O desenvolvimento cognitivo, que
começa antes mesmo do nascimento prossegue durante a época das brincadeiras.
Corriqueiramente chamado de período “pré-escolar”, a fase da creche, é uma
época mágica e cheia de fantasias, em que a criança passa por um importante
processo de aprendizagem, é um estágio que mais apropriadamente devemos chamar
de “primeira infância” e que sem dúvida tem um “projeto” de desenvolvimento
bastante próprio.
Um dos prazeres de observar crianças
é ouvir a compreensão fantasiosa e subjetiva que elas têm de sua própria vida.
Elas nos divertem com seu pensamento imaginativo e mesmo mágico, quando
conversam com o amiguinho invisível, ou quando ficam conjecturando onde o sol
dorme, ou quando afirmam com segurança que elas dormem de olhos abertos. Ao
mesmo tempo, nos surpreendem quando se confundem com metáforas (como “mamãe
está presa no trabalho” ou “o motor do carro morreu”) e quando se mostram
ilógicas quanto a ocorrências corriqueiras (por exemplo, acreditando que a lua
as seguem quando andam à noite). Aos 3 anos, elas acreditam que os desejos
geralmente se concretizam e que os adultos, as crianças e provavelmente os
gatos e os cachorros (mas não os bebês) podem formular desejos se (assim)
quiserem (Woolley et al., 1999). Evidentemente, o pensamento é guiado pelas
fantasias e imaginário infantil.
Quando, pelo senso comum, falamos em
“fases de vida” estamos propriamente preestabelecendo estágios, momentos
em que devemos vivenciar determinadas experiências mais ou menos parecidas de
acordo com determinado período do desenvolvimento. É certo que cada pessoa terá
uma experiência particular, de acordo com a cultura e o meio social em que
vive, entretanto, o período de maturação cerebral deve acontece mais ou menos
nas mesmas épocas para todos os seres humanos, o que explicará, por exemplo, o
motivo pelo qual a primeira infância, a fase escolar, a adolescência, a fase
adulta e a velhice possuem características muito particulares e específicas.
Hoje nos atentaremos à primeira infância.
Sabemos que o processo de
mielinização, envoltório da bainha de mielina nos axônios, já acontece durante
o período pré-natal, o nosso cérebro já começa a ser preparado para fazer
importantes conexões, e assim nos preparar para o mundo pós natal, que requer o
mínimo de instinto de sobrevivência. É importante entendermos esse conceito,
pois é pelo processo de maturação cerebral que poderemos entender melhor o
porque determinados comportamentos acontecem em algumas fases e outros não.
Aos 2 anos de idade a criança já tem
um cérebro em peso e tamanho muito próximos ao de um adulto, o que poderia
supor que esse cérebro faria as mesmas conexões que um cérebro maduro,
entretanto essa suposição não é verdadeira, pois o cérebro humano, de acordo
com pesquisas recentes, apesar de iniciar seu processo de maturação lá no
período pré-natal só chegará a termo por volta dos 20 e poucos anos de idade,
ou seja, não é apenas fundamental que tenhamos um cérebro, mas que tenhamos um
cérebro que mature e proporcione conexões eficazes, capaz de criar uma
orquestra em sintonia que comande nossos comportamentos, emoções e sentidos de
forma funcional. Daí a importância da estimulação e dos
marcos de cada estágio do desenvolvimento.
Quando falamos em imaginário
infantil, amigo invisível, papai Noel, coelhinho da páscoa entre tantos outros
símbolos, estamos nos referindo a um período em que o cérebro está fazendo
muitas conexões (sinapses), e precisa de estimulação externa (do meio) para
continuar trabalhando, e assim, em algum momento do desenvolvimento começar a
fazer suas podas neurais (eliminação de neurônios que não estão sendo
utilizados) e fortalecer sinapses (a grosso modo, conexões neuronais)
necessárias para ultrapassar um estágio.
Depois de entendermos que,
necessariamente, precisamos de conexões cerebrais que sejam funcionais e nos
permitam estabelecer o elo com o mundo a partir de comportamentos e emoções,
fica fácil associarmos o porque o imaginário infantil é
tão importante para a criança na primeira infância, pois é esse imaginário
permeado de símbolos e fantasias que permitirá aos pequenos a lidar com uma
“fase” que é tão diferente da do adulto. O cérebro deles, devido a falta de
maturação para a idade, que é esperado, não pode agir e dispor de
racionalidades como o nosso, por isso “lançam mão” de ferramentas pertinentes
ao que eles podem lidar, de acordo com idade cronológica e maturação cerebral.
Quanto mais imaginação e fantasia a criança criar mais sua criatividade,
abstração e flexibilidade cognitiva estarão aptos a ingressar no estágio
posterior.
Quando damos asas ao papai Noel e ao
coelho da páscoa estamos estimulando um cérebro a pensar, ciar e inibir
imagens, acrescentar conteúdos de seu cotidiano a novos temas, ou seja,
estimulação da aprendizagem, linguagem, percepção entre tantas outras funções,
pois não se resume apenas em um papai Noel ou coelho da páscoa, mas sim em um
contexto histórico que é importante os pais apresentarem, que faz parte de uma
cultura e durante muito tempo eles se sentirão motivados a escreverem (mais uma
habilidade a aprender) cartas e a encontrarem ovos espalhados pela casa
(brincadeira que envolve imaginação, coordenação e raciocínio lógico), portanto
a concretude que nos leva a pensar em seres totalmente inocentes não pode
fazer parte desse momento da infância, aliás ela é bastante prejudicial. E
quando chegar o momento de “descobrir” que papai Noel e coelho nunca existiram
será o momento de entender que nem tudo é perfeito e que a partir dali deverão
aprender a lidar com frustações, o que é muito saudável.
Quando damos um lego para uma
criança montar devemos observar o quão criativa aquela criança está sendo, o
que ela está criando, pois suas montagens refletem seu dia a dia, mais que
isso, sua montagem reflete seu imaginário, uma criança
com um cérebro em franco desenvolvimento, fazendo milhares de conexões precisa
ter ideias “mirabolantes”, precisa criar, criar e criar, todas as
crianças com um desenvolvimento neurotípico (que não apresenta distúrbios
significativos no funcionamento psíquico) têm potencial para isso,
entretanto se não forem estimuladas por seus cuidadores infelizmente essa
imaginação ficará pobre, o que subentende-se um cérebro trabalhando menos e um
cérebro trabalhando menos subtende-se desuso, ou seja, funções
importantes podem deixar de ser desenvolvidas.
Portanto, uma criança que brinca é
uma criança que cria e uma criança que cria é um ser humano desenvolvendo um
potencial diverso em um estágio de desenvolvimento que deixará
consequências para estágios posteriores. É importante lembrar aos
cuidadores (aqueles que cuidam e criam) que brincar não significa deixar o
filho na frente de um tablet horas a fio, deixar o filho na frente da tv
nas horas vagas, comprar um lego que venha com sugestões de montagens,
“abarrotar” a casa de brinquedos que não estimulam coordenação motora e
principalmente não estimulam a imaginação e a criação própria, não existe nada
mais promissor e saudável para uma criança do que ela própria fazer sua boneca
de pano ou inventar seu carrinho com a caixa de papelão.
Fernanda
Machado CRP 06/121510 - Psicóloga em terapia cognitivo comportamental com
formação em transtornos psiquiátricos e neuropsicologia.
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