Em
tempos de Olimpíadas e Paraolimpíadas no Japão, um tema complexo e muito
relevante desponta em meio às disputas por medalhas: a relação entre as emoções
e o rendimento esportivo dos atletas. Ou melhor, o equilíbrio emocional dos
competidores diante das pressões psicológicas por expectativas constantes por
resultados positivos e superação de seus limites. Um assunto sério que nos leva
a pensar em todos os aspectos físicos e psíquicos envolvidos nesse cenário
mágico do esporte.
A
discussão sobre a saúde mental dos atletas e as cobranças internas ou externas
por uma alta performance veio à tona, principalmente, pelo fato de que a
norte-americana Simone Biles (EUA) abandonou, essa semana, a final por equipes
da ginástica artística, mesmo sendo uma das favoritas à medalha de outro,
deixando em aberto sua presença na decisão. Biles declarou: “ Eu apenas não
queria continuar. Não houve lesão, mas sim um pouco de orgulho ferido por uma
prova ruim e um tanto mais de cuidado com a saúde mental”. Fortes palavras que,
sem dúvidas, jogam para fora do tapete as omissões e negligências em relação a
um assunto de extrema importância que é a saúde mental dos competidores: Não
adianta estar 100% preparado fisicamente se a mente não estiver equilibrada e
saudável. A saúde mental precisa estar em dia. Do contrário, a performance do
atleta estará comprometida. Estamos lidando com seres humanos - e não máquinas
preparadas apenas para conquistar títulos.
Fato
é que, em uma competição de tamanha proporção como uma olimpíada, é inevitável
que a tensão e pressão atinjam níveis surreais para o atleta que vem se
preparando a alguns anos para conquistar resultados positivos e levar medalhas
para seu país. A grande questão é: será que estes atletas estão mesmo sendo
preparados de forma adequada para esse turbilhão emocional que vai da euforia
(quando a medalha chega) ou a frustração e tristeza (quando a medalha não vem)?
Estão preparados para as perdas?
O
único objetivo em uma grande disputa é a vitória. Mas existem outros
ingredientes que fazem parte do caldeirão olímpico e que devem ser considerados
e avaliados com muita cautela visando o bem-estar físico e mental do atleta,
pois, além do talento e da potencialização das habilidades esportivas, o
emocional saudável do competidor também é fundamental para que, nos momentos
mais decisivos, este consiga se sentir seguro e preparado psicologicamente para
trabalhar questões internas que influenciam no seu alto rendimento e na
performance esperada por todos.
São
anos de preparação, treinos, cobranças, privações, disciplina rigorosa, suor,
dor e exaustão para superar seus próprios limites. O físico é extremamente
cobrado, assim como a mente - que precisa estar alinhada para suportar
possíveis adversidades que possam surgir. Entre elas: uma lesão inesperada, o
baixo rendimento e até uma triste derrota. Um dos maiores temores é o medo do
fracasso, do julgamento de fãs, familiares, amigos, do treinador e delegação,
além da perda por patrocínios, castigos, afastamentos da equipe e exclusão da
competição. Fatores altamente relevantes que podem despertar sentimentos
nocivos que, se não forem tratados ou acompanhados adequadamente por um
profissional de saúde mental, certamente influenciarão negativamente na
construção da personalidade, da autoestima e na capacidade de absorção de
desafios por parte deste atleta.
Neste
rol de dores emocionais, entram a insegurança, o estresse, a ansiedade, a
frustração, o pânico, a exaustão, os distúrbios alimentares, a insônia, as
mudanças bruscas de humor, falta de autoconfiança, falta de autocontrole, falta
de concentração, falta de motivação e a saudade pelo distanciamento da família,
dos amigos e a geração infinita de expectativas, além do medo do monstro
impiedoso do fracasso. Claro que não podemos nos esquecer que, por sermos seres
individuais, cada um irá reagir e responder de forma individualizada a cada
desafio que for surgindo. Inclusive, alguns competidores até preferem vivenciar
situações de pressão, por se sentirem ainda mais motivados, enquanto outros
entendem que, tanto a pressão quanto a ansiedade, são grandes vilões do seu
desempenho pessoal.
Essa
pressão psicológica, sem dúvida, irá influenciar o comportamento, o resultado
final e o ritmo do competidor, tanto que ao longo da história dos jogos
olímpicos tivemos alguns campões de medalhas que não figuravam entre os favoritos
e que, por conta disso, não experimentavam o peso massacrante das cobranças
externas e internas por uma vitória. Enquanto alguns favoritos de diversos
países podem ter perdido a tão sonhada medalha pela falta do equilíbrio
emocional tão precioso no momento da disputa.
A
performance ideal do atleta, segundo especialistas do esporte e da saúde
mental, passa por uma equação que contemple motivação, autoconfiança,
autocontrole, concentração, foco e suporte emocional adequado para gerir
emoções e administrar as frustrações, comuns em um ambiente competitivo. Por
este motivo, a preparação física deve andar de mãos dadas com a preparação
mental desde o primeiro momento em que o indivíduo opta por participar de
eventos esportivos, visando evitar adoecimentos psíquicos que suscitem
sofrimento por ansiedade, surgimento de distúrbios alimentares, transtornos
depressivos, transtornos de estresse pós-traumático, devastação da autoestima
ou até mesmo pensamentos suicidas.
O
problema ainda tem um lado negro e oculto, do qual tivemos notícias pela mídia
ao longo dos anos nas grandes competições: os abusos no esporte. Violências
contra os atletas, seja ela verbal, psicológica ou até mesmo física. Uma
cultura insana que acredita que vale tudo para se conquistar o pódio. Uma
epidemia de dor que provoca depressão, suicídio e traumas permanentes e severos
em pessoas que trocam o sonho do sucesso pelo pesadelo do medo e da frustração.
E
o que fazer para mudar esse ciclo de horror? Promover a cultura do diálogo;
acolher o atleta para que se sinta confortável em respeitar seu limite;
potencializar o cuidado permanente e o acompanhamento da saúde mental dos
competidores; trabalhar emoções; facilitar a fala e provocar a escuta sensível;
motivar pelo esforço e respeito; incentivar a autoconfiança e o autocontrole,
associados ao foco e concentração; e desenvolver a autoestima e a consciência
de si mesmo. Sem esquecer um ponto muito importante: o incentivo a denúncias de
abusos e violência.
Portanto,
o caso da ginasta Simone Biles não pode passar despercebido. O momento pede
reflexões mais profundas sobre o assunto, visto que o corpo precisa ser
percebido como um todo e não apenas de forma fragmentada. A conexão mente e
físico - e a valorização do modo de gerir emoções, estruturas mentais e
comportamentais - é a mola mestra para uma compreensão correta da prevenção do
adoecimento psíquico do indivíduo, seja ele um competidor ou não. Afinal, a
vida do ser humano vale muito, e a interação entre o corpo e a mente nos
mostra, cada vez mais, que uma competição saudável é aquela em que se leva em
conta não somente as habilidades técnicas, mas também habilidades mentais
estruturadas, onde o conjunto da obra irá propiciar indivíduos mais leves,
felizes, cientes de sua força e com maior capacidade de interação e absorção de
adversidades. Enfim, por trás de cada atleta existe um indivíduo único que
busca no esporte a superação de seus limites e uma vitória como recompensa pelo
seu desempenho. Entretanto, essa busca pode e deve ser melhor trabalhada
considerando o fator psíquico e emocional envolvido.
Dra. Andréa Ladislau- doutora em
psicanálise. Membro
da Academia Fluminense de Letras - cadeira de numero 15 de Ciências Sociais;
Administradora Hospitalar e Gestão em Saúde; Pós Graduada em
Psicopedagogia e Inclusão Social; Professora na Graduação em Psicanálise;
Embaixadora e Diplomata In The World Academy of Human Sciences US
Ambassador In Niterói; Professora Associada no Instituto Universitário de
Pesquisa emPsicanálise da Universidade Católica de Sanctae Mariae do Congo; e
Professora Associada do Departamento de Psicanálise du Saint Peter and Saint
Paul Lutheran Institute au Canada, situado em souhaites.