Inicialmente, é preciso estabelecer, para este contexto, de que lixo estou falando. Por óbvio, não estou aqui a escrever sobre a possibilidade de o seu vizinho colocar o lixo na porta da sua casa. Eu não precisaria dizer para você rejeitá-lo. Você já sabe fazer isso, também sabe as razões que sustentam a sua decisão. Contudo, vou registrar aqui algumas delas: lixo cheira mal, atrai animais nocivos, como ratos; e insetos nojentos, como baratas. E, afinal, se você não o produziu, não há qualquer razão para que este seja depositado na sua porta, não é mesmo?
O lixo a que me refiro aqui não é o doméstico, nem
o nuclear. Mas, os comportamentos agressivos com os
quais nos deparamos nas nossas relações diárias cujo efeito é tão nefasto
quanto o lixo em si na porta da nossa casa. Estamos por aí vivendo a vida e, de
repente, os encontramos. Eles brotam, às vezes, até naqueles que amamos. Acontecem
em qualquer lugar, na rua, no ônibus, no bar, na reunião de família, na escola
ou no ambiente de trabalho. Enfim, não há como viver neste mundo sem
encontrá-los, ao menos uma vez por semana. Parece que ficam ali, bem perto, e
quando menos se espera, descarrega-se um caminhão de lixo lotado.
Sei que você sabe do que estou falando. Ainda
assim, vamos ver se estamos na mesma página. Aposto que você, ao ler, lembrou
do seu irmão, da vizinha da frente, do atendente do banco, do garçom, do seu
colega de trabalho ou do seu chefe, não foi? Então, devo lhe dizer que, na
verdade, estou falando de mim e de você.
Como assim? Isso mesmo, de mim e de você. Sempre há
uma boa justificativa para o “descarregamento de lixo” por meio de atitudes ou
de palavras ríspidas. Isso pode ser fruto de um sentimento de frustração, de
doença ou de dor, de mal humor, de estresse, de falta de amor, enfim, de se
estar em um dia de fúria. Todos esses motivos são plausíveis e certos.
Acontece, desse jeito, comigo e com o outro.
Portanto, não aceitar o lixo de ninguém é mais
profundo que agir com arrogância ou que se calar diante de grosserias, falta de
polidez ou desrespeito. O que quero dizer com isso é que primeiro precisamos
ampliar nosso ponto de vista quando olhamos para nossas atitudes justificadas.
Não fazemos por mal, é claro, ninguém o faz. Nessa perspectiva, quando perdemos
as estribeiras não somos grosseiros, mas estamos
grosseiros por alguma razão. Às vezes até sabemos o porquê, mas, às vezes, nem
mesmo nós conseguimos entender por que agimos desta ou daquela forma.
Com esse olhar fica mais fácil olhar as situações
de conflito que nos colocam como coitados ou como algozes. E, a partir dessa
visão, voltada não apenas para o acontecimento, mas para toda a rede que se
constrói para que o momento desagradável aconteça, torna-se possível observar o
agressor e deixá-lo com o seu lixo. Pela mesma razão que rejeito o lixo
doméstico de outro na porta da minha casa. Aceitar o dejeto dos outros é nocivo
à saúde mental e emocional.
Entretanto, para conseguir deixar cada um com o que
é seu, faz-se necessário enxergar os insultos e a rudeza como componentes da
natureza humana que só podem ser enfrentados com harmonia, esta, sim, a melhor
arma, porém acessível somente àqueles que aceitam o desafio de se conhecerem e
de serem melhores a cada dia.
E assim, aceitar sair da dicotomia vítima/agressor
e ir para um lugar da consciência na qual somos apenas seres humanos. Uma vez
neste espaço, podemos escolher vibrar em harmonia com tudo e com todos, apesar
das opiniões diferentes e das contrariedades. Em outras palavras, estar em um
estado no qual reciclamos nosso próprio lixo e ainda deixamos cada um com o que
lhe pertence.
Ser a diferença que você deseja ver no mundo, isso
sim é viver sem coitadisse.
Carmen Hornick – Mestre em
Estudos de Linguagem (UFMT). Licenciada em Letras Português/Inglês e suas
respectivas Literaturas (UNEMAT). Bacharel em Direito (UNIC). Pós-graduada em
Linguística Aplicada (UFMT). MBA em Direito do Trabalho (Faculdade Pitágoras).
Pós-graduada em Direito: Administração Pública e Controle Externo (FGV).
Personal and Executive Coach (ICI - Integrating Coaching Institute).
Pós-graduada em Direito Sistêmico (Faculdade Innovare/Hellinger Schule).
Certificada no MPP Training and Certification Program pelo (Human Being
Institute) e no Curso de Introdução à Análise Transacional (União Nacional de
Analistas Transacionais do Brasil). Foi professora de ensino fundamental, médio
e superior. É membro da Comissão de Direito Sistêmico da OAB/MT e colaboradora
no projeto Aprender Sistêmico. Autora do livro “Como viver sem coitadisse”,
pela Literare Books International. Instagram: @carmen_hornick | e-mail: carmen_hornick@hotmail.com
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