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A anta (Tapirus terrestris) é o maior herbívoro de florestas tropicais, sua extinção afeta indiretamente interações entre plantas e patógenos (foto: JP Krajewski) |
Pesquisadores compararam danos
nas folhas causados por insetos e patógenos em áreas com e sem a presença de
mamíferos como antas, veados e queixadas. Ausência dos animais levou à perda de
microrganismos que causam doenças nas folhas, o que pode afetar processos
ecoevolutivos em longo prazo e diminuir a biodiversidade de florestas tropicais
Insetos e microrganismos que se
alimentam de plantas, consumindo parte das folhas, modificando o tecido foliar
ou mesmo gerando manchas escurecidas, são comumente chamados de pragas e
considerados prejudiciais. Porém, interações entre plantas e seus inimigos
naturais são importantes mecanismos geradores e mantenedores de biodiversidade.
Em florestas tropicais, por
exemplo, essas “pragas” fazem parte de grandes redes ecológicas, das quais
depende o funcionamento dos ecossistemas. Sua diminuição, portanto, pode ser um
indicador de mudanças no funcionamento da floresta, cujas consequências ainda
são pouco conhecidas.
Estudo publicado ontem (08/02) no Journal of Ecology mostra que a
perda de grandes mamíferos herbívoros, como antas, veados e queixadas, pode ser
um fator para a perda de interações entre plantas e seus inimigos naturais.
“Na ausência de grandes
mamíferos que se alimentam de plantas, removem e pisoteiam o solo, ocorre um
aumento de riqueza de espécies vegetais em curto prazo. Como os patógenos têm
relações muito específicas com suas plantas hospedeiras, áreas com maior
riqueza de espécies diluem as chances de se espalharem e seguirem seu ciclo de
vida. A diminuição das interações entre planta e patógeno pode ter
consequências evolutivas para ambos”, conta Carine Emer, primeira
autora do estudo, desenvolvido durante seu pós-doutorado no Instituto de
Biociências da Universidade Estadual Paulista (IB-Unesp), em Rio Claro,
com bolsa da FAPESP.
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Folha do sub-bosque danificada por inimigos naturais na Mata Atlântica foto: André Assis Bherig |
Outra possível razão para a
diminuição dos patógenos na ausência dos grandes herbívoros é o fato desses
animais percorrerem grandes distâncias na floresta. Com isso, podem levar
microrganismos de uma planta para outra, o que não acontece quando são extintos
localmente.
Os resultados são fruto de dois
projetos apoiados pela FAPESP. O mais recente, “DEFAU-BIOTA: efeitos da defaunação no
carbono do solo e na diversidade funcional de plantas da Mata Atlântica”, é financiado no âmbito do Programa BIOTA e
coordenado por Mauro Galetti,
professor do IB-Unesp que também assina o artigo.
O outro foi o projeto “Consequências ecológicas da defaunação na Mata Atlântica”, também coordenado por Galetti, que desde 2009 monitora um conjunto de
parcelas pareadas de Mata Atlântica, áreas de 15 metros quadrados, em quatro
locais no Estado de São Paulo. Uma das parcelas é cercada para evitar a entrada
dos grandes mamíferos herbívoros, enquanto a outra permanece livre para a
passagem desses animais.
Dessa forma, é possível
observar os efeitos da exclusão de queixadas, antas, veados, bem como de pacas
e cutias, nas plantas, no solo e nas interações ecológicas, como na herbivoria
foliar causada por insetos. Em trabalhos anteriores, o grupo já havia mostrado
a importância dos grandes mamíferos na fertilidade do solo da floresta, na
estrutura espacial das comunidades de plantas e na dispersão de sementes (leia
mais em: agencia.fapesp.br/34879/, agencia.fapesp.br/37324/ e agencia.fapesp.br/31388/).
Galetti também é um dos
coordenadores do Centro de Pesquisa em Biodiversidade e Mudanças Climáticas (CBioClima), um
Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP.
Mamíferos,
insetos e microrganismos
No trabalho atual, os
pesquisadores analisaram danos foliares em 10.050 folhas de 3.350 plantas em 86
parcelas, distribuídas em áreas de Itamambuca, Ilha do Cardoso, Parque Estadual
Carlos Botelho e Vargem Grande Paulista.
Os danos foliares foram
classificados em cinco grupos funcionais, incluindo danos causados por insetos
(como larvas de besouro e borboletas) e por patógenos (como bactérias, fungos e
vírus). As folhas foram analisadas em plantas com até um metro de altura, o
chamado sub-bosque, abaixo da copa das árvores e na altura em que os grandes
herbívoros conseguem remover as folhas. Os danos foliares eram classificados
numa escala de 0 (intacta) a 6 (entre 75 e 99% danificada).
Nas áreas livres de grandes
mamíferos herbívoros, os danos totais às folhas foram 9% menores. Os danos
causados apenas por patógenos foliares, por sua vez, foram reduzidos em 29% nas
parcelas cercadas. Os danos causados por insetos não tiveram diferenças
significativas entre as parcelas abertas e fechadas.
“As plantas interagem com seus
inimigos naturais há milhares de anos, em uma corrida armamentista de defesa e
ataque. Para isso, desenvolvem defesas, tanto físicas quanto químicas. Por sua
vez, os inimigos naturais, como os patógenos, criam novas formas de ataque, no
que as plantas criam novas defesas. Esse é um fator importante para a
manutenção e geração de biodiversidade, uma vez que nesse processo podem surgir
espécies novas tanto de plantas como de organismos que interagem com elas”,
explica Emer, que atualmente é pesquisadora no Jardim Botânico do Rio de
Janeiro e no Instituto Juruá.
Em longo prazo, portanto, a
diminuição das interações entre plantas e patógenos foliares pode deixar de ser
uma força de seleção para geração de biodiversidade. Recentemente, por exemplo,
pesquisadores alemães analisaram fósseis de folhas e mostraram como grandes mudanças na
estrutura da vegetação ocorridas nos últimos 66 milhões de anos resultaram na
perda de interações e na diversidade funcional de certos grupos de insetos
herbívoros. Algo parecido poderia se dar com a perda dos patógenos em áreas com
mudanças na estrutura da vegetação devido à perda de grandes mamíferos, por
exemplo.
“Nosso estudo traz resultados
inovadores e, por isso mesmo, merece ser aprofundado em outras áreas da Mata
Atlântica e em outras florestas tropicais. De toda forma, evidencia mais um
problema que a extinção de grandes mamíferos pode causar”, encerra Emer.
O trabalho teve ainda entre os
autores Nacho Villar, que
recebeu bolsa de pós-doutorado da
FAPESP durante o desenvolvimento do trabalho e atualmente é pesquisador no
Instituto de Ecologia dos Países Baixos.
Assinam ainda Natália Melo,
Valesca Ziparro e Sergio Nazareth, que fizeram o trabalho de campo e a
identificação botânica.
O artigo The interplay
between defaunation and phylogenetic diversity affects leaf damage by natural
enemies in tropical plants pode ser lido em: https://besjournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/1365-2745.14273.
André Julião
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/perda-de-grandes-herbivoros-afeta-interacoes-entre-plantas-e-seus-inimigos-naturais-mostra-estudo/50818