O Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) aprovou na terça-feira (25/6) Resolução que estabelece
procedimentos do Poder Judiciário para o tratamento de pessoas indígenas
acusadas, rés, condenadas ou privadas de liberdade. O texto busca assegurar os
direitos dessa população e garante, entre outros pontos, que se disponibilize
serviço de intérprete a quem não fale a língua portuguesa e a possibilidade de
realização de perícia antropológica para auxílio na elucidação dos fatos. A responsabilização
de pessoas indígenas também deverá considerar mecanismos próprios das
comunidades.
O presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, frisou que a construção de um sistema justo passa pela adoção de procedimentos que garantam os direitos previstos na legislação e em compromissos assumidos pelo Brasil. “Costumes próprios de comunidades indígenas não são considerados, em grande parte dos casos, no momento da responsabilização penal dessa população. E, ainda, quando são custodiadas em unidades prisionais, pessoas indígenas não veem respeitadas suas particularidades culturais, em aspectos como alimentação, rituais religiosos ou contatos familiares”, afirmou.
O CNJ irá elaborar manual para orientação sobre a implementação das medidas previstas na resolução, que entra em vigor em 90 dias. O texto foi elaborado com apoio técnico da equipe do programa Justiça Presente, parceria entre o CNJ, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), para enfrentar a crise do sistema prisional com base em princípios constitucionais e garantia de direitos.
Procedimentos
Os novos procedimentos
deverão ser adotados em todos os processos de pessoas que se identifiquem como
indígenas, com essa identificação (incluindo etnia e língua falada) em todos os
atos processuais. Cópias dos autos de processo deverão ser encaminhadas à
Fundação Nacional do Índio (Funai) em até 48 horas. A autoridade judicial
também deverá buscar garantir a presença de intérprete em todas as etapas do
processo quando necessário mediante solicitação da defesa ou da Funai ou a
pedido da pessoa.O juízo também poderá determinar a realização de perícia antropológica, que deverá conter, entre outros pontos, as circunstâncias pessoais, culturais e sociais da pessoa acusada, assim como os usos, costumes e tradições da comunidade a que ela se vincula. Também deve ser considerado o entendimento da comunidade indígena em relação à conduta imputada, assim como os mecanismos de julgamento e punição adotados em seu âmbito. A responsabilização da pessoa indígena deverá considerar estes mecanismos próprios e poderá adotar ou homologar práticas de resolução de conflitos e responsabilização em conformidade com costumes e normas próprias, como prevê o Estatuto do Índio (Lei n. 6.001/73).
Ainda segundo a Resolução, a definição da pena e do regime de cumprimento deve considerar características culturais, sociais e econômicas, com penas compatíveis com costumes e tradições e alinhadas com o Estatuto do Índio. O tratamento penal às mulheres indígenas deverá considerar prisão domiciliar cumprida na comunidade e o acompanhamento das beneficiadas pela progressão de regime. O novo instrumento também estabelece que os tribunais, em parceria com Escolas de Magistratura, poderão promover cursos de qualificação e atualização de magistrados e servidores.
Contexto
A edição de Resolução levou
em consideração uma série de tratados internacionais assinados pelo Brasil,
legislações nacionais e decisões judiciais, assim como próprio Estatuto do
Índio. Assinada pelo Brasil, a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos
dos Povos Indígenas (2007) reconhece a estes o direito de conservarem e
reforçarem suas próprias instituições e estabelece que os Estados devem adotar
medidas eficazes para garantir a proteção de direitos, inclusive proporcionando
serviços de interpretação e outros meios adequados.Relatório da ONU sobre os povos indígenas no Brasil (2016) também recomendou aos Poderes Judiciário, Executivo e Legislativo que considerem, com urgência e em colaboração com os povos indígenas, a eliminação das barreiras que os impedem de realizarem seu direito à justiça.
De acordo com o juiz auxiliar da Presidência do CNJ Gustavo Direito, a resolução vem suprir, de forma inédita, uma lacuna importante na resposta do Judiciário em escala nacional para a questão do indígena privado de liberdade. “A resolução estabelece um protocolo para o juiz agir no tratamento ao preso indígena, garantido a efetiva proteção a esses presos prevista na Constituição Federal e nos tratados internacionais”.
Iuri Tôrres
Agência CNJ de Notícias
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