Especialistas apontam que o enfrentamento das “policrises”, o fenômeno das crises sociais, ambientais e sanitárias sobrepostas, requer soluções integradas, gestadas com a participação da sociedade
As mudanças climáticas provocam no Brasil um aumento da
ocorrência de eventos extremos, como chuvas torrenciais, enchentes, secas,
ondas de calor, queimadas e ciclones, e o ressurgimento e proliferação de
doenças, como a atual epidemia de dengue, que potencializam os problemas
sociais no país.
Os eventos climáticos extremos ocasionam mortes, graves
prejuízos econômicos e impactos psicológicos nas vítimas. Os mais afetados são
moradores de comunidades vulneráveis, que são obrigados a conviver com
problemas que se estendem por muitos meses ou até por anos, afirma a Prof. Dra.
Liana Anderson, pesquisadora do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de
Desastres Naturais (Cemaden).
“Como as mudanças climáticas aumentam a probabilidade de
ocorrência de um evento extremo, trata-se não apenas de desastres mais severos,
mas também de desastres severos mais frequentes, arrastando a sociedade para um
empobrecimento crônico”, destaca Liana Anderson.
“Um evento extremo pode destruir escolas, postos de saúde e
toda a infraestrutura nas ruas. Quando isso ocorre de forma consecutiva, vai
empurrando para um empobrecimento da sociedade. Tem um termo de um pesquisador
que eu gosto muito, o Foster Brown, da Universidade Federal do Acre, que é o
empobrecimento silencioso. E ele é silencioso porque a gente acaba não
contabilizando todos os danos”, enfatiza a pesquisadora, que é docente da pós-graduação
em Sensoriamento Remoto do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
O conceito de policrises se aplica a um contexto de diversos
eventos extremos acontecendo ao mesmo tempo, seja de natureza ambiental,
política, bélica ou de saúde pública, que se sobrepõem e se retroalimentam,
aponta o Prof. Dr. Leandro Luiz Giatti, doutor em Saúde Pública e pesquisador e
professor associado da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo
(FSP-USP),
Nos últimos anos, o mundo lidou com a pandemia de Covid-19,
com diversos conflitos, como as guerras na Ucrânia e Oriente Médio, e com um
número crescente de desastres naturais. No Brasil, houve grandes incêndios no
Pantanal, várias enchentes, ciclones extratropicais e secas extremas, como a da
Amazônia, enumera o biólogo.
Liana Anderson cita a situação de populações que vivem em
áreas isoladas na Amazônia, sem acesso a serviços públicos e sujeitas a vários
impactos, como as secas, extremos de temperatura, garimpo, poluição da água,
conflitos com madeireiros ilegais e violência do narcotráfico, sem falar na
insegurança alimentar.
Como lidar com as policrises?
Leandro Giatti afirma que é necessário gerir as policrises
de maneira articulada, que enxergue as conexões entre os problemas e que se
debruce sobre as questões de uma forma transdisciplinar e em parceria com a
sociedade.
Em seus estudos, o biólogo incorpora elementos e
metodologias das Ciências Sociais, como a pesquisa participativa. Ele acredita
que sistemas socioecológicos mais diversos também podem ser mais resilientes.
“Eu estudo muito as periferias vulneráveis, que não são o
caos, como muitos pensam, mas sim uma usina de alternativas. As pessoas que
vivem numa comunidade periférica urbana têm muitos saberes que as permitem
viver em condições muito difíceis, e isso envolve colaborações, saberes e
linguagens. Então eu creio que a resiliência para essas múltiplas crises tem
que ser mediada pelas capacidades locais”, ressalta Leandro Giatti.
“Eu trabalho nessa linha da pesquisa participativa, porque
ela valoriza o saber local, ou melhor ainda, ela permite reconhecer que não há
como desenhar uma solução, uma política e aplicação de uma política se você não
dialogar com as pessoas. Eu valorizo sair da monocultura de ideias para os
problemas complexos. Existe uma pluralidade de ideias e conexões, saberes e
capacidade criativa se conectando com a nossa ciência tradicional e capacidade
de gerar política pública. É isso que vai permitir que a gente tenha respostas
para essas muitas crises”, aponta o biólogo.
A Profa. Dra. Renata Ferraz de Toledo, doutora em Saúde
Pública pela Faculdade de Saúde Pública da USP e docente de graduação e
pós-graduação da Universidade São Judas Tadeu, incorporou em seus projetos a
metodologia da “pesquisa-ação”, que consiste em uma reflexão coletiva, um
esforço colaborativo que incorpora na resolução de questões as populações
diretamente afetadas por esses problemas.
Renata Toledo se concentra em estudos qualitativos e
participativos, que buscam uma aproximação entre ciência, política e sociedade,
além de dialogarem com as comunidades que passam por problemas, para buscar
soluções de forma conjunta. Segundo ela, os problemas relativos às mudanças
climáticas e à saúde única, pela miríade de impactos possíveis sobre a
população, têm que ser resolvidos com a participação da sociedade.
Na busca dessas soluções integradas, Renata Toledo, assim
como Leandro Giatti, se juntou ao projeto temático “Governança ambiental da
macrometrópole paulista face à variabilidade climática”, da Fapesp. O projeto,
coordenado pelo Prof. Pedro Roberto Jacobi, deu origem ao livro Inovação
para a governança da macrometrópole paulista face à emergência climática
e é um esforço em olhar para a macrometrópole paulista – que compreende a
região metropolitana de São Paulo, Baixada Santista, Campinas e Sorocaba,
totalizando 174 municípios onde vive 18% da população brasileira – e pensar
formas inovadoras de enfrentar as mudanças climáticas de maneira integrada, já que
os efeitos dessas mudanças ultrapassam as fronteiras dos municípios.
“O projeto contou com mais de 100 pesquisadores de
diferentes áreas de conhecimento e instituições, reunidos com o objetivo de
pensar soluções para as mudanças climáticas na perspectiva de integração das
áreas. Pensar a governança da macrometrópole paulista a partir de políticas
intersetoriais e transdisciplinares. Não podemos pensar os problemas das
mudanças climáticas, que envolvem incertezas, controvérsias e tomadas de
decisões urgentes, a partir de uma única área do conhecimento. O projeto
envolveu pesquisadores das áreas de ciências exatas, humanas, da saúde e
sociais aplicadas”, conta Renata Toledo.
Liana Anderson, Leandro Giatti e Renata Toledo concederam
entrevistas para a nova edição da revista O Biólogo, do Conselho Regional de
Biologia da 1ª Região (CRBio-01), que aprofunda a discussão sobre as mudanças
climáticas e saúde única. Leia aqui.
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