Levantamento mostra que apenas 10 capitais
brasileiras tratam de desastres naturais em seus planos de governo
Apesar de direito de todos os brasileiros, a lei nem sempre garante a proteção à moradia das vítimas de locais vulneráveis aos desastres naturais. E cenário fundamentou pesquisa do estudante de Direito do Centro Universitário de Brasília (CEUB) Mário Talles Mendes sobre os impactos dos acontecimentos catastróficos para as comunidades atingidas e sua ligação com as políticas públicas de efetivação do direito à moradia frente ao art. 6º da Constituição Federal. O resultado é um alerta nacional: as leis que regulam a gestão territorial da maior parte do Brasil são insuficientes para amparar esse tipo de situação.
Para realizar o estudo, o estudante do CEUB traçou, por meio de pesquisa bibliográfica conjugada, a questão da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre os desastres. Com participação do Instituto Avaliação, em conjunto com a Clínica de Direitos Humanos do CEUB, Mário Talles analisou 26 planos diretores das capitais brasileiras visando identificar regulamentações de prevenção e reparação aos danos e como estes eventos afetam o direito à moradia das vítimas dos locais afetados.
À
frente da orientação da pesquisa, a professora de Direito Ambiental do CEUB Mariana
Cirne explica que foi feita uma ampla revisão de legislação e de jurisprudência
dos tribunais, para entender como os planos diretores municipais fazem uma
espécie de respostas às demandas envolvendo desastres. “Analisando a legislação
municipal de todas as capitais, percebemos o quanto é preciso evoluir nas
respostas aos desastres. O Brasil tem uma pequena capacidade de trabalhar com
os desafios jurídicos para desastres. Nesse desastre recente em São Paulo, por
exemplo, apesar do repasse de recursos, as leis municipais que fazem a gestão
territorial não possuem instrumentos jurídicos, são insuficientes para amparar
esse tipo de situação”.
Amparo jurídico aos desastres no Brasil
O levantamento legislativo dos planos diretores deixou clara a realidade da
falta de objetividade nos municípios. “Quanto à jurisprudência nos tribunais
superiores foi possível perceber que ainda não há um debate consolidado no que
se refere ao direito à moradia como direito social constitucionalmente
garantido e como ainda na seara jurisprudencial os desastres são timidamente
tratados”, relata o pesquisador Mário Talles Mendes.
A pesquisa mapeou o uso da palavra “risco” nos planos de governo e verificou que 17 capitais brasileiras usam o termo para expressar situações catastróficas de desastre, totalizando 42% das diretrizes avaliadas: Rio Branco – AC, Vitória – ES, São Luís – MA, João Pessoa – PB, Maceió – AL, Aracaju – SE, Cuiabá – MT, Brasília – DF, Goiânia – GO, Belém – PA, Boa Vista – RR, Macapá – AP, Manaus – AM, Palmas – TO, Porto Velho – RO, Rio de Janeiro – RJ e Porto Alegre – RS.
A mostra constatou ainda que somente 10 capitais (24%) tratam efetivamente de políticas públicas para desastres, sendo: Recife – PE, São Paulo – SP, Teresina – PI, Fortaleza – CE, Salvador – BA, Natal – RN, Campo Grande – MS, Belo Horizonte – MG, Florianópolis – SC e Curitiba – PR. No caso de reassentamentos ou realocações devido a acontecimentos dos desastres, somente sete capitais mencionaram o direito à moradia em seus planos diretores, o equivalente a 17% das legislações municipais analisadas: Vitória – ES, São Paulo – SP, Maceió – AL, Porto Velho - RO, Macapá – AP, Manaus – AM e Rio de Janeiro – RJ.
A
partir da identificação dos desafios para atuar na prevenção e reparação dos desastres
ambientais, o pesquisador considera a conclusão da mostra como um estímulo para
outros pesquisadores, no sentido de propor melhorias de desenho legislativo e
de medidas administrativas para lidar com os desastres e concretizar o direito
à moradia digna. “Os próximos passos serão direcionados ao desenvolvimento de
uma pesquisa sobre as audiências públicas e sua importância para a democracia e
o levantamento de dados acerca das audiências públicas no contexto do Plano
Diretor do Distrito Federal”, arremata.
Grandes Números
Segundo levantamento divulgado pela Confederação Nacional de Municípios (CNM),
foram contabilizados cerca de oito milhões de pessoas afetadas diretamente
pelos desastres naturais no Brasil em 2022. Esse número abrange pessoas afetadas
pelas estiagens, desalojados, desabrigados e vítimas fatais de acontecimentos
catastróficos. De acordo com estudo realizado pelo Painel Intragovernamental de
Mudança de Clima da ONU (IPCC), o Brasil está entre os países com grande
vulnerabilidade às crises climáticas.
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