em que navios ou tripulantes foram simplesmente abandonados por seus proprietários, resultando em situação perigosa para credores e marítimos.

 

De fato, a Organização Marítima Internacional e a Organização Internacional do Trabalho já colaboram em questões de abandono de marítimos e navios, tendo já registrado cerca de cinco mil marítimos abandonados em seus navios em quase 400 incidentes separados entre 2004 e 2018.

Além disso, atualmente diversas embarcações permanecem em águas jurisdicionais brasileiras em situação de total abandono, aguardando definição jurídica, geralmente sem nenhum seguro ou P&I Club. E, enquanto isso, oferecem enorme risco à segurança da navegação, com potencial para causar enorme poluição ambiental. Dentre os diversos casos que atendemos nos últimos anos, está a situação do navio Seawind, que veio a naufragar em águas alencarianas.

Na época, a tripulação do navio em questão se encontrava em situação análoga à escravidão, sem receber salários há mais de 14 meses, sem víveres e com estoque reduzido de água, sendo forçada à pesca para subsistência. Infelizmente, o armador estrangeiro abandonou a embarcação que veio a naufragar, deixando os tripulantes e credores estrangeiros a ver navios, após dois anos de debate no judiciário local. A embarcação gerou, ainda um enorme vazamento de óleo que só não veio a causar efeitos nefastos na costa de Fortaleza graças ao trabalho em conjunto das autoridades e da comunidade marítima-portuária. 

A situação é crítica e inúmeros casos como este ainda são vistos no Brasil, devido a uma enorme insegurança jurídica. Solução existe! E será explorada em uma próxima ocasião.

 


Larry Carvalho - advogado e árbitro com vasta experiência em litígios e ênfase em transporte marítimo.


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