A PEC do Plasma virou polêmica, e uma
verdadeira enxurrada de fake news tomou conta do debate causando insegurança,
medo e até podendo afetar a vida de milhares de pacientes que dependem dos
medicamentos produzidos com plasma humano.
Sendo assim, o Departamento Científico de Erros Inatos da Imunidade da
Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI) reuniu as principais
dúvidas e mitos, visando esclarecer e contribuir para que a informação chegue a
todos, beneficiando pacientes com
imunodeficiências/erros inatos da imunidade e suas famílias.
1- Qual a diferença de sangue e plasma e
qual a vantagem de captar plasma para produzir imunoglobulina?
O sangue é composto de células (glóbulos
vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas) e um líquido contendo uma série de substâncias,
entre elas fatores de coagulação e anticorpos. Esse líquido é o plasma.
A doação de sangue não pode ser feita sempre,
pois o indivíduo que doa não consegue repor todos esses componentes
rapidamente.
Já a captação exclusiva de plasma requer
aparelhos especiais, que separam esse componente líquido das células do
paciente. Quando o indivíduo doa apenas o plasma, isso pode ser feito com mais
frequência, pois esses componentes se reconstituem rapidamente.
2- Se a PEC do Plasma for aprovada, as
pessoas vão receber dinheiro em troca de doação de sangue e, consequentemente,
do plasma?
Não é disso que trata a PEC. Ela apenas abre a
possibilidade de que empresas privadas, sob demanda do Ministério da Saúde,
atuem na captação de plasma. A captação de plasma sem que seja doado sangue
demanda investimentos altos que, possivelmente, o governo não terá condições de
assumir.
3- No Brasil
já existe compensação para doação de sangue. É verdade?
Sim, uma das compensações mais
conhecidas para quem tem o hábito de doar sangue é o direito à folga, garantido
em lei. Os
estados têm independência para propor em seus municípios outras formas de
recompensa. Na Paraíba, por exemplo, doadores regulares de sangue podem
realizar exames de hemogramas gratuitos.
4- Tem
algum risco de contrair alguma doença através do plasma?
A doação de sangue é totalmente diferente da
doação de plasma. Na doação de sangue, você vai doar tudo, o seu sangue total,
suas células, suas hemácias. Isso faz com que a doação de sangue seja feita a
cada três meses no máximo, porque é preciso refazer as células.
Quando trabalhamos com sangue e células, não
temos como fazer inativação de bactérias, vírus e outros componentes que estão
nele, já que isso mata as células, que é foco principal.
Quando trabalhamos com plasma, existe a
inativação, principalmente de vírus. Então, o risco de contaminação desse
material é muito menor do que o risco em uma doação de sangue, na verdade, o
risco é ínfimo.
5- Com a aprovação da PEC o comércio do
plasma vai abrir portas para comercialização de órgãos.
Não. A PEC deixa claro que está vedada a
comercialização de órgãos.
6- Com
a aprovação da PEC do Plasma os doadores de sangue vão preferir doar plasma e
vai faltar sangue.
Como não está previsto pagamento para doação de
plasma, a preferência de doar plasma pode ocorrer por decisão pessoal e não por
interesse econômico.
Além disso, como tem sido feito em outros
países, pode-se definir que um doador somente poderá doar plasma caso realize
doação de sangue total a cada três ou mais doações de plasma, por exemplo.
7- Se tiver comércio de plasma, vai ter
comércio de sangue e o risco de começarem a cobrar por transfusões.
Não existe essa previsão na PEC. Importante
frisar que no texto da PEC está explicitado que a participação da iniciativa
privada na captação e processamento do plasma ocorrerá sob demanda do
Ministério da Saúde.
8- Qual é o papel da iniciativa privada na
PEC do Plasma?
O papel será definido pelo Ministério da Saúde:
pode ser o de investir na estrutura para captação apenas de plasma e não de
sangue total, pode ser o de produzir produtos a partir do plasma captado e
fornecer a menores preços para o mercado brasileiro. Isso ainda não está
regulamentado na PEC. Na PEC está apenas explicitado que o Ministério da Saúde
controlará essa participação.
9- Com a aprovação da PEC do Plasma o
número de doação de sangue vai diminuir?
Não há motivo para isso acontecer. Porém, uma
medida que pode ser tomada é atrelar a doação de plasma à doação periódica de
sangue. Mas isso tem que estar explicitado na lei, que será aplicada após a
aprovação da PEC do Plasma.
Com a necessidade, principalmente, de
imunoglobulinas, a Organização Mundial de Saúde fez o chamado para que vários
países começassem a incentivar os programas de doação de plasma. E, nesse
sentido, é preciso entender que a doação de sangue pode ser feita a cada 3, 4
meses, e o que sobra do plasma não é de uma qualidade boa, nem é suficiente
para produzir hemoderivados.
Na doação de plasma, você doa só plasma. As
células são devolvidas para o seu corpo. Como as hemácias são devolvidas para o
corpo, você doa água, proteínas e alguns sais minerais, substâncias que o corpo
consegue repor rapidamente. Então, o doador de plasma pode até doar toda
semana. Com grande quantidade de plasma é possível produzir uma grande
quantidade de hemoderivados, especialmente a imunoglobulina, aumentando a
possibilidade de se dar conta da crescente demanda por esse hemoderivado e
reduzindo a dependência das importações.
São sistemas de captação distintos, um não vai
interferir no outro. Canadá, Alemanha, Polônia, Hungria, Finlândia e República
Tcheca são países que já fazem captação de plasma em separado da doação de
sangue total.
10- Atualmente, o Brasil consegue suprir a
necessidade de plasma para atender a produção de imunoglobulina? (o medicamento
salva vidas de pessoas com imunodeficiências/erros inatos da imunidade).
O Brasil não produz nenhuma gota de
imunoglobulina a partir do plasma de seus cidadãos. Trata-se de um hemoderivado
fundamental para manter e recuperar a saúde, prevenindo o adoecimento e morte
de muitos brasileiros.
Infelizmente, hoje, não há perspectiva de que
as medidas atualmente propostas pelo governo sejam capazes de suprir essa
necessidade que é crescente não só no Brasil, mas no mundo.
Muitos países, de todos os continentes, estão
preocupados com o assunto e procurando formas para se tornarem independentes do
mercado internacional e, principalmente, da doação de plasma dos Estados
Unidos.
O consumo de imunoglobulina cresce
exponencialmente no mundo e muitos países estão buscando parcerias público/privadas
para dar conta da demanda. Por que no Brasil deveria ser diferente?
11- Por que precisa ter a iniciativa privada
envolvida? A Hemobrás, quando estiver funcionando, não poderá produzir os
medicamentos com o plasma captado pelos hemocentros?
A Hemobrás foi criada há quase 20 anos e ainda
não produziu uma gota de imunoglobulina em solo nacional. A empresa ainda não
possui a tecnologia para produzir derivados do plasma, tampouco imunoglobulina
e demais medicamentos feitos a partir do plasma humano". Isso requer tempo
e é um tempo que os pacientes não dispõem.
Após aquisição dessa tecnologia, por limitações
estruturais não há previsão de que se consiga dar conta das necessidades atuais
desses derivados do plasma, muito menos das necessidades que serão ainda
maiores quando essa produção estiver acontecendo.
12- Se a iniciativa privada for autorizada a
captar o plasma (além dos hemocentros), o valor dos medicamentos feitos a
partir do plasma poderão ter reajustes?
A iniciativa privada necessita do plasma para
produzir os medicamentos. Sendo possível captar o plasma em território
brasileiro, os custos podem até ser reduzidos. Isso depende da política de
impostos aplicados sobre essa produção, distribuição e comercialização. Se o governo
estimular o estabelecimento de empresas internacionais no país, o custo pode
ser ainda menor.
13- Só o Brasil quer colocar a iniciativa
privada para captar plasma. Nos outros países não funciona assim, é verdade?
Em muitos países a captação de plasma é
realizada por empresas privadas. Naqueles em que isso ainda não ocorre, o tema
tem sido motivo de amplo debate. Muitos governos, inclusive de países ricos,
não pretendem ou consideram assumir os custos de implementação da captação de
plasma.
14- Se a captação e processamento do plasma
hoje são insuficientes para atender a demanda brasileira, de onde vem os
medicamentos feitos a partir do plasma, os chamados hemoderivados?
Os medicamentos vêm de empresas privadas
internacionais, ou seja, de produção fora do Brasil, pagam impostos e geram
empregos fora do Brasil. São medicamentos importados, com todos os custos
implicados nessa importação. O comércio de plasma hoje já é uma realidade no
Brasil, apenas participamos da maneira mais inadequada possível: importamos,
pagando a peso de ouro, praticamente 100% da imunoglobulina que consumimos. O
que tem sido feito para reduzir esse custo é permitir a importação pelo
Ministério da Saúde de produtos não aprovados pela Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa).
15- Recentemente temos visto
inúmeras notícias de apreensão de imunoglobulina falsificada, se o sistema
atual fosse eficiente, isso estaria acontecendo?
Se tivéssemos captação de plasma e uma empresa
de ponta para a produção dos medicamentos, com certeza isso seria minimizado,
pois haveria imunoglobulina disponível em quantidade suficiente para suprir a
demanda. O controle de medicamentos falsificados é uma outra questão a ser
trabalhada pela administração federal. O governo não tem uma política pública
que garanta o fornecimento de imunoglobulina de qualidade para os pacientes.
Faz repetidas compras emergenciais, muitas vezes de medicamentos sem aprovação
da Anvisa, o que gera enorme insegurança entre os pacientes e seus médicos.
ASBAI - Associação Brasileira de Alergia e Imunologia
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