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segunda-feira, 26 de março de 2018

Brasil já conta com quase 40 mil pediatras, contudo especialidade sofre com a má distribuição pelos estados


Em dois anos, o número de pediatras no Brasil aumentou mais de 10%. Atualmente, são 39.234 especialistas, que obtiveram seus títulos após conclusão de programas de Residência Médica ou foram aprovados em exames organizados pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Esse grupo representa 10,3% do total de médicos especialistas no País, que, distribuídos em 55 áreas, somam 282.298 profissionais. Com essa população, a Pediatria se consolida como a segunda maior especialidade em medicina do País, atrás apenas da clínica médica.

Com base nesse número, é possível afirmar que atualmente há 18,89 pediatras para cada grupo de 100 mil habitantes. Os dados constam da pesquisa Demografia Médica 2018, realizada pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), com o apoio institucional do Conselho Federal de Medicina (CFM) e do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), divulgada nesta semana.

O levantamento, coordenado pelo professor Mário Scheffer, usou bases de dados do CFM, da Associação Médica Brasileira (AMB), da Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Ministério da Educação (MEC). Com o trabalho, é possível conhecer detalhes do perfil do médico brasileiro, em especial dos pediatras.

Para a presidente da SBP, dra Luciana Rodrigues Silva, os números confirmam o grande interesse que a pediatria desperta entre os médicos. “Trata-se de uma especialidade que exige dedicação, conhecimento e muita paixão. O retrato apresentado será útil para que a Sociedade possa conhecer melhor aqueles que atuam na área e desenvolver ações específicas para atender suas necessidades”.


MULHERES E JOVENS - Um dos dados que se destaca é a confirmação do processo de feminização da especialidade. Como tem acontecido com a medicina de forma geral, na pediatria o número de especialistas do sexo feminino é cada vez maior. Segundo o estudo, as mulheres já respondem por 73,9% da especialidade no País, enquanto os homens são 26,1%.

Outro número que chama a atenção é a presença dos jovens entre os pediatras brasileiros, seguindo também uma tendência observada na medicina em geral. Mais da metade dos pediatras (56,9%) tem até 49 anos, com destaque para a faixa etária que vai dos 30 aos 34 anos que representa 14,2% desses médicos.

No grupo de 50 a 54 anos, estão 11,5% dos especialistas. De 55 a 59 anos, foram contabilizados outros 10,9%. As outras faixas relatadas pelo estudo são: de 60 a 64 anos (9.9%); de 65 a 69 anos (7,5%) e de 70 a 75 anos (3.3%). A média de idade do pediatra fica em 47,6 anos e de tempo de formado em  22,5 anos.


CONCENTRAÇÃO – Contudo, além do perfil demográfico, a pesquisa permite verificar aspectos importantes, como a má distribuição dos pediatras, o que inclui uma grande concentração desse grupo nos estados mais desenvolvidos e nas capitais. Pelos números, mais da metade dos pediatras (55%) está instalado na Regiões Sudeste. Bem distante, vem o Nordeste (16,2%); mesmo percentual no Sul; 8,6% no Centro-Oeste e 4% no Norte.
“A distribuição dos pediatras pelo País precisa ser analisada com rigor pelas autoridades. Certamente, estados como Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais têm um grande número de especialistas. Contudo, não se pode esquecer que o Norte e o Nordeste dependem de políticas públicas que assegurem a formação e a fixação de pediatras nessas regiões. Há um enorme contigente de brasileiros que contam com essa assistência para ter saúde e qualidade de vida”, disse o secretário-geral da SPB, dr Sidnei Ferreira, que acompanhou o lançamento do trabalho.

Também chamou a atenção que o número importante de pediatras que possuem também títulos de outras especialidades médicas. Dos 39.234 pediatras, cerca de 20% (8.976) informaram que também fizeram residência ou foram aprovados em exames de outras sociedades. A área onde essa situação é mais comum é na alergia e imunologia, com 990. Depois, destacam-se a medicina do trabalho (918), a homeopatia (516), a oncologia clínica (515) e a neurologia (468).

A Demografia Médica mostrou ainda que da população médica de pediatras, um total de 2.241 especialistas possuem registro em pelo menos dois Conselhos Regionais de Medicina, ou sejam, podem atuar em mais de um Estado. O trabalho, que tratou também do universo que engloba todas as 55 especialidades médicas existentes no país, é considerado estratégico para o desenvolvimento de ações em favor da medicina, dos médicos e dos pacientes.


QUADRO NACIONAL – Do total de médicos em atividade no País, 62,5% têm um ou mais títulos de especialista. Por outro lado, 37,5% não têm título algum. São 282.298 especialistas e 169.479 generalistas (médicos sem título de especialista). A razão é de 1,67 especialista para cada generalista. O dado, uma das conclusões da Demografia Médica 2018, permite afirmar que o número de especialistas vem crescendo no Brasil, sobretudo em função da expansão de programas e vagas de residência médica. O trabalho permite ver também a distribuição de médicos especialistas e generalistas entre as grandes regiões e pelas unidades da federação.

A pesquisa considera apenas os dois caminhos oficiais que levam o médico a ser reconhecido como especialista no Brasil: a conclusão de programa de residência médica e a obtenção de título via Sociedade de Especialidade Médica. O estudo adotou o termo “generalista” para designar o médico sem título de especialista.

São considerados os médicos com títulos em 55 especialidades médicas reconhecidas, em vários cenários (por estado, região, sexo, faixa etária e pelo número de títulos por especialidade). Especialistas com mais de um título foram contados pelo estudo em cada especialidade. Portanto, o número de títulos de especialistas (381.506) é maior que o número de médicos especialistas (282.298).




BANCO DE DADOS - Entre 2015 (última edição de Demografia Médica no Brasil) e 2017, foram acrescidos ao banco de dados do estudo 53.436 médicos com títulos de especialistas. O aumento é consequência da formação de novos especialistas, mas também de melhorias na alimentação e captação de dados implementados pelas fontes originais (CNRM, AMB e CRMs).

Na Região Sul, são 2,27 especialistas para cada generalista, enquanto no Nordeste essa razão é de 1,34 e no Norte, 1,06. Nessa última região há praticamente um especialista para cada generalista. Os dados do Centro-Oeste, com quase o dobro de especialistas (razão de 1,93) são influenciados pela presença do Distrito Federal, que tem 2,76 especialistas para cada generalista, maior concentração de médicos especialistas em todo o País.  O Sudeste tem razão de 1,68 especialista para cada generalista, praticamente a mesma taxa do Brasil como um todo, que é 1,67.



Entre os estados, as diferenças são mais acentuadas. Cinco deles, incluindo o Distrito Federal, têm mais de dois especialistas para cada generalista (Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Espírito Santo e Paraná). São Paulo vem logo abaixo, com razão de 1,90. Em todos esses, mais de 65% dos médicos são especialistas.

Na outra ponta, estão Tocantins e Roraima, com mais generalistas que especialistas. Outros 13 estados têm razão inferior a 1,50. Com taxa intermediária, entre 1,55 e 1,78 especialistas para cada médico sem título, estão seis estados, entre eles Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás.




FALTA DE POLÍTICAS – A conclusão final é de que nunca houve um crescimento tão grande da população médica no Brasil num período tão curto de tempo. Em pouco menos de cinco décadas, o total de médicos aumentou 665,8%, ou 7,7 vezes. Por sua vez, a população brasileira aumentou 119,7%, ou 2,2 vezes. No entanto, esse salto não trouxe os benefícios que a sociedade espera,

Apesar de contar, em janeiro de 2018, com 452.801 médicos (razão de 2,18 médicos por mil habitantes), o Brasil ainda sofre com grande desigualdade na distribuição da população médica entre regiões, estados, capitais e municípios do interior. O aumento total registrado e a má distribuição dos profissionais pelo território nacional têm relação direta com o fenômeno da abertura de novas escolas e cursos de Medicina no Brasil.

Contudo, na avaliação das entidades médicas, o grande número de profissionais, que deve aumentar exponencialmente nos próximos anos, enfrenta um grande problema: existem deficiências nas políticas públicas que geram maior concentração de médicos nas grandes cidades e no litoral, em especial nas áreas mais desenvolvidas, e nos serviços particulares em detrimento do Sistema Único de Saúde (SUS).

A manutenção desse problema, na avaliação das lideranças médicas, decorre da ausência de políticas públicas que estimulem a migração e a fixação dos profissionais nas áreas mais distantes dos grandes centros, de modo particular no interior das Regiões Norte e Nordeste.

Dentre os problemas, está a precariedade dos vínculos de emprego, a falta de acesso a programas de educação continuada, a ausência de um plano de carreira (com previsão de mobilidade) e inexistência de condições de trabalho e de atendimento, com repercussão negativa sobre diagnósticos e tratamentos, deixando médicos e pacientes em situação vulnerável.



Fake news: espaço para o ódio e o controle da política


Atenção! A polícia federal confirmou hoje que o filho do Lula era sócio da Friboi e que recebeu recursos no exterior. O resultado da investigação é determinante para inviabilizar a candidatura do ex-presidente. A mesma perícia nas contas da empresa mostrou repasses para Aécio Neves e Luciano Huck em conta conjunta em paraíso fiscal. Compartilhe a notícia. Salve o país da corrupção!

Os nomes, as situações e os pedidos da mensagem são comuns no ciberespaço e merecem nossa análise. Estamos lendo uma notícia falsa (fake news) que viraliza em segundos pelos aplicativos dos smartphones e causam um dano político incalculável. Os compartilhamentos e as curtidas ganham força quando o produtor das fake news apresenta informações aparentemente verdadeiras, numa linguagem fácil e destinada a um público que já tenha uma opinião desfavorável em relação aos personagens envolvidos na mentira. O fenômeno recente – que definiu 2016 como o ano que marca a era da pós-verdade – suscita uma série de análises sobre o ambiente virtual. No entanto, vamos nos concentrar em dois pontos para a nossa reflexão: o discurso do ódio e o controle da política.

O conteúdo das notícias falsas na política é caracterizado pelo ódio em relação ao outro. Significa que, majoritariamente, as fake news desprezam um dos elementos constitutivos das sociedades modernas pós-segunda guerra mundial, que é a capacidade de reconhecimento do outro e do diálogo. Ambas são condições para construção de processos políticos civilizacionais que permitam concordar e discordar ou criar consensos e dissensos dentro de um ambiente de valores políticos democráticos e republicanos.

Avançando na nossa análise, a negação do outro significa a nossa própria morte como sujeito que vive em sociedade. Como mostrou Hannah Arendt, os campos de concentração foram grandes espaços de negação e de banalidade do mal orientados pelo ódio. Não estamos afirmando a necessidade de concordar com o outro, mas de reconhecê-lo como um sujeito discursivo – mesmo que nós discordemos totalmente dele. Aqui está a essência da política com traços democráticos e que nos distancia de regimes autoritários ou totalitários.

Considerando o outro e o diálogo como centrais no século 21, como devemos proceder para controlar as notícias falsas? A resposta é mais complexa do que imaginamos. Em primeiro, porque o ciberespaço organizado em escala global e de acesso difuso para parte significativa da população mundial não tem 20 anos. Isso significa que estamos experimentando novidades tecnológicas diárias numa velocidade de transmissão exponencial em que ainda não conseguimos mensurar quais serão os impactos disso nas pessoas. Vamos pensar quantas mensagens recebemos, lemos na íntegra, pensamos de maneira profunda e respondemos corretamente todos os dias no Facebook, WhatsApp, Twitter, Instagram, etc. Conseguimos contabilizar enquanto estudamos e trabalhamos? Sem contar as mensagens que recebemos na madrugada. Parece que ninguém mais dorme! Dessa forma, a qualidade dos filtros sobre as notícias recebidas e compartilhadas é muito limitado.

O segundo ponto, e talvez um dos mais complexos para enfrentarmos no momento, está ligado ao funcionamento dos algoritmos que orientam os aplicativos usados e a arquitetura de funcionamento das redes. Sabemos como funciona? Estamos cientes de como e de quem define o que aparece na nossa linha do tempo do Facebook ou do Google? Sabemos quem tem o controle? Conhecemos quais são as empresas especializadas em criar tendências a partir de notícias falsas? A ausência de respostas efetivas e transparentes para as poucas perguntas formuladas já demonstra que os projetos de leis, como PL 473/17, do senador Ciro Nogueira (PP/PI) e PL 6.812/17 e 7.604/17, do dep. Luiz Hauly (PSDB/PR), que buscam regular o compartilhamento de notícias falsas pelos usuários são limitados, insuficientes, ineficazes e até mesmo perigosos.

O perigo encontra-se no controle político que poderá ser realizado pelos órgãos públicos e privados sem que a sociedade tenha acesso real aos mecanismos e procedimentos adotados. As decisões tomadas no Brasil já demonstram o caminho do controle. O Tribunal Superior Eleitoral, na presidência do ministro Gilmar Mendes, optou por envolver as Forças Armadas e Agência Brasileira de Inteligência no controle das redes. Dito de outra forma, podemos falar que o estado brasileiro potencialmente colocou, em cada dispositivo que utilizamos, um soldado para vasculhar as nossas informações, ou seja, somos alvos militarmente controlados. Alternativas privadas também apresentam dilemas jurídicos e éticos sobre o controle dos usuários.

Estamos num novo período da nossa organização social que merece uma profunda análise orientada por valores democráticos e republicanos, pois a ficção do passado transformou-se em realidade. A combinação do ódio e do controle político difundidos pelas notícias falsas coloca-nos na mesma condição dos personagens de George Orwell no livro 1984. Se avançarmos neste caminho podemos terminar com um “Ministério da Verdade” – público ou privado –, criado para combater as notícias falsas, mas que na prática, retira as nossas liberdades e nos deixa sem saber quem realmente está produzindo as fake news sobre política, previdência, o mercado de trabalho, a educação e a saúde.






Eduardo Faria Silva - coordenador-geral dos cursos de Pós-Graduação em Direito e coordenador e professor da Pós-Graduação de Direito Constitucional e Democracia da Universidade Positivo (UP). É doutor em Direito.


Supremo Tribunal Federal: “Decidimos não decidir”


No dia 22 de março último, o Supremo Tribunal Federal foi instado a debater e votar pela validade do Habeas Corpus (HC) Preventivo, impetrado pela defesa do ex-presidente Lula, para, em seguida, analisar e julgar o mérito do caso, com vistas a conceder ou não a prerrogativa de o acusado responder todo o restante do processo em liberdade, inclusive perante o julgamento dos Embargos de Declaração a ser apreciado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que muito provavelmente decretará sua prisão. O fundamento do HC constitui-se no mais eficaz garantidor da liberdade de locomoção de todo brasileiro, inclusive do ex-presidente, não se tratando, portanto, de privilégio de uma ou outra pessoa. No entanto, o que foi visto na Suprema Corte do nosso país, naquele dia, não condiz com a finalidade protetiva do HC.

A primeira previsão normativa que tratou do HC no país foi o Código de Processo Criminal do Império do Brasil, de 1832, estabelecendo que qualquer cidadão que entenda ter sua liberdade de locomoção infringida, levando-o à prisão, terá amplo direito de se socorrer ao Poder Judiciário para proteger e corrigir a liberdade violada. Após aquele Código, todo ordenamento jurídico brasileiro passou a garantir o writ, ou seja, o HC. A atual Constituição Federal de 88, em seu art. 5º, estabelece de modo literal que conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”

Segundo a norma constitucional, a garantia da liberdade, direito fundamental, portanto cláusula pétrea (que não pode ser abolida da atual Constituição), vincula-se ao fato de haver comprovada ilegalidade ou abuso do poder. Não o poder do povo, previsto no parágrafo único do art. 1º da CF, mas o poder instaurado nas instituições públicas brasileiras.

Ainda no aspecto normativo do Habeas Corpus, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, marco da nova concepção destes direitos em âmbito universal, estabelece nos Artigos 8 e 9 a garantia da liberdade de locomoção contra ilegalidades. E no domínio do Pacto de São José da Costa Rica, também conhecido como Convenção Americana de Direitos Humanos, no seu art. 7, nº 6, determina que toda pessoa privada de sua liberdade tem pleno direito de recorrer a um juiz ou tribunal, a fim de que estes decidam sobre a legalidade ou não do ato, ordenando, caso assim se comprove, a soltura do réu. No entanto, talvez o aspecto mais importante no caso analisado nesse artigo, ocorrido na semana passada no STF, diz respeito à parte final do mencionado dispositivo da Convenção Americana, que determina que “nos Estados Partes cujas leis prevêem que toda pessoa que se vir ameaçada de ser privada de sua liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente a fim de que este decida sobre a legalidade de tal ameaça, tal recurso não pode ser restringido nem abolido”, ou seja, nenhum juiz ou tribunal poderá restringir a análise de um writ tão importante.

Seguindo esse raciocínio, o Supremo Tribunal Federal, órgão máximo de decisão no Brasil, reiterou o que vem fazendo há tempos em nosso país, a despeito do interesse da sociedade, violando não só a Constituição Federal, mas tratados e convenções internacionais. Ao que parece, sem adentrar a questões político-partidárias, a Corte vem passando por um processo de intensa politização, no qual Ministros agem como verdadeiros advogados de causas ligadas a diversos interesses. Basta ver algumas extravagâncias ocorridas no STF: ofensas e acusações pessoais entre ministros opositores, no mais alto grau da desmoralização humana, descumprimento de entendimentos pacificados em Plenário por cada uma das Turmas, pressões conduzidas por “segmentos” da Corte perante a Presidente Ministra Carmen Lúcia, para agir de uma ou de outra maneira, dentre tantas outras. 

Especificamente na análise da validade do HC do ex-presidente Lula, o que se viu foram graves violações aos direitos constitucionais, às instituições democráticas e à própria sociedade brasileira. De um lado, estava a Turma dos defensores da revisão do entendimento já pacificado sobre a presunção de inocência ou da não culpabilidade, como dito, já discutido em 2016, e de outro, aqueles que entendem que o tema não merece ser rediscutido por conta de um ou outro cidadão, nesse caso um agente político de grande popularidade. O debate se pautou, em princípio, pela validade ou não do HC, ou seja, se futuramente os Ministros analisarão ou não o pedido da defesa do ex-presidente. Ao final e ao cabo, por 7 votos a 4, entendeu-se que o Habeas Corpus deverá ser analisado e julgado, para conceder ou não salvo-conduto ao ex-presidente Lula. Mas quando, já que dois dos onze Ministros tinham compromisso particular e deveriam deixar a Corte no final daquela tarde? O Ministro Marco Aurélio tinha viagem particular marcada na mesma quinta-feira, e o Ministro Gilmar Mendes deixaria sua função pública temporariamente para viagem a Lisboa, em Portugal. Não se trata, é importante ressaltar, de proibi-los de ter compromissos particulares, mas se a liberdade de uma pessoa, no caso o ex-presidente Lula, é tão importante, por que adiar o julgamento e não fazê-lo naquele mesmo dia? Como mencionado anteriormente, o julgamento não deveria ocorrer na própria sessão, como estabelece a Convenção Americana de Direitos Humanos? E o Povo Brasileiro, que espera uma resposta das Cortes decisórias, como entende toda essa (in) justificativa? Em verdade, é o Povo Brasileiro quem mais se compromete com o nosso país, dando o máximo do que os esforços físico e psicológico podem alcançar, para construir uma sociedade brasileira pautada nos fundamentos e objetivos da Constituição da República Federativa do Brasil, respectivamente nos arts. 1º e 3º.

Atualmente, não se sabe mais como, quando e de que modo o Supremo decidirá, já que por várias vezes o entendimento da Corte é modificado, alterando, por consequência, a própria Constituição. Entretanto, não se trata de mutação constitucional, instituto jurídico que permite a reinterpretação da Constituição para adequá-la aos novos tempos a partir de critérios muito bem elaborados, mas, sim, de julgamentos confusos e avaliados a partir de critérios elaborados pelos próprios Ministros, que gera, consequentemente, mais insegurança jurídica no país. O direito que se segue é o do próprio STF. Aliás, ouso dizer que no Brasil há vários direitos. 

De todo modo, o que se viu no dia 22 de março de 2018 foi a criação de um novo direito, sem precedente na história brasileira, no qual um tribunal concede salvo-conduto para um cidadão, sem análise do mérito do pedido, ou seja, sem analisar se de fato ele tem ou não direito a este salvo-conduto, protegendo-o contra o julgamento de um recurso em outro tribunal que, possivelmente, o condenará, como já o fez. É assim que se renova o Direito brasileiro!





Pedro Vítor Melo Costa - professor de Direito Constitucional da Universidade Presbiteriana Mackenzie – Campinas.


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