Em um ano, participação dos cash and
carry cresceu até em vendas de produtos para consumo imediato. Para
especialista, dados sugerem a importância de o lojista conhecer a sua clientelaGrupo Muffato
divulgação
Desde que chegaram ao Brasil, na década
de 1970, os atacarejos tinham uma missão. Vender produtos em grandes quantidades,
com preços menores, para pequenos empresários.
Um tempo depois, especialmente em
períodos de inflação elevada, as famílias também acabaram recorrendo aos
tais cash and carry (pague e leve) para realizar as compras do
mês.
Para atender a clientela cada vez mais
exigente, as lojas foram se modificando, incluindo novas seções, como açougue,
padaria, cafés a ponto de até se confundirem com os supermercados.
Mais recentemente, os atacarejos, até
então localizados em áreas mais afastadas, começaram a ir para os bairros. Tudo
para estar cada vez mais perto dos clientes.
Eis o resultado: os cash and
carry estão roubando público e vendas até de minimercados em quatro
missões de compra: abastecimento (para o mês), reposição, rotina e consumo
imediato.
A constatação é da Varejo 360, empresa
de inteligência e pesquisa de mercado, com base em informações de compras de
cerca de 56 mil consumidores no Estado de São Paulo.
Comparando dois períodos idênticos (de
agosto de 2022 a julho de 2023 com a agosto de 2023 a julho deste ano), a
participação dos atacarejos cresceu em quatro missões de compra.
Nas compras de abastecimento (para o
mês), acima de 20 itens, a fatia subiu de 46,9% para 49,3%. Nas compras de
reposição, entre 9 e 20 itens, de 23,6% para 24,8%. Nas de rotina, entre 4 e 8
itens, de 15,7% para 16,5% e, nas de consumo imediato, de 13,9% para 14,4%.
Os minimercados, em sentido inverso,
perderam vendas nas quatro missões de compra.
Nas compras de mês, a participação caiu
de 2,4% para 1,9%, nas de reposição, de 7,2% para 6,1%, nas de rotina, de 12,7%
para 11,6% e, nas de consumo imediato, de 17,4% para 17%.
Os supermercados perderam participação
em duas missões de compra: abastecimento (compra de mês), de 46% para 44%, e
reposição, de 63,7% para 63,3%.
Nas compras de rotina e nas de consumo
imediato, os supermercados mantiveram os percentuais, de 66,4% e de 62,7%,
respectivamente.
Os hipermercados perderam participação
nas compras de consumo imediato, de 6% para 5,9% e mantiveram o percentual, de
4,8%, nas compras de mês. Nas compras de reposição, a fatia subiu de 5,5% para
5,8% e, nas de rotina, de 5,3% para 5,4%.
“Inicialmente, os atacarejos roubavam
clientes dos hipermercados. Hoje, os dados mostram que estão pegando venda de
mercadinhos”, diz Fernando Faro, fundador e COO da Varejo 360.
O objetivo dos cash and carry,
diz, sempre foi o de capturar público de outros formatos. Agora, eles estão
conseguindo, ao incluírem seções de carnes, frutas, verduras, pães, frios.
Para o levantamento, a Varejo 360
considerou cerca de 6,9 milhões de tíquetes, que somam gastos de R$ 627
milhões, no período de agosto de 2023 a julho deste ano, no Estado de SP.
No período imediatamente anterior, de
agosto de 2022 a julho de 2023, foram considerados 6,5 milhões de tíquetes
(gastos de R$ 560 milhões) enviados por consumidores.
Ao atrair os clientes nas quatro
missões de compras, os atacarejos acabaram ganhando participação no total das
vendas do varejo alimentar.
Nos dois períodos comparados, a parcela
dos cash and carry subiu de 30,94% para 32,41%, no Estado de
São Paulo, de acordo com a Varejo 360.
Os supermercados reduziram a
participação de 56,61% para 55,78%. Os minimercados, de 7,25% para 6,5%. Os
hipermercados registraram um pequeno aumento, de 5,20% para 5,31%.
De acordo com a Varejo 360, os
atacarejos também ganharam participação em número de visitantes em duas missões
de compra: rotina, de 26,76% para 27,06%, e de reposição, de 25,62% para 26%,
justamente as mais atendidas por supermercados e minimercados.
As parcelas das visitas para a compra
do mês (abastecimento) e para consumo imediato caíram um pouco, de 24,25% para
23,79% e de 23,37% para 23,15%, respectivamente, no período.
MAIS LOJAS E SERVIÇOS
“Os atacarejos continuam abrindo lojas
e estão cada vez mais presentes no dia a dia das pessoas em diferentes ocasiões
de compra”, afirma Olegário Araújo, pesquisador do FGVcev - Centro de
Excelência em Varejo da Fundação Getúlio Vargas.
Em entrevista ao Diário do
Comércio no final do ano passado, Ricardo Roldão, presidente do
conselho da rede Roldão, disse que as suas lojas estavam no caminho de oferecer
mais produtos e serviços para os clientes.
“Vamos procurar soluções que não
aumentem a nossa despesa. O açougue não terá atendimento direto, mas vamos
oferecer carnes já embaladas”, afirmou.
Relatório da ABAAS (Associação
Brasileira dos Atacadistas de Autosserviço), em parceria com a NielsenIQ,
mostra que o setor de atacarejo faturou R$ 300 bilhões no país em 2023.
De acordo com o relatório, há mais de 2
mil lojas com este formato no Brasil, das quais 162 foram inauguradas no ano
passado. A maioria das redes mantém planos de expansão.
REFLEXÃO
Os dados da Varejo 360, de acordo com
Araújo, merecem reflexão dos varejistas. É um alerta para a necessidade de a
loja conhecer, e muito bem, a clientela que está ao seu redor.
“A pergunta que tem de ser respondida
pelo varejista de qualquer formato de loja é a seguinte: qual é a necessidade
do cliente que frequenta a minha loja? E trazer soluções para ele”, afirma.
Pode se dizer que, há uma década ou até
menos, diz, o lojista olhava somente para o perfil do seu negócio. Hoje, tem de
olhar o perfil do cliente para atendê-lo da melhor forma.
Ao assistir uma webinar de assuntos de
varejo no Reino Unido, Araújo diz que um dos participantes usou uma expressão
que vale muito para o varejista brasileiro.
“A loja tem de ter vários chapéus. O do
abastecimento, o de reposição, o de rotina e o de consumo imediato. Parece
simples, mas é uma mudança grande, pois implica conhecer as pessoas, os hábitos
de consumo e acompanhar todos esses indicadores”, diz.
Para ele, foi-se o tempo em que o
lojista se preocupava com a fotografia do mês. “Hoje, o varejista tem de olhar
um filme, o histórico do negócio, como frequência de compra, tamanho da
família, diversidade etária, número de itens, valor de cupons.”
Um lojista, diz, não pode mais tomar
decisões no modo achismo.
“Precisa estar embasado em dados, pois
as mudanças são sutis e, quando percebe que algo está errado, pode ser tarde
demais para reagir.”
Não por acaso, diz, os atacarejos estão
trabalhando com embalagens menores de produtos, justamente para atender às
novas demandas dos lares, que estão ficando menores.
“Há também mais veganos, vegetarianos.
A longevidade tem impacto direto no sortimento, que é a identidade de uma loja.
Tem de ter soluções para todos esses clientes”, diz Araújo.
Repetindo uma frase de um empresário
inglês do setor, diz ele, ir às compras é mais do que simplesmente comprar.
“Independentemente de formato, as lojas
têm de estar preparadas para atender às necessidades humanas”. Os atacarejos
estão correndo atrás.
Fátima Fernandes
https://dcomercio.com.br/publicacao/s/atacarejos-roubam-vendas-ate-de-mercadinhos
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