No Brasil existe uma
pauta de interesse nacional que não avança, uma fila estática, que, quando
muito, dá passos laterais curtos, que propositalmente mantem cada perfilado em
seu exato local, de onde este não demonstra o mínimo interesse em descer. E é nesta
pauta inavançável que está inserida a reforma política, tema de máxima
relevância que somente emerge do calabouço de tempos em tempos, ou melhor, de
crises em crises, como no cenário atual de grave descrédito da classe política,
dos partidos políticos e até mesmo das instituições.
Como resposta para o
assolado momento de desconfiança, o parlamento, ladeado pelo Executivo, através
de comissão especial na Câmara, sob relatoria do deputado Vicente Cândido
(PT-SP), bota em mesa uma reforma política que em muito dista dos anseios
populares vociferados nas ruas nos últimos anos. Uma reforma incompleta, que
tem como principais pontos os analisados em sequência.
Item interessante e
oportuno é a unificação, para quatro meses, do prazo de desincompatibilização para
todos os cargos públicos, medida que trará simplificação do instituto e maior
objetivação do processo eleitoral. Já por outro lado, não tão positiva, em
verdade uma opção contraproducente, é a inovadora possibilidade de um candidato
disputar mais de um cargo político em um mesmo pleito, uma anomalia que
exigiria do candidato mais de um projeto de governo/mandato.
Outra opção positiva é a
extinção da segunda suplência de senadores, juntamente com a previsão de que em
caso de vacância definitiva da vaga de senador o único suplente não ficaria até
o fim do mandato, mas tão somente até a eleição imediata. Pela proposta, este
suplente tomaria posse e permaneceria no cargo apenas até a eleição
imediatamente próxima, independente da previsão de mais uma vaga para a
disputa.
Também salutar é a
proposta de vedação de divulgação de pesquisas eleitorais uma semana antes das
eleições, extinguindo as disputas midiáticas pela apresentação de pesquisas na
semana das eleições, todas com resultados variados e publicados com nítida
objetivação de manipular a vontade do eleitor.
A proposta prevê também
a unificação dos tempos de filiação e de domicílio eleitoral dos candidatos
para nove meses antes das eleições, o que não vejo com bons olhos, vez que o
encurtamento do prazo de domicílio proporciona candidaturas flutuantes nas
proximidades do pleito, dando azo a eleição de pessoas sem identidade com a
localidade que o escolhera.
Bastante polêmica, e que
tem levantado acalorada rejeição, é a proposta de extinção dos cargos de
vice-presidente, vice-governador e vice-prefeito, sob o argumento-maior de
redução dos custos da Administração Pública. Entretanto, vejo como melhor
solução a não remuneração do cargo de vice para as três esferas do Executivo,
por trazer a desejada economia financeira e evitar a realização de novas
eleições em caso de vacância, esta sim geradora de elevados custos para
realização de novo pleito, além de reduzir a alternância e sua inerente
instabilidade.
Prevê, ainda, a reforma
em debate, que as eleições para os cargos do Executivo e do Legislativo devem
ser realizadas em pleitos diferentes; com mudanças nas datas de posses para o
dia 9 de janeiro, no caso de prefeitos e governadores; dia 10 de janeiro,
presidente da República e dia 1º de fevereiro para todos os Parlamentares.
Outro item de
insofismável importância é o que põe fim às coligações para todas as eleições
proporcionais, encerrando a vida de um instituto que proporciona distorções e
incoerências partidárias inexplicáveis, fortalecendo-se a identidade de cada
Partido, que agora só poderá atuar isoladamente – caso aprovado este componente
da proposição sob deliberação do Parlamento.
Não menos contestável é
a adoção de cláusula de desempenho eleitoral, também conhecida por “cláusula de
barreira”, como critério para que partidos tenham acesso ao fundo partidário e
ao tempo gratuito de televisão, trecho da proposição rechaçada com veemência
pelas pequenas agremiações, que tem sobrevivência econômica atrelada ao fundo
partidário e protagonismo político máximo somente nos momentos de barganhas
para formação de grupos eleitoreiros.
Traz, ainda, a reforma
proposta a modalidade de financiamento eleitoral misto, bancado com parte por
um fundo eleitoral e parte por doações de pessoas físicas. A grande rejeição do
acenado fundo é a previsão de que ele seja mantido por receita proveniente da
carga tributária, já tão elevada e sem o justo retorno à sociedade através de
serviços de qualidade. Certamente o administrado não anseia ver seus recursos
aplicados em eleições, o que é absolutamente compreensível.
Finalmente, sem dúvida o
mais acalorado ponto da reforma, na ótica do cidadão, é a proposta de adoção do
sistema de eleição de parlamentares por meio de lista fechada, com listas elaboradas
por meio de prévias, convenções ou primárias; isto para as eleições de 2018 e
2022. Por este item, somente nas eleições de 2026 seria introduzido o sistema
eleitoral misto, com parte das vagas destinadas aos escolhidos por lista
pré-ordenada e a outra parte por sistema distrital.
Na ótica da sociedade, o
sistema de lista fechada se destina unicamente à manutenção dos atuais
mandatários, na quase totalidade desgastados pela derrocada econômica do país
e/ou escândalos de corrupção que corroeram as colunas do Planalto e Parlamento,
e que hoje veem-se na iminência de não alcançarem êxito na próxima eleição de
2018, já muito próxima e com todos estes ainda maculados pelo bombardeamento de
notícias atentatórias às suas imagens.
A política partidária,
que já mostrava sinais profundos de convalescência, ruiu de vez com a
conjuntura atual. Partidos sem identidades, outros com fracionamentos internos
injuntáveis, partidos antagônicos envolvidos em um mesmo escândalo. Enfim, toda
sorte de desventuras vividas pelas agremiações conduziu ao status presente, em
que uma reforma estruturante é imprescindível para a recuperação da democracia
brasileira e não uma mera liberalidade do Parlamento.
Certo é que o prazo
limite para aprovação da reforma, com tempo hábil para a sua adoção já nas
próximas eleições, se aproxima a passos largos enquanto o consenso está
distante, as divergências são inumeráveis e o rito ainda caminha para o
Plenário, onde tudo há de ser debatido e deliberado. Dificilmente teremos uma
reforma integralmente pronta para 2018, tanto pela falta de tempo suficiente,
quanto pela falta de proposições que realmente tragam reformas estruturantes
para nosso ordenamento político.
Por fim, é chegada a
hora de sepultar o insustentável presidencialismo de coalizão e abrir caminhos
para o semi-presidencialismo ou parlamentarismo, com uma prévia fase de
diminuição do injustificável acervo de partidos políticos atuais, construindo
um ambiente de agremiações sólidas e com identidade, e assim realizar uma reforma
de fato estruturante, viabilizando o avanço da nossa jovem República. Do
contrário, continuaremos a dar passos laterais e andarmos em círculos, sob o
mesmo trilho e com os mesmos mandatários, que somente são sucedidos
hereditariamente.
Marcones Santos - advogado de Direito Eleitoral e
sócio do escritório Lopes, Leite & Santos Advogados Associados
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