O mundo parou com a notícia dessa semana, diretamente das Olimpíadas de Tóquio 2020: Simone Biles decidiu não disputar a categoria geral (equipes) e individual na ginástica artística.
A priori, acreditávamos que a atleta tinha se
lesionado em uma das apresentações em equipe, ao efetuar um movimento de
ginástica de maneira desencontrada, porém, ela justificou sua desistência da
competição, ao alegar que queria preservar sua saúde mental. Afirma que sente o
peso do mundo em suas costas e que parece que ficou ainda mais pesado na última
semana.
Simone era a grande promessa dessas
Olimpíadas dos Estados Unidos da América: o mundo todo estava com os holofotes
apontados para ela. Todos estávamos acostumados com a entrega de seus
resultados perfeitos e impecáveis nas competições de ginástica e estava (quase)
tudo certo para ela garantir 6 medalhas ao seu país, por conta de seu
desempenho sempre arrebatador.
Simone Biles é a maior estrela da
ginástica artística da atualidade. São 25 medalhas em mundiais (sendo 19 de
ouro), 6 medalhas em jogos olímpicos, onde a mais recente foi a prata com o
time americano, na última semana do mês de julho. Era a grande favorita ao ouro
em todas as modalidades da ginástica artística, principalmente a modalidade
individual, nos diversos aparelhos.
Porém, desde muito cedo, Simone Biles
sente na pele o que é lidar com pressões e estresse, para ser perfeita. Para
quem não se lembra, ela cresceu num ambiente repleto de abusos psicológicos e
até sexuais: o médico Larry Nasser foi condenado por abusar de dezenas de
ginastas, dentre elas, Simone Biles.
"Tenho que colocar minha saúde
mental como prioridade. Eu não vejo problemas em desistir de grandes
competições para focar em você, porque isso mostra força como competidora e
como pessoa", alega Biles, numa coletiva de imprensa do dia 28 de julho.
A gente acredita que os atletas são
super heróis, sempre prontos, com um sorriso no rosto, para encarar grandes
desafios, mas nos esquecemos que diariamente sofrem muita pressão por
resultados. Tudo indica que Simone Biles teve foram sintomas de Burnout,
devido ao acúmulo de tarefas, um excesso de responsabilidade e nível de
exigência exagerado proveniente da cobrança por resultados perfeitos nas
Olimpíadas.
Os sintomas do burnout podem ser
físicos e mentais, como esgotamento físico e mental, falta de motivação para ir
trabalhar, maior irritabilidade, depressão, ansiedade, baixa autoestima,
dificuldade de concentração, pessimismo, dores de cabeça constantes, enxaqueca,
fadiga, palpitação, pressão alta, tensão muscular, insônia, problemas
gastrintestinais, gripes e resfriados recorrentes, entre outros.
Focar apenas aquilo que realmente lhes
interessa, dizer não e expor suas vulnerabilidades, além de procurar se
divertir em todos os âmbitos da vida, são características muito fortes da
Geração Z, a qual pertence Simone Biles, afinal, ela nasceu em 1997.
Só para contextualizar, os grupos
etários, também conhecido como Gerações, apresentam valores, necessidades e
padrões de comportamento semelhantes, formando assim uma subcultura que pode
conter importantes segmentos de mercado, afinal, cada grupo etário sofreu
grandes influências e foi marcado por fatos históricos, tecnologia, valores,
atitudes e predisposições de uma época.
As gerações são divididas da seguinte
forma:
Baby Boomers: são pessoas nascidas no período após a
Segunda Guerra Mundial, de 1946 a 1963 (algumas literaturas falam que é até
1964).
Geração X: nascidos entre 1964 (algumas
literaturas falam que é à partir de 1965) e 1979
Geração Y (Millenials): composta por pessoas nascida entre 1980
e 2000. Alguns autores também alegam que a geração Y nasceu de 1980 e 1995.
Geração Z: nascidos de 1995 até 2010, ou de até
2000 até 2010.
Geração Alpha: nascidos pós 2010, ainda crianças e
pré-adolescentes.
A geração Z é muito marcada por
mudanças políticas, sociais e tecnológicas que influenciaram e alteraram as
suas crenças e formas de viver. Sempre conheceram um mundo instável e estão
acostumados à turbulência que os rodeia. Logo, esses jovens encaram o mundo de
uma forma mais pragmática e realista do que os seus pais.
Logo, as pessoas dessa geração têm
menos dificuldade de expor suas vulnerabilidades do que as de outras gerações,
pois estão acostumados a mostrar sua vida com maior naturalidade nas mídias
sociais.
Foi-se o tempo que expor as
vulnerabilidades era motivo de vergonha ou tristeza. E precisamos aprender isso
com a Geração Z. E é aí que nasce o conceito do antifrágil, tão debatido e
observado pelas empresas. De acordo com a Revista HSM, ser antifrágil vai além
de sermos resilientes: foca-se no autoconhecimento e na inteligência emocional,
onde reconhecemos nossas forças, e ao mesmo tempo, identificamos o que
precisamos melhorar. Além disso, o antifrágil traz a ciência ao indivíduo de
suas vulnerabilidades e a humildade de reconhecer que não sabe tudo e, ainda
assim, incentiva-o a munir-se de coragem para aceitar novos desafios na jornada
pessoal e profissional de evolução contínua, tendo autocompaixão e olhando para
frente.
Observamos o antifrágil nas falas e
atitudes de Simone Biles. Ela disse que não vê problemas em desistir das
Olimpíadas, competição sonho de muitas atletas, e ao mesmo tempo dá a entender
que teremos outras oportunidades de vê-la brilhando na ginástica artística, mas
que infelizmente não será nesse momento.
Além do mais, a geração Z também gosta
de viver o "agora" e as suas necessidades têm que ser satisfeitas de
imediato. Nota-se que Simone Biles não fingiu que estava tudo bem e no meio da
competição notificou a sua equipe.
Além do mais, os indivíduos da Geração
Z também possuem espírito crítico em relação aos assuntos que os rodeiam, pois
convivem com mudanças em diversos âmbitos, desde que nasceram, sendo muito
sensíveis aos assuntos que impactam a sociedade e meio ambiente. Observa-se que
Biles entendeu a importância de abordar sobre o tema saúde mental ao mundo e
abrir ao público os reais motivos de sua saída, pois ela poderia ter alegado
que estava lesionada. Porém, ela é da Geração Z, e essa geração não faz tipo.
Por conta da sobrecarga de informações,
os Z procuram, de maneira corriqueira, momentos de diversão e formas de fazer
mais rápido, melhor e de maneira mais divertida uma tarefa, na sua vida social,
no local de trabalho ou mesmo nas suas compras. Valorizam experiências
incríveis e significativas na sua vida. Por exemplo, em entrevista para o Globo
Esporte, após a conquista da prata para o Brasil no skate, nas
Olimpíadas, a Fadinha Rayssa Leal afirma: "eu só me diverti, é o que eu
mais sei fazer".
A campeã da medalha de prata da
ginástica artística geral (feminino individual), Rebeca Andrade, também da
geração Z, ao falar carinhosamente e com sororidade sobre o caso de Simone
Biles, torcia para que a ginasta voltasse a se divertir nas competições.
Simone fez o mundo refletir sobre saúde
mental, além de nos ensinar a importância de sermos antifrágeis, assumindo
nossas vulnerabilidades e tendo a coragem de dar uma pausa e entender que não
somos super heróis. Precisamos urgentemente cuidar de nossas mentes: precisamos
aprender a dizer não aos outros e sim para nós mesmos.
Quantas vezes dizemos sim para as
pessoas e não para nós? Quem irá cuidar de nossa saúde mental, se não for nós
mesmos? Será que para isso, teremos que chegar ao nosso limite, ou podemos nos
prevenir antes da pane mental? O copo precisa transbordar? Simone nos convida a
pegarmos novamente em nossas mãos e conduzirmos nossa saúde mental, sem medos
do julgamento do mundo, sem medo de ser feliz, afinal, assumir que não dá mais
é motivo de muito orgulho e de muita coragem. "Bora", aprender com a
Geração Z, ao invés de criticarmos esse grupo etário?
Torcemos muito para que Biles se
recupere e volte a brilhar. Torço muito também para que você (e eu também)
consigamos dizer não ao que não nos eleva, nos deixa fadigado e não esteja
alinhado com nosso propósito. Coragem para todos nós...
Mariana Munis - professora de Marketing e
Comportamento do Consumidor da Universidade Presbiteriana Mackenzie Campinas.