Estudo da consultoria Página 3 mostra
que a tecnologia começa a substituir não só tarefas, mas processos de
pensamento antes considerados intransferíveis
O Brasil vive um momento em que a tecnologia e a vida digital
moldam comportamentos com uma velocidade inédita, mas esse avanço cobra um
preço. Uma nova pesquisa da consultoria estratégica Página 3 indica que a
uniformização dos hábitos, opiniões e modos de agir está corroendo a
singularidade das pessoas e 48% dos brasileiros já percebem que todos estão
ficando parecidos, enquanto 72% gostariam de ser mais autênticos. O número
revela uma tensão crescente: a busca por originalidade em um ambiente que
empurra todos para o mesmo caminho.
O estudo “Mais do Mesmo” analisa como a combinação entre
excesso de estímulos, lógica algorítmica e a delegação crescente do pensamento,
agora também para ferramentas de IA, estão reorganizando a forma como
indivíduos constroem suas identidades. Ao navegar em um ecossistema no qual
tudo se repete com pequenas variações, os indivíduos vão perdendo contato com
características humanas essenciais e importantes como a sensibilidade, o
pensamento crítico, a curiosidade e a capacidade de confronto.
“Quando tudo aquilo com que entramos em contato se torna uma
espiral de repetições disfarçadas de novidade, enfraquecemos a nossa
personalidade, nossos critérios e o senso de realidade”, afirma Sabrina Abud, cofundadora
da consultoria e diretora do estudo.
O uso da inteligência artificial (IA), longe de ser um ponto
isolado, aparece como sintoma da mesma lógica. Cerca de 63% já pediram para uma
IA escrever mensagens pessoais, e quase metade prefere recorrer aos modelos de
IA do que à seres humanos antes de decisões. Essa dependência não é apenas
prática, ela aproxima as pessoas de uma espécie de terceirização mental.
O impacto não é apenas individual, pois quando o repertório se
estreita e a reflexão se torna terceirizada, o debate público se empobrece. A
sociedade perde capacidade de discordar, de sustentar conversas difíceis e de
produzir visões originais, abrindo espaço para consensos artificiais e
comportamentos de manada. Instituições (escolas, empresas e até a cultura
corporativa) reforçam esse ciclo ao valorizar o alinhamento do pensamento e
punir a divergência.
“Já estamos assistindo pessoas que terceirizam partes inteiras do
processo de pensar. Com a entrada dos agentes de IA em nossas vidas, esse
cenário tende a piorar, já que a delegação da ação e do pensamento será muito
maior”, destaca a
co-fundadora Georgia Reinés.
A pesquisa evita um tom fatalista e propõe caminhos para
reconstruir o pensamento próprio: ampliar o repertório cultural, recuperar o
hábito de conversas longas, exercitar escrita e fala como ferramentas de
organização interna e, principalmente, resgatar o tempo humano da reflexão, um
ritmo hoje atropelado pela lógica de notificações e atalhos cognitivos. “Ser
você mesmo não é ser oposição ao mundo. É conseguir pensar por conta própria. O
coletivo precisa de indivíduos críticos para não virar um rebanho; e o
indivíduo precisa do coletivo para não perder o sentido da própria existência”,
finaliza Abud.
Outros dados trazidos pelo estudo:
• 63% dos brasileiros acham que as pessoas eram mais
autênticas e diferentes entre si no passado.
• 49% também diz que já recebeu mensagens que pareciam ter sido
geradas por IA.
• 76% dizem que está cada vez mais difícil conversar e se
relacionar com os outros.
• Segundo os brasileiros, os melhores profissionais do futuro
serão:
- Aqueles que souberem analisar criticamente as informações
trazidas pelas IAs. (60%)
- Aqueles que souberem interpretar antes de agir (49%)
- Aqueles que conseguirem pensar e criar de forma única. ( 41%)
- Aqueles que conseguirem fazer os melhores prompts. (39%)
*Amostra: 600 respondentes e margem de erro de 4%.
Brasileiros digitalizados, todas classes sociais.
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