A pressão sobre o capital de giro tem levado as empresas a tratar automação no ciclo de cobrança não somente como uma atividade incremental aos métodos mais tradicionais, mas como parte essencial da estratégia financeira. E os dados do Índice de Recuperação do Crédito B2B (IGR), referente ao primeiro semestre de 2025, e divulgados em agosto último pela Global, reforçam por quê: ao menos 25% de todos os títulos vencidos negociados pela empresa no período concentra-se nos primeiros 10 dias de atraso, e justamente nessa janela ocorre a maior taxa de recuperação – mais de 82% dos valores ainda podem ser recuperados quando a régua atua cedo.
Depois disso, a curva despenca com rapidez. A partir de 21 dias, a chance média de recuperação cai para perto de 52%, e após 60 dias já fica na casa de 40%. O dado é inequívoco: tempo virou sinônimo de dinheiro, e qualquer atraso na detecção ou no primeiro contato se traduz em perda real para o caixa.
É nesse ponto que automação deixa de ser conveniência e passa a ser mecanismo de proteção. Em empresas que digitalizaram suas rotinas, conciliações, lembretes e verificações passaram a fluir de maneira contínua, reduzindo janelas de incerteza e eliminando dependência de controles manuais. Uma régua que antes dependia de planilhas e intervenções humanas agora dispara ações no exato momento em que o título vence, e isso se traduz em recuperação.
Essa base automatizada permite a segunda camada: a
inteligência aplicada ao comportamento de pagamento. Modelos analíticos
aprendem padrões, identificam sinais precoces de risco e ajustam tom, canal e
momento do contato. Com inadimplência crescente e juros altos, essa capacidade de
agir preventivamente tornou-se um diferencial estratégico. Ainda segundo o IGR,
títulos tratados cedo recuperam mais em todas as regiões e em todos os
segmentos, com índices acima de 80% até o décimo dia mesmo em mercados
historicamente mais sensíveis, como Norte e Nordeste.
O ciclo de recebimento como indicador central da saúde
financeira
Se automação e inteligência formam a nova espinha dorsal da cobrança, o efeito mais visível dessa transformação aparece no encurtamento do ciclo de recebimento. Ainda segundo o IGR, quase 40% de todos os títulos vencidos já entram na régua com até 20 dias de atraso. Nessa faixa, a recuperação média supera 70% a 82%, mas basta ultrapassar 30 dias para que esse percentual despenque para 52% e, depois dos 60 dias, caia para pouco mais de 40%.
Essa curva cria um efeito financeiro direto: cada dia adicional no ciclo reduz previsibilidade, exige mais capital próprio e empurra as empresas para linhas de crédito caras, justamente num contexto em que os juros permanecem elevados. É por isso que, entre as empresas que já digitalizaram seus fluxos, a redução do tempo entre faturamento e entrada do recurso deixou de ser ganho operacional e passou a ser pilar de liquidez. Quando a régua atua antes da deterioração, isto é, ainda dentro da janela de alta recuperabilidade, o impacto nos indicadores financeiros é imediato.
É essa assimetria, entre uma inadimplência que avança
rapidamente e processos internos que reagem devagar, que torna o ciclo de
recebimento um indicador tão sensível. Ele reflete não apenas a capacidade de
cobrar, mas o grau de maturidade da empresa em organizar informações,
automatizar tarefas e tratar atraso como risco financeiro, não como rotina
administrativa.
Previsão de inadimplência: como a IA altera a lógica do
risco
Num ambiente em que inadimplência segue elevada, a redução dos atrasos passa pela capacidade de antecipá-los. Ferramentas de IA passaram a analisar padrões que seriam invisíveis para um analista — mudanças sutis de comportamento, alterações no histórico recente de interação ou sinais de deterioração na carteira de recebíveis.
Com isso, a cobrança deixou de atuar apenas após o
vencimento e passou a ser acionada antes do problema se consolidar. A
renegociação tornou-se mais rápida, mais contextualizada e mais assertiva. A
empresa passa a lidar com risco de forma contínua — e não mais como um evento
que explode repentinamente no caixa.
A nova responsabilidade do CFO na gestão de cobrança
Com esse conjunto de pressões, o CFO assume um papel ainda mais estratégico. Ele não apenas define metas de fluxo de caixa ou aprova ferramentas de automação; ele se torna o articulador entre tecnologia, risco, crédito, fiscal e cultura organizacional. Processos de cobrança que operavam isolados agora fazem parte das discussões sobre estratégia comercial, investimentos, governança e sustentabilidade financeira.
O CFO também é o garantidor da transparência algorítmica. Com IA entrando no fluxo decisório, cabe à liderança financeira definir critérios, supervisionar métricas e assegurar que a operação esteja alinhada à política corporativa e às normas de proteção de dados.
Na medida em que as empresas integram fluxos, antecipam risco e reduzem dependências manuais, a área Financeira ganha previsibilidade, estabiliza o caixa e reduz a necessidade de recorrer ao crédito. É uma mudança estrutural que não nasceu da adoção entusiasmada de tecnologia, mas da necessidade concreta de operar em um ambiente econômico menos tolerante ao erro e ao atraso.
As tendências que se consolidam para 2026 apontam para um
setor de cobranças mais técnico, mais orientado por dados e muito mais
integrado à estratégia das organizações. A capacidade de combinar automação, inteligência
preditiva e governança financeira será o diferencial entre empresas que
atravessam o ano preservando liquidez e aquelas que enfrentarão sucessivas
pressões sobre o fluxo de caixa. Em um mercado que cobra agilidade,
transparência e assertividade, cobrar bem passa a ser, mais do que nunca,
administrar bem.
Global
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