Crianças hospitalizadas por
longos períodos, crianças em abrigos e orfanatos, crianças refugiadas também
merecem ser beneficiadas com a prescrição da leitura
Durante o 37º Congresso Brasileiro de Pediatria, no Riocentro, evento
organizado pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), os pediatras foram
convidados a se engajar na campanha “Receite um livro”, uma iniciativa
da entidade médica em parceria com outras organizações sociais. O objetivo é
estimular o aumento das conexões cerebrais das crianças por meio da leitura,
que pode ser feita pelos pais ou por pessoas próximas. Esta recomendação médica já é uma tendência no exterior e começa
agora a ser difundida no Brasil.
A
SBP fortalecerá a ação dos pediatras nesse sentido, distribuindo a publicação “Receite
um livro: fortalecendo o desenvolvimento e o vínculo”,
que reunirá conteúdo atualizado e baseado em evidências científicas sobre os
impactos da leitura no desenvolvimento infantil, bem como orientações de como
incluir o estímulo à leitura na prática clínica. Os pediatras também ganharão
um kit de livros infantis.
“A
campanha tem o mérito de despertar os pediatras e a sociedade para a
importância do tema. Mas, assim como em muitas ações de saúde, precisamos mais
do que uma campanha, que tem caráter sazonal e passageiro. Precisamos que a
recomendação seja incorporada à prática pediátrica e que todas as crianças
possam ter acesso aos benefícios da leitura”, afirma o pediatra e homeopata Moises
Chencinski (CRM-SP 36.349).
Em junho de 2014, a Academia Americana de Pediatria
adotou medida semelhante, destacando que "prestadores
de cuidados pediátricos devem promover o desenvolvimento da alfabetização das
crianças, pois essa ação é um componente essencial na prática da atenção
primária às crianças”. A
declaração dessa política
posiciona a leitura para as crianças como elemento relevante do projeto
de alfabetização precoce e das relações que os bebês estabelecem com seus pais
e cuidadores.
Desenvolvimento
do cérebro infantil
Há quase meio século, a observação científica dos
recém-nascidos e das crianças pequenas levou à conclusão de que o
desenvolvimento do cérebro não é apenas rápido e extenso no início da vida, mas
que é altamente sensível aos cuidados e estímulos que os pais e outros
fornecem. Com o advento posterior da tecnologia da imagem cerebral, esses
achados finalmente começaram a atrair a atenção dos formuladores de políticas
públicas, em meados dos anos 1990.
“No entanto, apenas começamos a considerar
seriamente essas descobertas no desenvolvimento infantil. Ainda pode ser uma
surpresa ou uma novidade para alguns que a
leitura para bebês, nos primeiros seis meses de vida, contribui para o
desenvolvimento do cérebro e do sucesso escolar posterior”, diz o pediatra.
Embora a leitura possa ser uma força poderosa para
o desenvolvimento inicial do cérebro, a natureza das conversas entre pais e
bebês, durante a leitura e durante outras interações importa tanto quanto o
próprio ato de ler. Mesmo nas primeiras semanas de vida, pais e crianças, no
momento da leitura, estão exercitando características extremamente sutis de
vocalizações, gestos e expressões faciais. Estas são as interações que
estimulam o desenvolvimento inicial do cérebro.
“Os bebês têm períodos curtos de atenção, são
facilmente distraídos, por isso a leitura inicial deve ser de textos curtos.
Porque o mais importante é o prazer que eles sentem em ouvir a leitura,
observar o contador e suas expressões faciais e apontar para as imagens da
página, o que também serve de recompensa para os pais, pois reforça e perpetua
este tempo de aprender juntos”, explica Moises Chencinski.
Importância da leitura
A leitura é apenas um exemplo das interações
sociais ricas relacionadas à linguagem, que podem começar no início da vida e
até durante a gestação. Ela é responsável por grande parte da diferença na
velocidade de processamento entre as crianças de 15 meses e o tamanho do
vocabulário das crianças de 4 anos. A leitura prepara o cérebro das crianças
para a aprendizagem e o sucesso escolar posteriores.
“É por meio dessas interações com os pais e
cuidadores que as crianças desenvolvem as funções executivas que precisarão ser
utilizadas na escola, como por exemplo, a capacidade de se concentrar e de
prolongar a atenção e a motivação para continuar concentrado. E tudo isso
começa no colo de pais amorosos. Um livro pode despertar a curiosidade, antes
mesmo que uma criança seja capaz de formular perguntas. Uma história
compartilhada pode levar a uma vida de amor e de aprendizagem. Os livros são
uma ótima ponte para que pais e bebês falem uns com os outros. Além disso,
mesmo sem perceber, quando os pais estão lendo para seus bebês, eles estão
incutindo habilidades necessárias para a pré-alfabetização, como por exemplo, o
entendimento de que o que está escrito numa página ‘representa algo’ e que as
páginas de um livro têm uma sequência particular”, explica o médico.
Tempo para leitura
Pais que leem para
seus filhos, desde o início da vida, precisam de muito mais do que livros. Eles
precisam de tempo para estar com os filhos e de proteção contra o estresse
diário para serem capazes de não apenas ler para os filhos, mas como também
para conversar intimamente com eles. “Por isso é tão importante ampliarmos as
discussões sobre a licença maternidade e paternidade”, diz o médico, que também
é membro do Departamento de Pediatria Ambulatorial e Cuidados Primários da
Sociedade de Pediatria de São Paulo. A maioria dos pais tem que trabalhar,
assim, a maioria dos lactentes e crianças pequenas passam muitas horas sob os
cuidados de outros. Os bebês e as crianças pequenas precisam de leitura e de
outras interações sociais permeadas pela linguagem durante todo o dia, sempre
que eles estiverem prontos, onde quer que estejam.
“Durante as primeiras semanas, meses e anos de
vida, não há soluções rápidas ou balas de prata para o desenvolvimento do
cérebro. Precisamos investir não apenas em livros, mas também em crianças, em
seus pais e naqueles que cuidam deles, enquanto os pais estão no trabalho. Precisamos
capacitar os profissionais de saúde que tomam conta das crianças internadas por
longos períodos, para que a leitura faça parte de sua formação. Precisamos
pensar nas crianças que vivem em abrigos e orfanatos, pois os responsáveis por
essas instituições também precisam ser sensibilizados sobre a importância da
leitura. Hoje, precisamos pensar nas crianças refugiadas que chegam ao Brasil.
A leitura pode ser a ponte para a adaptação e a formação de laços com a nova
pátria. Os responsáveis pelos abrigos precisam ser sensibilizados para essa
situação. Como pediatras, não podemos excluir nenhuma criança”, defende Moises
Chencinski.
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