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segunda-feira, 26 de março de 2018

Supremo Tribunal Federal: “Decidimos não decidir”


No dia 22 de março último, o Supremo Tribunal Federal foi instado a debater e votar pela validade do Habeas Corpus (HC) Preventivo, impetrado pela defesa do ex-presidente Lula, para, em seguida, analisar e julgar o mérito do caso, com vistas a conceder ou não a prerrogativa de o acusado responder todo o restante do processo em liberdade, inclusive perante o julgamento dos Embargos de Declaração a ser apreciado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que muito provavelmente decretará sua prisão. O fundamento do HC constitui-se no mais eficaz garantidor da liberdade de locomoção de todo brasileiro, inclusive do ex-presidente, não se tratando, portanto, de privilégio de uma ou outra pessoa. No entanto, o que foi visto na Suprema Corte do nosso país, naquele dia, não condiz com a finalidade protetiva do HC.

A primeira previsão normativa que tratou do HC no país foi o Código de Processo Criminal do Império do Brasil, de 1832, estabelecendo que qualquer cidadão que entenda ter sua liberdade de locomoção infringida, levando-o à prisão, terá amplo direito de se socorrer ao Poder Judiciário para proteger e corrigir a liberdade violada. Após aquele Código, todo ordenamento jurídico brasileiro passou a garantir o writ, ou seja, o HC. A atual Constituição Federal de 88, em seu art. 5º, estabelece de modo literal que conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”

Segundo a norma constitucional, a garantia da liberdade, direito fundamental, portanto cláusula pétrea (que não pode ser abolida da atual Constituição), vincula-se ao fato de haver comprovada ilegalidade ou abuso do poder. Não o poder do povo, previsto no parágrafo único do art. 1º da CF, mas o poder instaurado nas instituições públicas brasileiras.

Ainda no aspecto normativo do Habeas Corpus, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, marco da nova concepção destes direitos em âmbito universal, estabelece nos Artigos 8 e 9 a garantia da liberdade de locomoção contra ilegalidades. E no domínio do Pacto de São José da Costa Rica, também conhecido como Convenção Americana de Direitos Humanos, no seu art. 7, nº 6, determina que toda pessoa privada de sua liberdade tem pleno direito de recorrer a um juiz ou tribunal, a fim de que estes decidam sobre a legalidade ou não do ato, ordenando, caso assim se comprove, a soltura do réu. No entanto, talvez o aspecto mais importante no caso analisado nesse artigo, ocorrido na semana passada no STF, diz respeito à parte final do mencionado dispositivo da Convenção Americana, que determina que “nos Estados Partes cujas leis prevêem que toda pessoa que se vir ameaçada de ser privada de sua liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente a fim de que este decida sobre a legalidade de tal ameaça, tal recurso não pode ser restringido nem abolido”, ou seja, nenhum juiz ou tribunal poderá restringir a análise de um writ tão importante.

Seguindo esse raciocínio, o Supremo Tribunal Federal, órgão máximo de decisão no Brasil, reiterou o que vem fazendo há tempos em nosso país, a despeito do interesse da sociedade, violando não só a Constituição Federal, mas tratados e convenções internacionais. Ao que parece, sem adentrar a questões político-partidárias, a Corte vem passando por um processo de intensa politização, no qual Ministros agem como verdadeiros advogados de causas ligadas a diversos interesses. Basta ver algumas extravagâncias ocorridas no STF: ofensas e acusações pessoais entre ministros opositores, no mais alto grau da desmoralização humana, descumprimento de entendimentos pacificados em Plenário por cada uma das Turmas, pressões conduzidas por “segmentos” da Corte perante a Presidente Ministra Carmen Lúcia, para agir de uma ou de outra maneira, dentre tantas outras. 

Especificamente na análise da validade do HC do ex-presidente Lula, o que se viu foram graves violações aos direitos constitucionais, às instituições democráticas e à própria sociedade brasileira. De um lado, estava a Turma dos defensores da revisão do entendimento já pacificado sobre a presunção de inocência ou da não culpabilidade, como dito, já discutido em 2016, e de outro, aqueles que entendem que o tema não merece ser rediscutido por conta de um ou outro cidadão, nesse caso um agente político de grande popularidade. O debate se pautou, em princípio, pela validade ou não do HC, ou seja, se futuramente os Ministros analisarão ou não o pedido da defesa do ex-presidente. Ao final e ao cabo, por 7 votos a 4, entendeu-se que o Habeas Corpus deverá ser analisado e julgado, para conceder ou não salvo-conduto ao ex-presidente Lula. Mas quando, já que dois dos onze Ministros tinham compromisso particular e deveriam deixar a Corte no final daquela tarde? O Ministro Marco Aurélio tinha viagem particular marcada na mesma quinta-feira, e o Ministro Gilmar Mendes deixaria sua função pública temporariamente para viagem a Lisboa, em Portugal. Não se trata, é importante ressaltar, de proibi-los de ter compromissos particulares, mas se a liberdade de uma pessoa, no caso o ex-presidente Lula, é tão importante, por que adiar o julgamento e não fazê-lo naquele mesmo dia? Como mencionado anteriormente, o julgamento não deveria ocorrer na própria sessão, como estabelece a Convenção Americana de Direitos Humanos? E o Povo Brasileiro, que espera uma resposta das Cortes decisórias, como entende toda essa (in) justificativa? Em verdade, é o Povo Brasileiro quem mais se compromete com o nosso país, dando o máximo do que os esforços físico e psicológico podem alcançar, para construir uma sociedade brasileira pautada nos fundamentos e objetivos da Constituição da República Federativa do Brasil, respectivamente nos arts. 1º e 3º.

Atualmente, não se sabe mais como, quando e de que modo o Supremo decidirá, já que por várias vezes o entendimento da Corte é modificado, alterando, por consequência, a própria Constituição. Entretanto, não se trata de mutação constitucional, instituto jurídico que permite a reinterpretação da Constituição para adequá-la aos novos tempos a partir de critérios muito bem elaborados, mas, sim, de julgamentos confusos e avaliados a partir de critérios elaborados pelos próprios Ministros, que gera, consequentemente, mais insegurança jurídica no país. O direito que se segue é o do próprio STF. Aliás, ouso dizer que no Brasil há vários direitos. 

De todo modo, o que se viu no dia 22 de março de 2018 foi a criação de um novo direito, sem precedente na história brasileira, no qual um tribunal concede salvo-conduto para um cidadão, sem análise do mérito do pedido, ou seja, sem analisar se de fato ele tem ou não direito a este salvo-conduto, protegendo-o contra o julgamento de um recurso em outro tribunal que, possivelmente, o condenará, como já o fez. É assim que se renova o Direito brasileiro!





Pedro Vítor Melo Costa - professor de Direito Constitucional da Universidade Presbiteriana Mackenzie – Campinas.


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