É normal que enfrentemos diversos tipos de estresse ao longo das nossas vidas. Durante a infância, esses episódios são, inclusive, importantes para que os pequenos aprendam a lidar com frustrações e se tornem adultos mais resilientes. No entanto, quando muito intensos e por períodos prolongados, podem ocasionar problemas sérios para a saúde e, até mesmo, para a economia do país em um efeito cascata – problema que sentiremos nas próximas décadas, devido ao estresse gerado pela pandemia. Crianças com acesso a educação, moradia, alimentação adequada e amor, tornam-se adultos mais produtivos para sociedade.
Existem três tipos de estresse costumeiros na
infância. O primeiro, de grau leve, é de curta duração e possível de ser
regulado pelas próprias crianças, chamado de estresse positivo. O segundo,
tolerável, é mais intenso em grau e duração, capaz de impactar o sistema
neuroendócrino dos pequenos – mas, também passível de ser lidado adequadamente
com o suporte dos pais. Já o terceiro, o tóxico, é o mais grave de todos, no
qual devido a situações extremamente difíceis enfrentadas, a criança perde a
capacidade de se autorregular. Com alta liberação de cortisol, seu
desenvolvimento neurocelular é severamente comprometido, fato que pode levar à
inúmeros problemas de saúde orgânicos, como obesidade, diabetes e, até mesmo,
psicológicos, como depressão e ansiedade.
O estresse tóxico pode ter inúmeras causas. As
características mais comuns são a violência doméstica, abuso na infância,
negligência, exposição à extrema pobreza, estupro, criações inflexíveis e, até
mesmo, a sobrecarga de atividades, sem que tenham tempo para, realmente, serem
crianças, brincar e se divertir. As crianças já podem ser expostas a ele,
inclusive no ambiente intra-uterino, quando, na gravidez, as mães vivenciam os
mesmos problemas ou similares, como violência doméstica ou excesso de trabalho.
Como resultado, os sintomas mais presentes nas
crianças submetidas a um contínuo estresse tóxico são choro intenso e
irritabilidade em bebês pequenos, maior agressividade nas suas ações ou
palavras, dificuldades no aprendizado, introspecção e piora na qualidade do
sono. São muitas possibilidades e, nos últimos anos, vem aumentando o número de
jovens com tais problemas. Segundo uma pesquisa do projeto Fique Bem, quase 60%
das crianças têm demonstrado um nível alto de estresse após o início da
pandemia.
Todos foram tirados de suas rotinas, de sua
convivência com amigos e familiares para ficarem dentro de casa 100% do tempo –
com pais sobrecarregados com seus trabalhos e a conciliação com tarefas
domésticas. As consequências do isolamento foram sentidas rapidamente: em
apenas um mês após o decreto da quarentena, as denúncias de violência contra à
mulher saltaram 40%, segundo dados do Ministério da Mulher, da Família e dos
Direitos Humanos (MMDH) – algo que cria marcas profundas nas crianças.
Estamos vivenciando um claro alerta para a nossa
sociedade, principalmente porque as consequências do aumento de estresse tóxico
nas crianças só serão sentidas quando se tornarem adultos. A única forma de
evitarmos que cresçam com problemas de saúde e psicológicos, é se preocupando
desde já em garantir uma infância mais saudável. Não precisamos esperar que os
jovens apresentem sintomas graves, mas sim atuar na prevenção por meio da
medicina do bem-estar – identificando as situações que podem expô-las a tais
riscos.
Neste cuidado, o papel do pediatra deve ser
constantemente presente. Sua função é entender a fundo a rotina da criança,
questionar os pais sobre isso, orientá-los sobre os principais cuidados com
seus filhos e, principalmente, analisar a mãe, buscando entender se ela
enfrentou depressão pós-parto, por exemplo. Qualquer mudança bruta de
comportamento deve ser informada imediatamente ao médico e, acima de tudo,
contar com um acompanhamento complementar de um psicólogo especializado – não
apenas para as crianças, mas para toda a família.
Os primeiro mil dias de um bebê são os mais
importantes e merecem extrema atenção, uma vez que é o período no qual a
criança terá seu maior desenvolvimento cerebral. Busque proporcionar tempo
livre e de qualidade para as crianças. Seja brincando, entrando em maior
contato com a natureza, diminuindo o tempo frente às telas, estabelecendo um
horário para dormir e, praticando atividades físicas sem exagero. Tais ações,
quando adotadas pelos pais e, favorecidas por políticas públicas de incentivo à
educação, alimentação e moradia, são as melhores formas de prover uma infância
saudável e evitar uma nova geração de adultos diabéticos, hipertensos, ansiosos
e depressivos.
Dra. Patrícia Consorte - pediatra e
especialista em nutrição materno-infantil.
https://www.drapatriciaconsorte.com.br/
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