Estudo do Inpe contabilizou mais de 74 mil pontos de calor que, diferentemente de 12 anos atrás, não estavam primordialmente associados a um evento de seca extrema. O bimestre analisado é tipicamente vulnerável a incêndios em metade da região amazônica, mas constatou-se que o motor da destruição recente foi a ação humana (foto: Gabriel de Oliveira/Universidade do Sul do Alabama)
Artigo publicado na revista Nature Ecology & Evolution este mês verificou
que o acumulado de focos de calor na Amazônia em agosto e setembro de 2022 foi
o maior desde 2010. Além do volume recorde, superior a 74 mil focos, o grupo de
pesquisa verificou que sua causa não resultou de seca extrema, como 12 anos atrás,
mas de ações humanas recentes de desmatamento.
“A ideia da publicação surgiu quando analisamos dados fornecidos
gratuitamente pelo Programa Queimadas do Inpe”,
conta Guilherme Mataveli,
pesquisador de pós-doutorado na Divisão de Observação da Terra e Geoinformática
do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e bolsista da
FAPESP.
Geralmente
a ocorrência do fogo aumenta tipicamente nesses dois meses, que correspondem ao
período em que as condições meteorológicas são mais favoráveis para a queima em
cerca de metade da Amazônia. “Mas a grande incidência de queimadas em 2010 foi
explicada por um evento de seca extrema que ocorreu em grande parte da
Amazônia. Já em 2022 não houve nada semelhante, ou seja, o aumento nos focos de
calor estava claramente relacionado com outros fatores”, explica Mataveli, que
estuda – utilizando sensoriamento remoto e modelagem – a influência do uso e da
cobertura da terra nas emissões de material particulado fino por queimadas nos
biomas Amazônia e Cerrado.
Quando o grupo de cientistas analisou onde os focos de calor ocorreram,
baseado em outro dado fornecido gratuitamente no portal TerraBrasilis do
Inpe, observou que a maioria (62%) havia ocorrido em áreas de desmatamento
recente. Além disso, comparando ao mesmo bimestre de 2021, a ocorrência de
focos de calor em áreas de desmatamento recente nos meses de agosto e setembro
disparou 71%; e os alertas de desmatamento emitidos pelo Sistema Deter do Inpe
corroboraram a análise, indicando que a área desmatada foi 64% maior.
“Outra
análise que apresentou resultado preocupante foi a localização desses focos de
calor em relação à classe fundiária, ou seja, se ocorreram em terras públicas,
minifúndios ou propriedades privadas de pequeno a grande porte”, diz
Mataveli. A informação também consta no portal TerraBrasilis do Inpe e é baseada
no Cadastro Ambiental Rural (CAR), instrumento essencialmente autodeclaratório
por meio do qual o proprietário de um imóvel rural submete informações sobre as
características ambientais do seu imóvel ao órgão responsável. Dos focos de
calor detectados em agosto e setembro de 2022, 35% ocorreram em terras públicas
em que o CAR não é requerido, como Unidades de Conservação e Terras Indígenas.
Houve alta de 69% dos focos de calor nessas áreas sem o CAR ante o mesmo
bimestre de 2021. “Nos últimos anos, a Amazônia se tornou mais vulnerável à
grilagem e esse aumento expressivo das queimadas é um dos resultados do
processo”, afirma o pesquisador.
Metas climáticas
O avanço
de fogo, desmatamento, a degradação florestal, mineração ilegal e grilagem na
Amazônia contraria as metas estabelecidas internacionalmente pelo Brasil para
combater o aquecimento global, como zerar o desmatamento ilegal até 2028 e
diminuir até 2030 em 50%, quando comparadas aos níveis de 2005, as emissões de
gases do efeito estufa.
Além dos seus impactos negativos sobre a biodiversidade e a manutenção de serviços ecossistêmicos essenciais para a vida humana, como a regulação climática, o desmatamento sem controle e atividades associadas, colocam em risco a economia brasileira. Mercados compradores de commodities, como a União Europeia, estão no processo de aprovar novas regulamentações que impedem a compra de bens produzidos em áreas desmatadas ou degradadas.
“Este artigo aponta um problema sistêmico que deve ser seriamente
enfrentado pela sociedade. A reversão desse quadro passa pela punição de
infratores, implementação de políticas públicas eficientes, comunicação com a
sociedade e busca por soluções alternativas, baseadas em ciência de ponta, que
sejam sustentáveis para o desenvolvimento da região”, alerta Luiz Aragão,
coautor do artigo.
“Identificar e responsabilizar aqueles que estão destruindo ilicitamente a maior floresta tropical do mundo é uma das tarefas desafiadoras na agenda ambiental a serem enfrentadas pelo governo federal que se inicia em 2023”, diz o cientista, que assina o artigo ao lado de Luciana Vanni Gatti e Nathália Carvalho (do Inpe), Liana Oighenstein Anderson (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), Gabriel de Oliveira (Universidade do Sul do Alabama), Celso H. L. Silva-Junior (Universidade da Califórnia, Instituto de Tecnologia da Califórnia e Universidade Federal do Maranhão) e Scott C. Stark (Universidade Estadual de Michigan).
Aragão, Anderson e Gatti também
são apoiados financeiramente em suas pesquisas pela FAPESP.
O artigo Record-breaking fires in the Brazilian Amazon
associated with uncontrolled deforestation pode ser encontrado
em: www.nature.com/articles/s41559-022-01945-2.
Também está disponível em: https://rdcu.be/cZT77.
https://agencia.fapesp.br/acumulado-de-focos-de-calor-na-amazonia-em-agosto-e-setembro-de-2022-foi-o-maior-desde-2010/40164/
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