O
acordo nuclear finalmente alcançado entre o Irã e as potências ocidentais expõe
destrezas e fraquezas de ambos os lados, o que dificulta uma prévia análise do
fato. Seria imprudente comemorar tal fato – apesar de não deixar de ser um
ganho diplomático importante para as partes envolvidas – justamente pelos
efeitos que o citado acordo irá (ou não) surtir. Abaixo seguem pontos
relevantes a respeito:
Uma questão de sobrevivência
Que
este acordo vem melhorar relações bem estremecidas, sem dúvidas. Entretanto, o
programa nuclear iraniano é a barganha política para a sobrevivência do regime
em Teerã. E isto não tem nada a ver com ameaças a Israel ou retóricas
antiocidentais, que frequentemente são ecoadas pelo governo iraniano, mas sim
com política doméstica. O regime teocrático do Irã é extremamente impopular
entre a população – já são 34 anos de vários tropeços sociais, políticos e
econômicos. Apesar do país ser signatário do TNP (Tratado de Não-Proliferação
Nuclear, o que teoricamente compromete o desenvolvimento de armas atômicas) e
de ter declarado uma “fatwa” (condenação islâmica) ao desenvolvimento de tais
artefatos, uma eliminação do programa nuclear deixaria o regime iraniano
politicamente mais vulnerável, para a alegria do Ocidente e de boa parte da sua
própria população.
Importante para quem?
Lá
pelos idos de 2010, quando vivia em Teerã, lembro da Declaração de Teerã sendo
concluída entre Itamaraty e os persas, na presença do ex-presidente Lula, e as
indagações dos iranianos com relação ao assunto: “Mas por quê vocês ocidentais
se importam tanto com algo que nós não damos a mínima? Nem lembramos que isso
existe!”. Os iranianos, de modo geral, pouco se interessam, nem dão
importância, pelo fato de seu país desenvolver tecnologia nuclear. O rechaço
vem, sobretudo, da única potência nuclear da região, Israel, coincidentemente
arquirrival política da nação persa. A agitação política regional, ressoada na
mídia internacional, com base no desespero israelense em ver seu vizinho
desenvolver um programa atômico faz com que o Irã seja pressionado com sanções
ocidentais que afetam diretamente sua saúde econômica.
Fazendo as contas
O
Congresso norte-americano tem ainda 60 dias para ratificar tal acordo. Caso
isso seja alcançado, a remoção das sanções (prevista no acordo) será uma questão
gradual de tempo. Com a ausência de sanções, empresas europeias (e
triangulações de outras norte-americanas), bem como empresas de todo o mundo,
voltarão a operar no Irã e injetar bilhões na economia persa. Ganham a
diplomacia norte-americana e o Ocidente – lucrando ainda mais, e ganha o regime
teocrático de Teerã – um fôlego extra. Perdem Israel e os países árabes, que
sempre viram o regime como uma ameaça existencial. Afinal, o Irã é o maior país
em território do Oriente Médio, com 75 milhões de consumidores jovens (70% da
população tem menos de 35 anos), com uma renda média razoável, ávidos por
adquirirem bens ocidentais. Um enorme mercado.
Mudança para quê?
Politicamente
falando, nada substancialmente muda no governo teocrático iraniano, para a infelicidade
de seus inimigos internos e externos. Nada muda para os Estados Unidos e seus
aliados, que voltarão a lucrar naquele imenso mercado pago em petrodólares. Os
iranianos continuarão a viver sob um regime o qual estão extremamente cansados,
seu programa nuclear será deveras diminuído (mas não interrompido) e o
Ocidente, ao comando de Israel, continuará demonizando o governo de Teerã. O
que deveria ter um impacto político, acaba mais como um acordo econômico. Sendo
assim, excluindo o fato diplomático louvável, pergunto se não está tarde demais
para celebrarmos uma boa intenção que chega já fora de tempo, tardia.
Jorge Mortean:
- Geógrafo, bacharel pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Estudos
Regionais do Oriente Médio. Pesquisador das relações diplomáticas entre a
América Latina e o Oriente Médio, é doutorando em Geografia Política, também
pela USP e Professor do curso de Relações Internacionais da FAAP - Fundação
Armando Alvares Penteado. www.linkedin.com/in/jorgemortean
Nenhum comentário:
Postar um comentário