As eleições municipais se aproximam e, pelo
menos em São Paulo, as campanhas têm contribuído pouco para a formação de
convicções por parte dos eleitores. A continuar o curso atual, é provável que o
representante para o cargo executivo seja escolhido por critérios emocionais e,
o que é grave, os 55 vereadores sejam eleitos por motivos estranhos à
importância da função que irão desempenhar no próximo quadriênio.
O estado de coisas atual reflete problemas
estruturais de nossa formação. A democracia, ao menos enquanto conjunto de
procedimentos, tem se resumido, entre nós, ao ato de eleger. A
preocupação com a função dos eleitos, sobretudo em termos de representação e
deliberação, não parece fazer parte de nosso horizonte político. Não parece ser
outro o motivo que leva ao verdadeiro abismo entre povo e governo, situando
este último como ente apartado da vida dos cidadãos.
Por mais que a sociedade tenha avançado – e
realmente avançou!- em termos de aprofundamento da participação política, ainda
estamos muito distantes de uma verdadeira cultura pública, capaz de suportar e
dar resolução qualitativa ao tema do autogoverno. Aqui, a noção de que o povo é
governo se dissipa diante das distâncias socioeconômicas que insistem em repor
a velha cultura oligárquica e patrimonial, tão presente na condução do Estado.
Haja vista a exaltação dos mandatários como verdadeiros reis taumaturgos,
capazes de, com um ato de vontade, abrir as alamedas que conduzem ao paraíso.
A forma como os candidatos se comunicam com os
eleitores neste período de campanha pode receber diversas qualificações, menos
a de que contribui para a formação de uma visão informada sobre o pleito e sua
importância para o nosso destino comum. Neste sentido, partidos e políticos
nada mais fazem, mesmo quando se afirmam como encarnação do novo, do que repor
a velha cultura política herdada de nossa formação social, marcadamente
antidemocrática.
Se há algo que tem faltado nos dias que correm
é a disposição para discutir seriamente um projeto de cidade, que leve em conta
as dificuldades do presente e a construção do futuro. Cidadãos, partidos e
candidatos perdem uma oportunidade preciosa. Já passou da hora de considerar as
coisas como verdadeiramente são e admitir que São Paulo é complexa demais para
ficar em plano secundário no momento em que renova o seu governo.
Rogério Baptistini - sociólogo e professor na Universidade
Presbiteriana Mackenzie. Está disponível para entrevistas.