Segundo maior exportador mundial de alimentos,
respondendo por 7% de toda a comida do planeta, o Brasil tem enormes desafios a
superar na ocupação e uso de seu território. As mudanças de uso do solo, como o
desmatamento, e a agropecuária respondem por cerca de dois terços das emissões
de carbono no país. Por outro lado, com práticas mais sustentáveis, esses
setores podem não apenas reduzir sua emissão, mas também capturar carbono da
atmosfera, e tornar-se, portanto, parte da solução.
É por isso que a Coalizão Brasil Clima, Florestas e
Agricultura - movimento multisetorial composto por mais de 170 membros,
entre entidades que lideram o
agronegócio no Brasil, as principais ONGs da área de meio ambiente e clima e
representantes de peso do meio acadêmico - apresentará aos principais
candidatos às eleições deste ano, um conjunto de 28 propostas, relacionadas ao
uso da terra, factíveis de serem alcançadas em um mandato de quatro anos. As
propostas podem ser adotadas pelos candidatos, tanto ao poder executivo quanto
ao legislativo. Boa parte delas é baseada em instrumentos já existentes e que
simplesmente precisam ser aprimorados ou colocados em prática.
“O Brasil precisa revolucionar o seu uso da terra e essa
demanda é também uma oportunidade para o próximo governo”, afirma André
Guimarães, facilitador da Coalizão Brasil. “Nossa agenda está
diretamente ligada ao desenvolvimento do Brasil e tem o poder de pautar o
caminho para uma economia de baixo carbono, alinhada aos desafios do século
XXI”, completa.
As propostas da Coalizão Brasil
apontam também para oportunidades de captação de recursos para o país. Por
exemplo, os valores de referência dos acordos firmados pelo Fundo Amazônia
indicam que o Brasil poderia captar US$ 30 bilhões apenas com base nas reduções
de emissões pelo desmatamento nessa região entre 2006 e 2015. Esse valor
poderia representar um grande estímulo à economia nacional, além de gerar renda
no campo por meio da conservação ambiental.
Divididas em três eixos – 1) Ordenamento Territorial; 2)
Dinamização dos Mecanismos de Mercado; e 3) Agropecuária de Baixo Carbono
Aliada à Conservação, Restauração, Reflorestamento e Uso Sustentável dos
Recursos Naturais - as 28 propostas criam um círculo virtuoso, na qual uma
favorece a outra. É o caso, por exemplo, do Cadastro Ambiental Rural
(CAR) que, se devidamente implementado, pode ajudar o produtor a superar a teia
dos 15 cadastros oficiais diferentes e não integrados que existem hoje na
esfera federal, a qual gera conflitos e insegurança jurídica e custos
econômicos significativos para o poder público e proprietários rurais. A
implementação do CAR poderá também se tornar um critério para a concessão de
crédito agrícola, vinculando os financiamentos bancários à efetiva implantação
dos instrumentos do Código Florestal e suspendendo o acesso a crédito a
propriedades com desmatamento ilegal. Já que grande parte do setor
produtivo se apoia na concessão de crédito subsidiado, medidas como essa
representam um importante estímulo às práticas sustentáveis.
O estímulo ao uso inteligente das informações
no planejamento territorial também faz parte do escopo de sugestões, como no
caso da proposta de fomentar a expansão da agropecuária e a recuperação
florestal em áreas desmatadas, mas que se encontram abandonadas ou
subutilizadas. Hoje, a agropecuária ocupa uma área de 269 milhões de hectares
do território nacional, incluindo entre 30 a 40 milhões de hectares de
pastagens degradadas e outros 24 milhões de hectares de áreas improdutivas,
segundo estimativas. Além de aproveitar essas áreas já abertas, a Coalizão
Brasil sugere ainda iniciativas específicas para recuperar a cobertura
florestal em áreas de recarga dos aquíferos das bacias hidrográficas
consideradas estratégicas, dado que as crises hídricas estão cada vez mais
recorrentes no Brasil e que os mananciais apresentam elevado índice de
desmatamento e degradação em praticamente todas as regiões metropolitanas do
país, comprometendo a capacidade de recarga e a qualidade do recurso hídrico.
Medidas como essas contribuiriam para que o Brasil consiga cumprir seu
compromisso internacional de restauração e reflorestamento de 12 milhões de
hectares de florestas até 2030. “A convergência da agenda de florestal
com outras agendas prioritárias pode ser um importante direcionador desse
processo”, destaca André.
Para isso, no entanto, o Brasil precisa
conhecer melhor onde estão as áreas degradadas e onde ocorre o
desmatamento. Os dados oficiais incluem somente o desmatamento na
Amazônia e na Mata Atlântica. Com isso, ainda não se tem um conhecimento da
extensão e da dinâmica da degradação em outros biomas, como o Cerrado,
Caatinga, Pantanal e Pampas. Essa lacuna impede o planejamento e a
implementação de medidas necessárias à conservação da biodiversidade em todo o
território nacional. Além de conhecer seu passivo em todos os biomas, a Coalizão
Brasil recomenda que o próximo governo garanta recursos financeiros e
institucionais para que sistemas de monitoramento do desmatamento, restauração
e reflorestamento sejam implantados em todo o país, para permitir a produção de
relatórios anuais que subsidiem ações de conservação.
Com base no sucesso da moratória da soja, a Coalizão
Brasil propõe ainda instituir mecanismos para estabelecer o princípio da
corresponsabilização em todos os elos das cadeias de valor da produção
florestal e agropecuária. Dessa forma, danos ambientais nas diferentes etapas
da produção seriam responsabilizados, o que ajudaria a coibir a
ilegalidade. Para tanto, a Coalizão Brasil reconhece o lançamento
do Sistema Nacional de Controle da Origem de Produtos Florestais (Sinaflor), em
2017, como um importante primeiro passo para integração das informações de
diferentes fontes e combate do desmatamento ilegal.
As propostas envolvem também uma postura de
coerência por parte do governo, como a exigência de que os produtos florestais
adquiridos pelo poder público sejam rastreados e sobretaxa em produtos sem
rastreabilidade. O Estado precisa servir de exemplo em um país no qual cerca de
80% da madeira comercializada possui algum grau ou componente de ilegalidade. O
arcabouço legal brasileiro já conta com uma série de políticas que estimulam as
compras sustentáveis, com destaque à preferência nas licitações para propostas
que economizem recursos naturais e reduzam gases de efeito estufa e resíduos,
critério previsto na Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC).
A Coalizão Brasil também recomenda desenvolver
mecanismos de financiamento e incentivo à Pesquisa & Desenvolvimento e
Inovação voltados ao uso sustentável de produtos não madeireiros e dos recursos
genéticos e bioquímicos das florestas nativas, como forma de valorização da
biodiversidade nacional. “O Brasil explora pouco o potencial da sua
biodiversidade, que poderia ser o caminho para um uso sustentável de suas
florestas e o desenvolvimento de novos produtos não madeireiros. Para isso, são
necessárias medidas de incentivo à pesquisa na área de bioprospecção”, ressalta
Guimarães.
A Coalizão Brasil vê
as eleições como o momento certo para iniciar o diálogo com os candidatos. “O
uso da terra é um grande desafio para os poderes executivo e legislativo, mas
que se mostra também como uma oportunidade de agenda positiva, na qual os
ganhos atingem todos os setores da sociedade e fortalecem o desenvolvimento do
Brasil. Mas o governo não conseguirá implementar todas essas propostas sozinho.
Por isso, a Coalizão Brasil e toda sua rede de mais de 170 membros se
coloca à disposição dos candidatos para ajudá-los a compreender e endossar
estas propostas”, conclui André.
O documento
completo com as 28 propostas e seu detalhamento pode ser lido aqui ou confira a seguir um sumário
delas:
a.
ORDENAMENTO TERRITORIAL - Segurança jurídica para
a produção e a conservação da diversidade cultural, étnica e ambiental.
- Estabelecer uma Força-Tarefa Nacional da Justiça
Federal, apoiada pelo Executivo, Legislativo e Ministério Público, com o
objetivo de promover a resolução de conflitos fundiários;
- Implementar o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) em
todo o território nacional, incorporando ferramentas modernas de estudo e
planejamento da paisagem e de consulta à sociedade;
- Direcionar recursos humanos e financeiros para garantir
a validação do Cadastro Ambiental Rural (CAR);
- Promover a integração do Sistema Nacional de Cadastro
Ambiental Rural (Sicar) com os demais cadastros fundiários públicos
existentes no Brasil, tornando-os informações de domínio público.
- Regulamentar, de forma participativa e transparente, os
Programas de Regularização Ambiental (PRAs) e as Cotas de Reserva Ambiental
(CRAs);
- Produzir mapa anual de uso e cobertura da terra no
Brasil para todo o território nacional;
- Produzir relatório anual de desmatamento, restauração e
reflorestamento de todos os biomas brasileiros;
- Instalar uma força-tarefa para promover a destinação
para conservação e usos sustentáveis de 60 milhões de hectares de
florestas públicas não destinadas;
- Suspender os processos de redução de unidades de
conservação e os
processos que ameaçam os direitos
territoriais indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais;
- Suspender o acesso a crédito e apoio para regularização
fundiária a todas as propriedades com desmatamento ilegal;
- Implantar
multa pecuniária correspondente ao valor do carbono emitido pela conversão
ilegal do uso da terra, com sobretaxa aplicável a ecossistemas ameaçados
e áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade.
b.
DINAMIZAÇÃO DOS MECANISMOS DE MERCADO - Financiamento
e estímulo à conservação, restauração, reflorestamento e ao desenvolvimento
sustentável no campo.
stal
brasileiro, que trata dos incentivos para a conservação ambiental em
propriedades privadas, bem como outros dispositivos legais, como os projetos de
lei sobre Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), legislações estaduais sobre
REDD+, dentre outros, para valorizar a captura, conservação, manutenção e
aumento da fixação natural de carbono;
- Implantar,
de forma imediata, o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE),
considerando não apenas a redução das emissões, mas também a remoção do
carbono da atmosfera, conforme previsto na Política Nacional de Mudanças
Climáticas (PNMC), criando uma agenda de trabalho que estimule sinergias
entre o mercado e a valorização de ativos florestais;
- Fomentar o
avanço da Estratégia Nacional de REDD+, com fortalecimento da participação
da sociedade civil e do setor empresarial na Comissão Nacional para REDD+
(CONAREDD+);
- Instituir
metas ambiciosas que promovam a completa renovabilidade para a matriz
energética e cadeias produtivas no Brasil, incentivadas pela criação de um
mercado de certificados lastreados na produção de energia ou produtos de
base renovável, de forma articulada com outros mecanismos regulatórios;
- Reduzir o custo de capital de instrumentos de
financiamento público, inclusive do BNDES, para investimentos que promovam
remoções ou menores emissões de GEE, eliminando subsídios e incentivos
fiscais aos combustíveis fósseis e a agentes de mercado que não cumpram
com a legislação ambiental;
- Trabalhar
junto aos agentes do mercado financeiro, tanto nacionais quanto
internacionais, para estruturar estratégias de financiamento para projetos
que tragam benefícios ambientais e para a agricultura de baixo carbono,
especialmente o plantio de florestas nativas;
- Ampliar o escopo, captação e
celeridade de execução do Fundo Amazônia.
c.
AGROPECUÁRIA DE BAIXO CARBONO ALIADA À
CONSERVAÇÃO, RESTAURAÇÃO, REFLORESTAMENTO E USO SUSTENTÁVEL DOS RECURSOS
NATURAIS - Compatibilização da produção e a conservação da
diversidade socioambiental.
- Atuar sobre os principais gargalos da Agricultura de Baixo Carbono
(Plano ABC), expandindo as ações públicas e privadas voltadas à
assistência técnica, extensão rural e difusão de tecnologia em sinergia
com outras fontes e mecanismos nacionais e internacionais;
- Incluir
incentivos para a expansão agrícola e pecuária, bem como para a
recuperação florestal, em áreas degradadas e de baixa aptidão agrícola por
meio dos planos plurianuais de investimento e ação;
- Eliminar
das cadeias produtivas brasileiras a
produção oriunda de desmatamento ilegal ou de exploração ilegal, imputando
a corresponsabilidade a compradores de produtos de base florestal ilegais
e não rastreáveis;
- Disponibilizar
publicamente e de forma atualizada as autorizações e documentos de
controle dos fluxos de madeira tropical, estabelecendo tecnologia de
rastreamento por georreferenciamento em todas as cadeias produtivas;
- Exigir que
produtos florestais adquiridos pelo poder público sejam rastreados,
definindo ainda um cronograma para implantação de sobretaxa sobre o valor
de todo produto florestal oferecido ao mercado sem rastreabilidade;
24.
Desenvolver mecanismos de financiamento e
incentivo à P&D e Inovação voltados ao desenvolvimento de oportunidades
para o uso sustentável de produtos não madeireiros e dos recursos genéticos e
bioquímicos das florestas nativas, como forma de valorização da biodiversidade
nacional;
- Desenvolver
programa pré-competitivo de P&D e Inovação para silvicultura de
espécies arbóreas nativas do Brasil;
- Garantir
recursos orçamentários para implantação das medidas do Plano Nacional de
Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg) relacionadas ao planejamento,
financiamento e expansão da pesquisa e desenvolvimento voltadas à
silvicultura;
- Criar
iniciativa específica para recuperar a cobertura florestal, atrelada a
múltiplos usos, em áreas de recarga dos aquíferos das bacias hidrográficas
consideradas estratégicas;
- Promover e implementar o
Renovabio.
Sobre a Coalizão Brasil
A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura é
um movimento multissetorial que se formou com o objetivo de propor ações e
influenciar políticas públicas que levem ao desenvolvimento de uma economia de
baixo carbono, com a criação de empregos de qualidade, o estímulo à inovação, à
competitividade global do Brasil e à geração e distribuição de riqueza a toda a
sociedade. Mais de 170 empresas, associações empresariais, centros de pesquisa
e organizações da sociedade civil já aderiram à Coalizão Brasil - http://www.coalizaobr.com.br