Em artigo publicado em Perspectives
in Ecology and Conservation, pesquisadores do Inpe e do Cemaden discutem
desafios e soluções para a redução das emissões de CO2 do paísDesmatamento registrado em região próxima
à Floresta Estadual do Antimary, no Acre
(foto: Beatriz Cabral/Inpe)
Sede da
Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) em 2025 – a
primeira a ser realizada na Amazônia –, o Brasil está em um momento crucial.
Ainda tem a possibilidade de cumprir suas metas internacionais de redução de
emissão de gases de efeito estufa, mas precisa ajustar as ações socioambientais
e fortalecer políticas focadas na salvaguarda das florestas e na restauração
dos biomas. Esse é um dos principais apontamentos de pesquisa publicada na
revista Perspectives in Ecology and Conservation.
Liderado por cientistas do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Centro Nacional de
Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), o estudo ressalta a
necessidade de controlar o desmatamento ilegal e a degradação dos biomas, incorporando
um olhar para florestas secundárias – que crescem após a remoção da
cobertura original.
Sugere ainda reforçar e
expandir políticas que mantenham os serviços ecossistêmicos. Esse processo deve
vir acompanhado de mecanismos consistentes de atração de investimentos para
financiar atividades de restauração e pagamentos por serviços ambientais em
todos os biomas, incentivando iniciativas de bioeconomia e criando novas áreas
de proteção ambiental.
“A pesquisa foi um trabalho
conjunto visando mostrar o panorama de desmatamento, degradação e restauração
dos biomas e suas relações com as metas globais do Brasil. Destacamos pontos
importantes nesse processo para que o país busque o desenvolvimento
sustentável”, explica a doutoranda no Inpe e primeira autora do artigo Débora Joana Dutra, bolsista da
FAPESP.
Para a bióloga Liana Oighenstein Anderson,
orientadora de Dutra e pesquisadora no Cemaden, mesmo quando há medidas
preventivas, ainda assim elas têm sido insuficientes frente ao desafio das
mudanças climáticas. “É o caso dos incêndios florestais registrados neste ano
na Amazônia e no Pantanal. A prevenção não foi suficiente para conter os
números alarmantes. Quando fazemos estimativas como na pesquisa, temos a
sensação de sermos extremamente conservadores frente ao que a realidade está
mostrando e aos desafios enfrentados”, diz Anderson à Agência FAPESP.
O Brasil vem registrando neste
ano recordes de queimadas. Entre janeiro e 4 de agosto, foram 65.325 focos de
calor detectados no país, o maior número em quase 20 anos – o mais alto até
então havia sido em 2005 (69.184 no mesmo período), segundo dados do Inpe. Os biomas
Amazônia e Cerrado são os mais atingidos (28.396 e 22.217, respectivamente).
De janeiro a julho, o Pantanal
teve 4.756 focos, o maior desde 1998, início da série histórica. Para o bioma,
até o momento, 2020 teve o pior total anual de focos de queimadas.
“Em 2020, os incêndios no
Pantanal chamaram a atenção do mundo e levaram a uma série de reações. O
Ministério da Ciência e Tecnologia criou, por exemplo, a Rede Pantanal e, em
escala local, o Estado de Mato Grosso do Sul instituiu um plano de manejo integrado
do fogo. Em 2023, o governo federal lançou um plano de manejo para o bioma e,
em abril, Mato Grosso do Sul decretou estado de emergência. Ou seja, houve um
conjunto de ações de gestão, de governança, de regulamentação para tentar
evitar os incêndios, mas, infelizmente, não foi suficiente. Tivemos avanços.
Porém, há necessidade de aperfeiçoamentos na governança, nas estratégias
adotadas e no financiamento das ações. É preciso acelerar o passo”, completa
Anderson.
Coautor do artigo e pesquisador
do Inpe, Luiz Aragão diz
que a pesquisa é um alerta para a sociedade sobre questões relacionadas às
emissões. “A sociedade tem de encarar o problema não só do ponto de vista
ambiental, mas sim socioeconômico. Está tudo ligado. Isso porque o
desmatamento, por exemplo, é indutor do fogo, que por sua vez traz problemas de
saúde para a população e degrada a floresta. A floresta desmatada e degradada
tem menor potencial de prover serviços ecossistêmicos, como a ciclagem de água
e a biodiversidade, que garantem a qualidade de vida das populações locais e
têm influência muito grande em atividades econômicas.”
As mudanças no uso e na
cobertura da terra (por exemplo, o desmatamento para o uso agropecuário e a
degradação florestal) são as principais fontes de emissões do Brasil. Como um
dos mais de 190 signatários do Acordo de Paris, firmado em 2005, o país
assumiu o compromisso de ajudar a conter o aumento da temperatura média global
em até 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais (anos 1850-1900) – marca
que já tem sido ultrapassada nos últimos meses.
O acordo, que deve passar por
revisão na COP30, prevê que os países definam metas de redução de emissões
até 2030, tendo o Brasil se comprometido a diminuir em 53% (comparado aos
níveis de 2005). Apesar disso, as emissões de dióxido de carbono (CO2)
líquidas (descontadas as remoções) por mudanças no uso e na cobertura da
terra dobraram entre 2017 e 2022, segundo o Sistema de Estimativa de Emissão
de Gases de Efeito Estufa (Seeg). Em relação à restauração, o Brasil tem a meta
de restaurar 12 milhões de hectares de florestas nativas, o que corresponde a
quase a área territorial de Portugal.
Dificuldades
A pesquisa aponta que um dos
desafios é conter a alta do desmatamento em todos os biomas. Os cientistas
destacam o crescimento da remoção de vegetação nativa desde que o país
submeteu, em 2016, suas metas do Acordo de Paris, atingindo taxas próximas ou
superiores a 2 milhões de hectares ao ano (considerando os seis biomas).
Somente em 2022, foram 2,8
milhões de hectares desmatados, a maior taxa desde 2008, impulsionada
principalmente pela destruição da Amazônia e do Cerrado. Isso representaria
23% da meta de restauração do país. Aliado a isso, há um déficit de
aproximadamente 16 milhões de hectares em áreas de reserva legal em
propriedades rurais que precisam de restauração florestal. Desse total, mais
da metade está na Amazônia e outros 25% no Cerrado.
Outro dado destacado pelo
estudo é o crescimento de áreas de florestas secundárias, que têm alta
capacidade de sequestrar carbono da atmosfera, mas não contam com legislação
específica de proteção. De acordo com a pesquisa, 5,46 milhões de hectares de
florestas secundárias cresceram no Brasil entre 2017 e 2022 fora de terras
públicas – 40% na Amazônia e 36% na Mata Atlântica. Apesar de esse total
representar quase metade da meta de restauração do Brasil, a manutenção do
sequestro de carbono das florestas secundárias corre risco, já que elas estão
suscetíveis a novos desmatamentos e incêndios.
Caminhos
No trabalho, os pesquisadores
sugerem medidas a serem adotadas, entre elas o combate ao desmatamento ilegal –
fortalecendo o arcabouço legal, ampliando a fiscalização e a responsabilização. Há destaque para a necessidade de
medidas de prevenção e a
implementação de programas para restaurar
áreas de vegetação nativa em larga escala, com a
criação de incentivos financeiros para
proprietários rurais por meio de pagamentos por serviços ambientais.
Esses incentivos serão
importantes, inclusive, para garantir que áreas passíveis de serem desmatadas
legalmente permaneçam em pé. De acordo com o estudo, o Cerrado e a Caatinga têm
as maiores áreas de vegetação nativa passíveis de desmatamento legal. Para
garantir que as florestas secundárias consigam contribuir a longo prazo com o
sequestro de carbono, a pesquisa aponta a necessidade de uma legislação
nacional que aumente a proteção delas fora das áreas de reserva legal ou de
preservação permanente.
“O que está sendo feito
atualmente não é suficiente para que nós consigamos mudar. O clima global está
diferente. Não será possível resolver problemas ambientais, pressionados pelas
mudanças climáticas, usando pensamento do passado. Temos de pensar no futuro”,
avalia Aragão.
Por meio da assessoria de
imprensa, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima informou que tem
adotado medidas para cumprir o compromisso de “desmatamento zero em todos os biomas
até 2030”. Entre elas está o programa “União com Municípios”, lançado em abril
como parte do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na
Amazônia Legal (PPCDAm), com R$ 785 milhões destinados a 70 municípios
prioritários (até o momento 48 assinaram o termo de adesão). Outras ações
incluem alterações de regras do Conselho Monetário Nacional – como a restrição
de crédito rural para proprietários com Cadastro Ambiental Rural (CAR)
suspenso, com embargos e imóveis sobrepostos a Terras Indígenas, Unidades de
Conservação e florestas públicas não destinadas.
Além disso, o ministério
destaca a retomada do Fundo Amazônia, com novos contratos que somam R$ 1,4
bilhão e doações anunciadas que devem chegar a R$ 3,1 bilhões. Para o Cerrado,
foi lançado um Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento. Em
relação à restauração de florestas, cita o Plano Nacional de Recuperação da
Vegetação Nativa, com o objetivo de ampliar e fortalecer políticas públicas,
incentivos financeiros, mercados, tecnologias de recuperação e boas práticas
agropecuárias, que deve passar por atualização neste ano.
Futuro
Segundo Dutra, os próximos
passos da pesquisa estão direcionados para levantar perdas e impactos
econômicos da destruição das florestas, aprofundando os dados do trabalho
atual.
“Vemos com extrema relevância a
valoração dos impactos. Quantificar esses valores vai demonstrar que é muito
mais barato prevenir do que reconstruir. O Brasil trabalha com a resposta aos
eventos extremos e desastres, mas precisa investir em prevenção”, diz Aragão.
Para Anderson, é importante
aprimorar o diálogo entre instituições – federais, estaduais, municipais, do
terceiro setor e comunidades locais –, além da necessidade de responsabilização
frente à inação ou omissão no desenvolvimento dos planos. “Nossa capacidade de
diálogo ainda é muito limitada, esbarrando em vieses políticos que estão muito
aquém do que tecnicamente poderíamos fazer para avançar rapidamente.”
O estudo recebeu apoio da
FAPESP por meio de seis projetos (20/15230-5; 20/08916-8; 22/11698-8; 19/25701-8; 23/03206-0; e 20/16457-3).
O artigo Challenges for
reducing carbon emissions from Land-Use and Land Cover Change in Brazil pode
ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2530064424000245#gs0010r.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/brasil-precisa-fortalecer-acoes-de-protecao-de-florestas-para-cumprir-metas-internacionais-aponta-estudo/52546