Soluções baseadas na Natureza, como parques
urbanos, jardins de infiltração e telhados verdes biodiversos, reduzem impactos
de chuvas intensas, elevação das temperaturas e eventos climáticos extremos
O crescimento e adensamento populacional tem se mostrado um
fenômeno irreversível no mundo todo. O último relatório das Organizações das
Nações Unidas (ONU) sobre a população global projetou que, em 2100, a
quantidade de pessoas no planeta pode chegar a 10,9 bilhões, levantando
preocupações quanto à pressão sobre as cidades, em especial em áreas sensíveis
como o acesso à água.
Uma
das alternativas que têm avançado nos últimos anos para ajudar a enfrentar o
problema é a chamada infraestrutura natural, que consiste na incorporação de
Soluções baseadas na Natureza (SBN) para resolver questões relacionadas à
segurança hídrica e à resiliência. Por meio da implantação de áreas verdes em
pontos estratégicos das cidades, cria-se um sistema natural capaz de absorver a
água da chuva, filtrar sedimentos do solo e reduzir custos com saneamento e
saúde pública.
“Muitas
cidades estão pensando em seus sistemas de drenagem porque as tubulações que
existem hoje, feitas décadas atrás, não dão conta de escoar o volume atual de
água durante grandes tempestades, que acaba provocando enchentes e invadindo
edificações. Isso é especialmente importante num cenário de crise climática, em
que as chuvas estão cada vez mais intensas e concentradas em curtos períodos,
criando uma sobrecarga sobre esses sistemas. Adotar estratégias que usam a
proteção da natureza como solução eleva os municípios ao que chamamos de
Cidades baseadas na Natureza”, explica o gerente de Economia da Biodiversidade
da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, André Ferretti.
A
aplicação prática da infraestrutura natural acontece por meio de soluções como
jardins de infiltração, parques e telhados verdes, que juntos podem reduzir a
quantidade de água que chega aos sistemas de drenagem, gerando ao mesmo tempo
benefícios socioeconômicos. “Ao absorverem a água da chuva e diminuírem sua
velocidade de escoamento até chegarem às tubulações, essas áreas verdes, com
solo altamente permeável, ajudam a prevenir a ocorrência de enchentes e
alagamentos, o que evita muitos prejuízos. Esses espaços também servem como
áreas de lazer e bem-estar para a população.”
Um
estudo do World Resources Institute (WRI Brasil), publicado em 2018 em parceria
com diversas entidades, mostrou que o aumento da cobertura florestal em 8% no
Sistema Cantareira, na capital paulista, poderia reduzir em 36% a sedimentação.
“Ao impedir que mais sedimentos cheguem aos rios e, consequentemente, às
estações de tratamento, a infraestrutura verde também alivia os cofres
públicos, reduzindo o custo de tratamento da água que abastece as cidades.”
Para
se ter uma ideia do impacto que isso pode gerar, a Estação de Tratamento de
Água do Guandu, a maior do mundo, que fica no Rio de Janeiro, gasta 140
toneladas de sulfato de alumínio, 30 toneladas de cloreto férrico e mais 25
toneladas de cal diariamente para retirar impurezas da água que abastece a
Região Metropolitana do Rio. Ferretti cita ainda o exemplo do movimento Viva
Água, que reúne diversos atores para proteger e recuperar ecossistemas naturais
e incentivar o empreendedorismo com impacto socioambiental positivo na Bacia do
Rio Miringuava, em São José dos Pinhais (PR), minimizando a sedimentação do rio
e contribuindo com a segurança hídrica da região.
Design
urbano sustentável
Entre
as principais ações de urbanismo que as grandes cidades estão colocando em
prática estão os jardins
de infiltração. Também conhecidos como jardins de chuva, são
espaços ao longo do território urbano que servem como esponjas, ajudando na
absorção da água. Além do aspecto funcional, contribuem para a valorização do
espaço público e das propriedades em seu entorno. O ideal é que sejam
instalados em partes mais baixas do terreno, que tendem a ser mais impactados
por fortes chuvas.
Opção
já bastante conhecida, mas com aplicação ainda pouco disseminada, é o telhado verde. Esse
tipo de recurso auxilia na regulação microclimática das edificações e ajuda a
acumular a água da chuva, sobretudo quando usado em conjunto com cisternas. “Essa água
pode ser usada para a limpeza das áreas comuns, reduzindo o consumo de água
potável. Isso é ainda mais importante nos períodos de seca”, diz Ferretti.
Outra
aplicação da infraestrutura natural acontece por meio dos parques e áreas verdes
em geral, que além dos benefícios similares de filtragem de sedimentos e
retenção de água, geram impacto positivo sobre a saúde e o bem-estar das
pessoas, à medida que se tornam espaços de lazer e relaxamento para a população
e atuam na redução da poluição sonora e atmosférica. Além disso, as árvores
também reduzem a velocidade de escoamento da água, impedindo que o sistema de
drenagem se sobrecarregue rapidamente.
“O
poder público precisa perceber que isso tem valor. E agora, nas eleições
municipais, o eleitor pode avaliar e cobrar dos candidatos esse tipo de
compromisso. Evitar alagamentos é igual reduzir grandes despesas, desde o
tratamento da água até o sistema de saúde. Em um cenário de mudanças
climáticas, com chuvas intensas seguidas por longos períodos de estiagem, ter
controle sobre a disponibilidade da água é uma questão de sobrevivência”,
afirma o gerente da Fundação Grupo Boticário.
De
acordo com o DataSUS, em 2018, foram registradas mais de 230 mil internações
por doença de veiculação hídrica, provocadas principalmente por falta de
saneamento básico ou pelo contato com água suja em enchentes. Entre as doenças
estão diarreia, leptospirose e hepatite A. Os gastos com internações com estas
enfermidades no Sistema Único de Saúde (SUS) chegou a R$ 90 milhões no mesmo
ano, segundo o Painel Saneamento Brasil, do Instituto Trata Brasil.
Foto:
Parque Guairacá, em Curitiba. Área verde em meio à cidade traz diversos
benefícios sociais e econômicos. Crédito: Cesar Brustolin/SMCS/Fotos Públicas.
(mar. 2014)
Fundação Grupo Boticário
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