Ocorrências envolvendo o crédito consignado ficaram em primeiro lugar, com aumento de 179% nos registros em relação a 2019
O saldo do primeiro ano de pandemia de Covid-19 não
foi bom para o consumidor brasileiro, especialmente os clientes de bancos. Um
levantamento inédito feito pelo Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do
Consumidor) em dois canais que atendem consumidores – Consumidor.gov.br e Banco Central – mostra
uma explosão de reclamações sobre os serviços financeiros. As ocorrências
envolvendo o crédito consignado ficaram em primeiro lugar, com um aumento de
179% nos registros em relação a 2019.
Na plataforma do Consumidor.gov.br o aumento foi de
441% sobre a ocorrência classificada como “Cobrança por serviço/produto não
contratado/não reconhecido/não solicitado”. No ranking do Banco Central houve
aumento de 56% nos registros de reclamações sobre as operações classificadas
como “Oferta ou prestação de informação sobre crédito consignado de forma
inadequada”.
"Os abusos praticados durante a pandemia
demonstram o desrespeito ao consumidor, principalmente no contexto da crise
sanitária e econômica sem precedentes que nos assola. A população sofre com
a crise, com a diminuição de renda e com o isolamento
social. Nesse momento, torna-se mais necessária a atuação de instituições
financeiras responsáveis", critica a economista e coordenadora do programa
de Serviços Financeiros do Idec, Ione Amorim.
O comparativo das reclamações registradas na
plataforma Consumidor.gov.brsomente
sobre os serviços financeiros classificados como “Bancos, Financeiras e
Administradoras de Cartão” apresentou um crescimento de 69%: foram 320.887, em
2020, ante 189.849 registros, em 2019. Somente as cinco reclamações mais
frequentes dessas instituições (124.457) respondem por 51% do total em 2020.
Um terço do total dos registros correspondem a
operações com crédito consignado (88.246 registros).
Plataforma consumidor.gov.br - Ranking de reclamações dos bancos
Fonte: Consumidor.gov.br / Elaboração: Idec |
O ranking de reclamações do Banco Central, que concentra apenas queixas sobre instituições financeiras, apresentou um aumento de 72% com 84.825 registros, em 2020, ante 49.275, em 2019. Entre mais de 100 tipos de reclamações procedentes, as cinco ocorrências com mais registros responderam por 51% dos registros do ano, um total de 43.483.
As reclamações registradas no Banco Central
evidenciam os principais desafios enfrentados por consumidores no ano passado.
Além das ocorrências envolvendo o crédito consignado – 17% dos
registros, houve reclamações de “irregularidades, sigilo e segurança
envolvendo cartões de crédito”, com 11%; e “irregularidades,
sigilo e segurança envolvendo operações de crédito”, com 10% dos
registros. Neste último ponto, aliás, houve um aumento expressivo de
registros em relação a 2019 (+132%), o que pode ser explicado pela falta de
clareza nas medidas de renegociação de crédito anunciadas pelos bancos.
Banco Central - Ranking de reclamações procedentes
dos bancos
(*) Irregularidades relativas à integridade, confiabilidade, segurança, sigilo ou legitimidade das operações e serviços relacionados… Fonte: Banco Central – Ranking de Reclamações / Elaboração: idec |
O levantamento realizado nas plataformas Consumidor.gov.br e do Banco Central, confirmou uma tendência também registrada internamente no Idec. Mesmo com o aumento do valor dos planos de saúde e com a saúde como preocupação central durante o ano de 2020, pela primeira vez as reclamações de serviços financeiros superaram as de saúde (20,9%) e atingiram 22,6% das queixas. Em 2019, a saúde tinha 23,8% das reclamações de associados do Instituto e serviços financeiros ocupavam a segunda colocação com 18,5%.
No Idec, a principal queixa contra bancos foi
“dificuldade para renegociar ou parcelar dívidas” (14,4%). Em seguida vieram
“falta de informação” e “cálculo de juros ou saldo devedor de cartões de
crédito'', com 8,6% cada. A ausência de informações também aparece como preocupação
dos estudos do Guia dos Bancos Responsáveis (GBR), uma iniciativa
internacional, liderada pelo Idec no Brasil.
Os bancos, por exemplo, deixam
de informar sobre a existência de contas bancárias sem tarifas e
permanecem reajustando suas taxas de serviços para valores acima da inflação em
sucessivos 10 anos, conforme analisa pesquisas do
Idec.
Na última avaliação
do GBR, divulgada em fevereiro deste ano, ficou evidenciado que,
apesar de terem as políticas escritas sobre direitos do consumidor, percebe-se
que na prática pouco se faz para garantir que elas saiam do papel. Associada a
essa condição, a ausência de fiscalização contribui para a continuidade dos
abusos praticados. Por exemplo, a pesquisa explicita que apesar de sete dos
noves bancos avaliados objetivarem menos reclamações nas ouvidorias, apenas um
deles de fato possui uma meta mensurável para alcançar isso.
Falta de comprometimento dos bancos
Os impactos da pandemia com isolamento social,
perda e redução de renda e dificuldade de diálogo com os bancos estão
refletidos nos dados. As medidas de socorro financeiro anunciadas no final de
março de 2020 não foram suficientes e não definiram as regras. Cada instituição
adotou critérios próprios dificultando a vida dos consumidores de ter acesso ao
próprio banco com a redução das agências e atendimento
via call center, restringindo o acesso apenas aos canais
digitais.
Assim, os registros apresentaram um crescimento de
práticas abusivas recorrentes e representam um total desrespeito aos
consumidores num momento de muita vulnerabilidade. Nas três bases de dados
observou-se que as reclamações se concentraram em operações de crédito e cobranças
indevidas de serviços e tarifas. As questões envolvendo crédito estão
diretamente associadas à situação de vulnerabilidade da pandemia, pois muitas
instituições financeiras assediaram os consumidores com produtos e serviços,
sobretudo com concessão de crédito.
"O aumento no volume de reclamações é
consequência da ausência de uma política pública estruturada para combater os
abusos dos bancos e maior fiscalização, principalmente na oferta de crédito.
Muitas renegociações foram abusivas e houve oportunismo de achar que todos os
idosos aposentados e pensionistas estavam em busca de mais crédito, com
ampliação da margem de 5% do crédito consignado. E assim, houve a realização de
muitas operações não solicitadas. É importante que os consumidores estejam
atentos às negociações firmadas através de contratos", conclui
Amorim.
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