A entrada em vigor do Decreto Federal
nº 9179, em 23 de outubro de 2017, alterou as regras do Decreto Federal nº
6538/2008 e redefiniu as normas para a conversão de sanções administrativas
ambientais de multa em recursos financeiros para projetos de serviços de
preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente.
Em tempos de profunda agudização no
debate político, o novel regulamento não passou incólume e acarretou uma
polêmica que se mostrou muito interessante. De um lado, recebeu críticas
contundentes daqueles que o compreenderam como uma maneira escandalosa de
promover a impunidade em matéria ambiental. De outro, foi festejado como uma
medida pragmática, que poderá alavancar investimentos para projetos que, do
contrário, não sairiam do papel.
Para justificar as críticas, os
descontentes mostram o texto do novo art. 143, § 2º, I e II, na qual forma
instituídos descontos de 35% e de 60% respectivamente no valor das multas. Por
outro lado, os defensores rebatem afirmando que a conversão é algo a mais, pois
o art. 141 obriga a que o infrator recupere o dano antes, para poder converter
a multa, com desconto, em projetos ambientais.
Enfim, o debate é saudável e evidencia
na realidade algo que a ciência política já estuda há décadas que são os muitos
matizes que existem dentre os ambientalistas. No entanto, para além desse
debate, é oportuno chamar a atenção para algo que não está previsto de forma de
expressa no novo regulamento: a real abrangência e alcance dessas normas
jurídicas regulamentares.
Evidentemente, Decreto Federal nº
9179/2017 e o Decreto Federal nº 6538/2008 que foi alterado não são
regulamentos autônomos. Pelo contrário, esses decretos detalham a aplicação de
uma norma jurídica de alcance nacional existente no art. 79-A da Lei Federal nº
9.605/1998.
Ou seja, a conversão de sanções
administrativas de multa em recursos financeiros para projetos ambientais não é
uma novidade e, o Decreto Federal nº 9179/2017 trouxe apenas uma nova maneira
de operacionalizar essa conversão. Contudo, o novo regulamento limita sua
abrangência (art. 139) dizendo que essas regras valem apenas para a conversão
das multas que são impostas pela fiscalização dos órgãos federais. É verdade
que na redação anterior (revogada) do art. 139 do Decreto Federal nº 6538/2008
também havia limitação semelhante, em que pese o fato de que todas as demais
normas desse regulamento tinham alcance nacional, isto é, aplicavam-se também
na atuação dos órgãos ambientais dos estados e dos municípios componentes do
SISNAMA – Sistema Nacional do Meio Ambiente.
A questão que passa a ser relevante
para ser debatida agora é qual o grau de autonomia que estados e municípios têm
regulamentar a conversão de multas em serviços ambientais. A resposta que
parece ser a mais adequada é a de que, pelo princípio jurídico-constitucional da
simetria federativa, decorrente da interpretação dos arts. 18, 25 e 29 da
Constituição de 1988, estados e municípios podem regulamentar a matéria desde
que mantenham uma simetria com a maneira como isso foi regulamentado no nível
federal.
E, na falta de um regulamento estadual
ou municipal a respeito, o órgão seccional ou local do SISNAMA pode e deve
aplicar os arts. 139 e seguintes do Decreto Federal nº 6538/2008 na conversão
das multas em serviços ambientais. A propósito, o Superior Tribunal de Justiça
tem precedentes desde pelo menos 2011 nesse sentido (STJ REsp 1.251.769 / SC,
Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 14/9/2011) cujo
entendimento vêm sento mantido no Tribunal até o presente (STJ, REsp
1.666.687/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 19/06/2017).
Mas e se houver o regulamento paroquial
e ele for mais restritivo em comparação com a norma federal? É preciso notar
que não se trata de uma norma material ambiental. Se fosse uma norma material
ambiental, a resposta certamente seria: prevalece a norma paroquial em relação
à norma federal.
Entretanto, a conversão de multa em
serviços ambientais é uma norma processual, que regulamenta um direito
subjetivo do acusado de infração previsto em lei (em sentido estrito) de alcance
nacional e que não pode, a priori, ser restringida localmente, sob pena de a
autoridade local criar um desequilíbrio federativo grave.
Com efeito, se houver mais exigências e
restrições, em um certo local, para a conversão de multa em serviços ambientais,
os cidadãos sujeitos à competência dessa autoridade local sofrerão uma
restrição em seu direito subjetivo público quando comparados com seus
concidadãos de outras localidades. No limite, haverá então cidadãos brasileiros
com mais direitos subjetivos processuais que outros, em razão exclusivamente de
questões regionais, o que, com o devido respeito às opiniões em contrário, é
uma nítida violação dos objetivos fundamentais da República contidos no art.
3º, III da Constituição de 1988, que determina a erradicação das desigualdades
regionais.
Enfim, em vista da entrada em vigor
recente do Decreto Federal nº 9179/2017 esses debates voltam a ter relevância,
pois podem ser arguidos durante a defesa e as alegações finais dos acusados de
infrações ambientais e, em breve, devem chegar também ao conhecimento do Poder
Judiciário, caso as autoridades administrativas ambientais resistirem à
aplicação adequada dessas regras.
Rafael Filippin - advogado e sócio-coordenador na
Andersen Ballão Advocacia. Em 2017 recebeu a quarta menção individual consecutiva
na área ambiental da Revista Análise.
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