Atenção! A polícia federal confirmou hoje que o filho do
Lula era sócio da Friboi e que recebeu recursos no exterior. O resultado da
investigação é determinante para inviabilizar a candidatura do ex-presidente. A
mesma perícia nas contas da empresa mostrou repasses para Aécio Neves e Luciano
Huck em conta conjunta em paraíso fiscal. Compartilhe a notícia. Salve o país
da corrupção!
Os
nomes, as situações e os pedidos da mensagem são comuns no ciberespaço e
merecem nossa análise. Estamos lendo uma notícia falsa (fake news) que viraliza
em segundos pelos aplicativos dos smartphones e causam um dano político
incalculável. Os compartilhamentos e as curtidas ganham força quando o produtor
das fake news apresenta informações aparentemente verdadeiras, numa linguagem
fácil e destinada a um público que já tenha uma opinião desfavorável em relação
aos personagens envolvidos na mentira. O fenômeno recente – que definiu 2016
como o ano que marca a era da pós-verdade – suscita uma série de análises sobre
o ambiente virtual. No entanto, vamos nos concentrar em dois pontos para a
nossa reflexão: o discurso do ódio e o controle da política.
O
conteúdo das notícias falsas na política é caracterizado pelo ódio em relação
ao outro. Significa que, majoritariamente, as fake news desprezam um dos
elementos constitutivos das sociedades modernas pós-segunda guerra mundial, que
é a capacidade de reconhecimento do outro e do diálogo. Ambas são condições
para construção de processos políticos civilizacionais que permitam concordar e
discordar ou criar consensos e dissensos dentro de um ambiente de valores
políticos democráticos e republicanos.
Avançando
na nossa análise, a negação do outro significa a nossa própria morte como
sujeito que vive em sociedade. Como mostrou Hannah Arendt, os campos de
concentração foram grandes espaços de negação e de banalidade do mal orientados
pelo ódio. Não estamos afirmando a necessidade de concordar com o outro, mas de
reconhecê-lo como um sujeito discursivo – mesmo que nós discordemos totalmente
dele. Aqui está a essência da política com traços democráticos e que nos
distancia de regimes autoritários ou totalitários.
Considerando
o outro e o diálogo como centrais no século 21, como devemos proceder para
controlar as notícias falsas? A resposta é mais complexa do que imaginamos. Em
primeiro, porque o ciberespaço organizado em escala global e de acesso difuso
para parte significativa da população mundial não tem 20 anos. Isso significa
que estamos experimentando novidades tecnológicas diárias numa velocidade de
transmissão exponencial em que ainda não conseguimos mensurar quais serão os
impactos disso nas pessoas. Vamos pensar quantas mensagens recebemos, lemos na
íntegra, pensamos de maneira profunda e respondemos corretamente todos os dias
no Facebook, WhatsApp, Twitter, Instagram, etc. Conseguimos contabilizar
enquanto estudamos e trabalhamos? Sem contar as mensagens que recebemos na
madrugada. Parece que ninguém mais dorme! Dessa forma, a qualidade dos filtros
sobre as notícias recebidas e compartilhadas é muito limitado.
O
segundo ponto, e talvez um dos mais complexos para enfrentarmos no momento,
está ligado ao funcionamento dos algoritmos que orientam os aplicativos usados
e a arquitetura de funcionamento das redes. Sabemos como funciona? Estamos
cientes de como e de quem define o que aparece na nossa linha do tempo do
Facebook ou do Google? Sabemos quem tem o controle? Conhecemos quais são as
empresas especializadas em criar tendências a partir de notícias falsas? A
ausência de respostas efetivas e transparentes para as poucas perguntas
formuladas já demonstra que os projetos de leis, como PL 473/17, do senador
Ciro Nogueira (PP/PI) e PL 6.812/17 e 7.604/17, do dep. Luiz Hauly (PSDB/PR),
que buscam regular o compartilhamento de notícias falsas pelos usuários são
limitados, insuficientes, ineficazes e até mesmo perigosos.
O
perigo encontra-se no controle político que poderá ser realizado pelos órgãos
públicos e privados sem que a sociedade tenha acesso real aos mecanismos e
procedimentos adotados. As decisões tomadas no Brasil já demonstram o caminho
do controle. O Tribunal Superior Eleitoral, na presidência do ministro Gilmar
Mendes, optou por envolver as Forças Armadas e Agência Brasileira de
Inteligência no controle das redes. Dito de outra forma, podemos falar que o
estado brasileiro potencialmente colocou, em cada dispositivo que utilizamos,
um soldado para vasculhar as nossas informações, ou seja, somos alvos
militarmente controlados. Alternativas privadas também apresentam dilemas
jurídicos e éticos sobre o controle dos usuários.
Estamos
num novo período da nossa organização social que merece uma profunda análise
orientada por valores democráticos e republicanos, pois a ficção do passado
transformou-se em realidade. A combinação do ódio e do controle político
difundidos pelas notícias falsas coloca-nos na mesma condição dos personagens
de George Orwell no livro 1984. Se avançarmos neste caminho podemos terminar
com um “Ministério da Verdade” – público ou privado –, criado para combater as notícias
falsas, mas que na prática, retira as nossas liberdades e nos deixa sem saber
quem realmente está produzindo as fake news sobre política, previdência, o
mercado de trabalho, a educação e a saúde.
Eduardo Faria Silva - coordenador-geral dos cursos de
Pós-Graduação em Direito e coordenador e professor da Pós-Graduação de Direito
Constitucional e Democracia da Universidade Positivo (UP). É doutor em Direito.
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