Uma cena muito comum nos
dias de hoje é a de casais em restaurantes que, mesmo juntos, estão separados
por celulares, redes sociais e diversos aplicativos, e assim acabam por perder
momentos para aproveitar um ao outro. Esse cenário pode representar mais do que
duas pessoas acompanhando as tendências tecnológicas, mas pode carregar
consigo, muitas vezes, um sentimento de solidão que passa despercebido para
quem olha de fora.
Se sentir só, mesmo na
companhia de outros, mostra que a solidão é mais que um estado físico, pode ser
também psicológico. “Quando se está em contato constante com
as pessoas, não é raro ouvir cônjuges a reclamar do seu parceiro por estarem na
mesma cama, mas não receberem a devida atenção porque ele está com o smartphone
sempre em mãos” constata o Rabino Samy Pinto das experiências que teve nos
aconselhamentos que oferece na sinagoga.
O tema solidão é cada vez
mais presente na sociedade atual em função de vários fatores. Entender alguns
pontos sobre esse assunto é de grande importância para saber se esse
comportamento é benéfico ou não.
“Com o advento da
tecnologia, o homem tem sido cada vez mais empurrado para a solidão. O impacto
das tecnologias tem colocado em risco não só a socialização, mas a
afetividade”, afirma Samy.
As pesquisas recentes no
Brasil revelam que 18% dos brasileiros entram em pânico se não estiverem com
seu smartphone. Chega a 40% os que estão consultando os seus celulares a cada
10 minutos, isso cria um grau de dependência tão grande que vai se deixando de
lado o ser social, que foi uma grande característica desde o momento do
surgimento da história da humanidade.
O ser humano foi
abandonado por ele mesmo em função desses equipamentos. Nos EUA, 62% das
crianças com até 12 anos reclamam de seus pais que não prestam atenção nelas
porque estão nas redes sociais. Essa é uma lamentável constatação, mostrando
que, na verdade, as crianças estão carentes e começam a sentir, dentro de sua
própria casa, o sabor da solidão.
No pensamento judaico,
quando Deus criou o homem, logo no início da criação, o fez sem a mulher, mas
logo teria dito que não era bom que ele permanecesse só. Esse é um ensinamento
bíblico eterno que demonstra que, desde a sua formação, o ser humano não foi
feito para ficar sozinho. Nesse caso, o que foi dito nos momentos iniciais da
humanidade e que é registrado no Gênesis também vale para os dias de hoje: não
é bom que o homem esteja só.
Isso nos define como um
ser social, que necessita da companhia para viver. Aristóteles já dizia que “quem
encontra prazer na solidão, ou é fera selvagem ou é Deus”. De fato, no
pensamento judaico, Deus é único, e isso o torna apto para se sentir bem na
solidão, mas não o homem.
“Quando se olha o quadro
geral, percebemos existem duas vertentes importantes para se combater a
solidão: a amizade e o matrimônio”, afirma o Rabino.
Ainda no Gênesis, Deus
prepara a mulher para ser a outra metade do homem, afim de sanar a solidão que
existia. No pensamento judaico, o ser humano necessita desse complemento. Um bom
casamento desempenha papel essencial no combate da solidão.
A amizade é outro ponto
importante na vida do ser humano. Desde os primórdios, quando a criança é
enviada para a escola, há uma esperança dos pais de que ela faça muitos amigos
e que a vida dela comece a ficar mais desafiadora e prazerosa. Essa busca por
companhia acompanhará o homem em todo o seu crescimento, ele precisa estar
inserido nesse ciclo social. Francis Bacon vai dizer que “não há solidão mais
triste que a do homem sem amizade. A falta de amigos faz com que o mundo pareça
um deserto. Nada é fértil, tudo é sofrido”.
Em certo ponto, a busca
pela amizade e a tentativa de irromper a solidão trará ao homem um grande
desafio em sua formação ética e moral, pois, até que ponto ele colocará os seus
valores em questão para ser aceito em um grupo social? Nesse momento, a solidão
pode ser uma aliada, mostrando que ela não é de todo ruim. “Para definir o que
é prioridade na sua vida, o que é essencial e o que é secundário, enfim, uma
série de questões que vão afetar a rotina da vida pessoal, deve ser decidida em
um momento de solidão. Olhar para essas questões com a influência de um
grupo social pode nem sempre estar em harmonia com as próprias crenças da
pessoa, o que pode fazer o indivíduo perder a sua personalidade e seus
valores”, completa.
Ter a capacidade de
refletir sobre os aspectos positivos e negativos de ficar sozinho é essencial
para a geração atual. Não se deixar consumir pelos avanços tecnológicos e saber
aproveitar os momentos pessoalmente, e não só virtualmente. Semear afeto e
companhia é o caminho para resolver esse problema chamado solidão.
Rabino
Samy Pinto - formado em Ciências Econômicas, se especializou em educação em
Israel, na Universidade Bar-llan, mas foi no Brasil que concluiu seu mestrado e
doutorado em Letras e Filosofia, pela Universidade de São Paulo (USP). O Rav.
Samy Pinto ainda é diplomado Rabino pelo Rabinato chefe de Israel, em
Jerusalém, e hoje é o responsável pela sinagoga Ohel Yaacov, situada no Jardins
também conhecida como sinagoga da Abolição.
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