Contemporaneamente, o fenômeno do suicídio tem registrado um aumento sem precedentes. Estudos da Organização Mundial de Saúde (OMS) indicaram que em 2018 ocorreu um suicídio a cada 40 segundos, totalizando mais de um milhão de registros em todo mundo. A faixa etária mais atingida é a de jovens entre 15 e 29 anos de idade. Mesmo entre crianças e adolescentes dos 10 aos 14 anos, o suicídio é a sétima causa de morte.
O
relatório da OMS indicou que entre os anos de 2007 e 2016 quase 110 mil pessoas
tiraram a própria vida no Brasil. Se as tentativas de suicídio (nem sempre
registradas) fossem somadas a esses dados, os números seriam ainda mais
assustadores. A maioria dos estudos tem apontado transtornos de ordem
psicológica entre as principais causas dessa tragédia mundial.
No
entanto, penso que seja oportuno resgatar a contribuição de Émile Durkheim,
fundador da sociologia, que na virada do século 19 para o 20 analisou esse
fenômeno e concluiu que as causas de fundo do suicídio são de ordem social.
Ou seja, o indivíduo que decide tirar a própria vida o faz principalmente
a partir de uma conjuntura que o afeta profundamente em sua psique.
Para
explicar sua teoria, Durkheim classificava o suicídio em três modalidades. A
primeira seria o suicídio
egoísta, no qual o indivíduo não vê mais sentido em sua vida em
face de uma realidade social com a qual não se identifica e nem se sente
integrado. A segunda modalidade é o suicídio
altruísta, no qual o ato de tirar a própria vida tem um sentido
simbólico, quando o gesto se conecta com alguma ideia ou crença “superior”, a
exemplo dos pilotos kamikazes japoneses ou dos homens-bomba. Existe ainda,
segundo Durkhein, o suicídio
anômico, ou seja, que ocorre em uma situação de desagregação social
que pode ser provocada por tragédias naturais (tsunamis, terremotos), guerras,
ou ainda por uma crise econômica aguda com altos índices de desemprego.
É
sobre esse último tipo de suicídio que quero chamar a atenção. Considerando que
vivemos numa sociedade mercantilizada, em que temos que pagar por praticamente
tudo, a condição de estar desempregado pode provocar um processo em quatro
tipos de morte. A primeira, eu chamo de morte
econômica. Sem emprego e renda, depois de um tempo a caridade da
família e amigos (quando se tem) pode acabar, ou ser humilhante demais.
Já
a morte econômica
significa a restrição ao consumo. Ir ao cinema, passear, fazer um lanche fora
de casa, comprar um presente para alguém e outras situações simples da vida são
negadas a quem não tem dinheiro. As restrições da ordem econômica afetam também
o convívio, a vida social e o ir e vir. Eis a morte social à espreita.
O
resultado dessa dinâmica perversa de limitações e restrições no plano da sociabilidade
humana é a morte psicológica,
muitas vezes a se manifestar como depressão, angústia e sofrimento. A vida vai
ficando embotada, perdendo o sentido. Para algumas pessoas, a sensação de
fracasso e culpa pode se tornar insuportável. Na fase final desse processo
podemos ter o desfecho definitivo, a quarta morte. Aquela possibilidade funesta
que encerra todas as outras possibilidades, o projeto que encerra todos os
outros projetos.
Esse
processo pode ser variável e pode não acontecer dependendo das capacidades de
cada pessoa, de sua força interior ou resiliência. No entanto, o que nos causa
profunda revolta é que a vida de muitas pessoas, principalmente as mais
vulneráveis, não precisaria ser um expediente brutal de sobrevivência ou de
sofrimento e frustração se tivéssemos uma sociedade (governos e sociedade
civil) preocupada com o bem-estar de
todas as pessoas.
Prof. Everson Araujo Nauroski - filósofo
clínico, doutor em sociologia pela UFPR e coordenador do Curso de Sociologia do
Centro Universitário Internacional Uninter.
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