Os problemas da economia vêm
atingindo o consumo no varejo com diferentes níveis de intensidade, de acordo
com pesquisa da consultoria Kantar Worldpanel, divulgada pelo jornal Valor no
início do mês. O maior impacto recai sobre as classes A e B, com 3,1% contra
1,3% na classe C. Já na classe D houve alta de 3,4%. Contas fechadas, o volume
médio de compras no varejo por família sofreu leve queda de 0,2% em 2014,
ano-base da pesquisa. Outras consultorias confirmam a tendência de queda no
consumo, com cancelamento de compra ou substituição de produtos e marcas de
maior custo, além de redução das visitas aos pontos de venda e preferência pelo
chamado atacarejo. Esses dados, que sinalizam uma paralisação nos avanços
da nova classe média, refletem o descolamento de dois fatores que caminhavam
muito próximos até o final de 2012, quando os preços passaram a subir mais
rápido do que o volume de compras pelas famílias. Ainda segundo dados da
Kantar, em 2014 o gasto médio do brasileiro subiu 9,4% , salto que os analistas
relacionam mais à elevação dos preços do que à aquisição de produtos mais
sofisticados, ao contrário da tendência verificada especialmente no período
2008-2010.
Os especialistas em consumo focam
suas análises no item despesas familiares. Entretanto, embora a quantidade e a
qualidade dos produtos adquiridos valham como comprovantes de ascensão social,
uma visão mais ampla mostra que, apesar dos sinais de que as classes menos
favorecidas estão empobrecendo, nada indica que não existam brasileiros nesse
segmento parados ou que não se mostrem dispostos a agir para preservar ou
conquistar avanços. No mesmo dia (4/3) em que o Valor publicava reportagem com
os dados acima, o jornal Brasil Econômico trazia uma reportagem informando que
quatro em cada dez moradores de favela querem ser empreendedores, sendo que 48%
aspiram aproveitar oportunidades de negócio; 35% são impulsionados pela
necessidade; 16% somam as duas motivações e 2% não sabem ou não
responderam.
O levantamento foi feito pelo
Instituto Data Popular e os resultados apresentados por Luiz Barreto,
presidente do Sebrae, no 2º Fórum Nova Favela Brasileira. Para ele, "empreender é um mecanismo de inclusão e uma
alternativa para essa população, que ainda sofre preconceito".
Embora apenas 10% dos interessados em empreender tenham feito algo nesse
sentido, como poupar dinheiro ou planejar o negócio, 63% deles mostram senso de
oportunidade, pois querem se instalar nas favelas onde vivem. Isso significa
que eles já perceberam que ali há boa demanda e circula dinheiro em quantidade
apreciável – de acordo com o Data Popular, os 12,3 milhões de moradores das
favelas brasileiras movimentam R$ 68,6 bilhões/ano. Há, ainda, outras
vantagens: como a maioria dos respondentes são mulheres, a mobilidade é
alternativa importante para aquelas que não têm creche para deixar os filhos,
mais precisam e querem ter uma renda, explicou Barreto. O perfil dos
interessados em empreender traz algumas surpresas. Por exemplo, enquanto 56% estão
na classe C, 38% pertencem às D e E, e 7% se classificam na classe alta. No
quesito idade, 51% têm mais de 25 anos e são casados. Já 73% são negros ou
pardos.
Renato Meirelles,
presidente do Data Popular, lembra que abrir negócios fortalece a economia da
favela, cujo comércio já atende cerca de 80% na compra de itens básicos. Assim,
recomenda, o caminho é fomentar negócios em segmentos de produtos de maior
valor, como eletrônicos ou eletrodomésticos, que são adquiridos fora das
comunidades. O presidente do Sebrae concorda: "Precisamos ajudar a
planejar empreendimentos que também tenham negócios dessa natureza mais
complexa”.
Há muito tempo, o CIEE
vem reconhecendo a necessidade de reforçar e até mesmo viabilizar o
protagonismo nas áreas de vulnerabilidade social. Uma das ações que realiza é
propiciar condições para que os jovens das favelas ingressem no mercado de
trabalho, por meio do estágio e da aprendizagem. Essas duas modalidades, além
de propiciar uma valiosa formação profissional prática e teórica, garantem
desde o início uma remuneração que possibilita aos jovens se manter na escola e
contribuir para aumentar a renda familiar. Adicionalmente, eles também contam
com uma série de serviços gratuitos, voltados para o desenvolvimento pessoal,
estudantil, profissional e cidadão, entre os quais cursos presenciais e à
distância, ciclos de palestras, acesso a atividades culturais, estímulo
ao empreendedorismo, entre outras.
A ministra do
Desenvolvimento Social, Tereza Campello, afirma que a favela é o retrato da
exclusão social no Brasil. "Essa pesquisa joga luz sobre o Brasil
profundo, que ainda é pouco conhecido e enxergado pelo resto do país e que
reúne ainda o pobre nordestino e das comunidades rurais." É também um dos
nichos em que o CIEE vem reforçando suas ações filantrópicas, sempre com a
convicção de que o casamento da educação com a preparação para o trabalho é a
chave para assegurar, principalmente às novas gerações, a inclusão social e,
consequentemente, um futuro mais justo e cidadão.
Ruy Martins Altenfelder Silva -
presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas (APLJ) e do Conselho
Diretor do CIEE Nacional.
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