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| Escorpião Brotheas amazonicus imagem: Pedro Ferreira Bisneto/iNaturalist |
Pesquisadores da Faculdade de
Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo
(FCFRP-USP) identificaram na toxina do Brotheas amazonicus uma
molécula com ação contra células do câncer de mama comparável à de um
quimioterápico comumente usado no tratamento da doença.
Resultados preliminares do
estudo, feito em colaboração com pesquisadores do Instituto Nacional de
Pesquisas da Amazônia (Inpa) e da Universidade do Estado do Amazonas (UEA),
foram apresentados durante a FAPESP Week França, que aconteceu entre os dias 10
e 12 de junho na capital da região da Occitânia, no sul do país europeu.
“Conseguimos identificar por
meio de um trabalho de bioprospecção uma molécula na espécie desse escorpião
amazônico que é semelhante à encontrada em peçonhas de outros escorpiões e
com ação contra as células do câncer de mama”, disse à Agência FAPESP Eliane Candiani Arantes,
professora da FCFRP-USP e coordenadora do projeto.
Por meio de projetos apoiados
pela FAPESP no âmbito do Centro de Ciência Translacional e Desenvolvimento de Biofármacos (CTS), situado no Centro de Estudos de Venenos e Animais Peçonhentos (Cevap), da
Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Botucatu, os pesquisadores
vinculados à instituição têm se dedicado a realizar a clonagem e expressão de
moléculas bioativas, como proteínas de peçonha de cobras cascavel e de
escorpiões, por exemplo.
O trabalho já resultou no
desenvolvimento de um produto patenteado pelo Cevap chamado selante de fibrina
– uma “cola biológica” que utiliza uma serinoproteinase extraída de veneno de
serpentes, como a Bothrops neuwiedi pauloensis e a Crotalus
durissus terrificus, combinada com um crioprecipitado rico em fibrinogênio,
extraído do sangue de bubalinos, bovinos ou ovinos.
Esse componentes são combinados
no momento da aplicação e formam uma rede de fibrina que imita o processo
natural de coagulação e cicatrização. O selante tem sido estudado para colagem
de nervos, tratamento de lesões ósseas e até mesmo na recuperação do movimento
após lesões medulares e está em avaliação em estudos clínicos de fase 3 – a
etapa final de análise de um novo medicamento antes de ser aprovado para
comercialização.
Mais recentemente, os
pesquisadores conseguiram clonar e expressar outra serinoprotease de cascavel,
denominada colineína-1, que apresenta um aminoácido diferente da toxina
giroxina, extraída diretamente da peçonha de cascavel e usada na produção do
selante de fibrina.
“Nossa ideia, agora, é obter
essa serinoprotease por expressão heteróloga [em um fragmento ou gene completo
de um organismo hospedeiro que não o possui naturalmente] em Pichia
pastoris“, disse Arantes.
Por meio da expressão
heteróloga nessa levedura isolada em 1950, na França, os pesquisadores também
pretendem obter um fator de crescimento endotelial, chamado CdtVEGF,
identificado na espécie de cascavel Crotalus durissus terrificus.
“Esse fator de crescimento
favorece a formação de novos vasos. Se juntarmos ele com a colineína-1, podemos
criar um selante de fibrina melhorado em relação ao que está sendo desenvolvido
no Cevap, com possibilidade de ampliar a escala industrial, uma vez que pode
ser obtido por expressão heteróloga”, comparou a pesquisadora.
Ainda por meio da expressão
heteróloga, os pesquisadores identificaram em escorpiões duas neurotoxinas com
ação imunossupressora. E em parceria com colegas do Inpa e da UEA constataram
que o veneno do escorpião Brotheas amazonicus possui uma
molécula bioativa, batizada BamazScplp1, com potenciais
propriedades antitumorais.
Os resultados de testes do
peptídeo em células de câncer de mama revelaram que ele apresenta resposta
comparável ao paclitaxel, um quimioterápico comumente utilizado no tratamento
da doença, induzindo a morte das células principalmente por necrose – um ação
semelhante à de moléculas identificadas em outras espécies de escorpiões.
“Também pretendemos obter essas
moléculas por expressão heteróloga”, antecipou Arantes.
Novas
terapias
Já em Campinas, no interior de
São Paulo, um grupo de pesquisadores vinculados a um Centro de Pesquisa,
Inovação e Difusão (CEPID), financiado pela FAPESP – o Centro de Inovação Teranóstica em Câncer (CancerThera)
–, pretende viabilizar no Brasil uma nova abordagem no combate da doença, que
integra diagnóstico e tratamento direcionado.
A nova abordagem, iniciada na
Alemanha, consiste em marcar com diferentes radioisótopos moléculas-alvo de
vários tipos de tumores e utilizá-las tanto para o diagnóstico por imagem como
para o tratamento.
“Dependendo do tipo de radiação
emitida pelo isótopo que acoplamos à molécula – se pósitron ou gama –,
conseguimos produzir imagens dela por meio de equipamentos de tomografia
disponíveis no CancerThera. Ao documentarmos que um isótopo capta muito uma
determinada molécula, podemos substituí-lo por outro que emite uma radiação
mais intensa localmente e, dessa forma, tratar tumores”, explicou Celso Darío Ramos, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de
Campinas (FCM-Unicamp) e um dos pesquisadores principais do CancerThera.
Um grupo de pesquisa básica do
centro tem se dedicado a identificar novas moléculas e avaliar se elas se
acumulam em determinados tipos de cânceres. Já uma equipe clínica tem se voltado
a identificar novas aplicações para moléculas já conhecidas.
“Temos estudado moléculas
conhecidas de cânceres hematológicos, principalmente mielomas múltiplos, além
de outras não conhecidas de câncer de cabeça e pescoço, de fígado, sarcomas, de
pulmão, colorretal e gástrico, entre outros. Além disso, também temos estudado
câncer de tireoide, que já é tratado com material radioativo há muitos anos, o
iodo radioativo, mas alguns pacientes têm resistência. Por isso, estamos
tentando identificar outra possibilidade de tratamento, com um material
radioativo diferente, para esses pacientes”, disse Ramos à Agência
FAPESP.
Vacina
contra o câncer
Outra nova abordagem em
desenvolvimento por pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da
Universidade de São Paulo (ICB-USP) é uma imunoterapia contra o câncer baseada
em células dendríticas.
Esse tipo de célula desempenha
um papel único na fisiologia do sistema imunológico e é afetada em pacientes
com câncer, explicou José Alexandre Marzagão Barbuto, professor do ICB-USP e
coordenador do projeto.
“Há alguns anos se descobriu
que é possível pegar monócitos de células do sangue de pacientes com câncer e
transformá-las em células dendríticas, no laboratório. Mas as células
dendríticas produzidas dessa forma são muitas vezes desviadas para induzir
tolerância.”
A fim de contornar esse viés da
função dessas células, os pesquisadores produziram células dendríticas de
doadores saudáveis e as fundiram com as células de pacientes com câncer a fim
de criar uma vacina para imunizá-los contra seus próprios tumores.
Os resultados obtidos em vários
tipos de câncer e, mais recentemente, em pacientes com glioblastoma, sugerem
que isso pode ser uma abordagem eficaz, uma vez que seja possível conduzir e
controlar a resposta imune induzida pela vacina.
“O sistema imune interpreta
essa vacina, baseada em células dendríticas de um doador saudável fundidas com
as células do tumor do paciente, como um transplante e reage com violência”,
afirmou Barbuto. “Fizemos os primeiros estudos em pacientes com melanoma e
câncer de rim, cujos resultados foram muito bons, e outros com glioblastoma.
Agora, estamos na expectativa de realizar um estudo clínico de fase 3.”
IA na
ressonância magnética
O avanço na compreensão e
tratamento do glioblastoma também tem sido o foco de pesquisadores do Instituto
Universitário do Câncer de Toulouse, que têm avaliado se a inteligência
artificial aplicada à ressonância magnética pode determinar com precisão se
pacientes em quimioterapia apresentam uma modificação no DNA que é útil para
prever quanto tempo poderão viver e como responderão ao tratamento.
A modificação é conhecida como
“metilação da região promotora da MGMT” e também pode afetar a maneira como a
proteína MGMT é produzida e modificada.
“O estado de metilação
da MGMT é um importante fator prognóstico, mas requer biópsias que não são
necessariamente representativas de todo o tumor e podem variar na recidiva”,
explicou Elizabeth Moyal, pesquisadora do IUCT-Oncopole e coordenadora do
projeto.
A pesquisadora, em colaboração
com o cientista da computação Ahmda Berjaoui, da IRT Saint-Exupéry, tem
empregado técnicas de inteligência artificial já aplicadas no setor
aeroespacial para superar essas barreiras.
“Desenvolvemos um modelo capaz
de prever a sobrevida com alta precisão, variando de 80% a 90%, e que supera
outras técnicas existentes”, afirmou Berjaoui.
Leia mais notícias e
informações sobre a FAPESP Week França em fapesp.br/week/2025/france.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/toxina-de-escorpiao-da-amazonia-e-capaz-de-matar-celulas-de-cancer-de-mama/55080



