Inicialmente, preciso dizer
que ao apresentar minhas opiniões sobre burnout não estou questionando o
sofrimento alheio, nem colocando em dúvida que pessoas que tenham
recebido o “diagnóstico” de burnout não estejam em sofrimento, eventualmente
grave. Meu enfoque é completamente diferente disso. O que venho dizendo é que,
do ponto de vista médico, burnout não se sustenta de modo algum como doença,
enfermidade, patologia ou moléstia, conforme linguagem empregada pelos autores
da área e é impossível fazer seu diagnóstico.
A Organização Mundial da Saúde
declara taxativamente que “burnout não é uma condição médica” e
que “não é classificado como doença ou condição de saúde”. Esta
nota, publicada um dia após a apresentação da CID 11 numa coletiva de imprensa,
é tão diferente – na verdade, o oposto – do que tem sido divulgado pelos meios
de comunicação que é melhor você conferir por si mesmo. Basta dar um google em
“who burnout 28” para acessar a página oficial da Organização onde está
publicada. A OMS é a entidade normativa que estabelece o que é o que não é
doença. É preciso lembrar aqui que algumas pessoas pensam que “se está na CID,
é porque é doença”. Não é bem assim. A CID 10, por exemplo, apresenta cerca de
oito mil eventos envolvendo o corpo e a vida humanos que não são doenças. A CID
11 apresenta muitos mais. Burnout está entre eles.
Mas não precisamos nos fiar apenas no que diz a OMS. Há um conjunto de argumentos onde, cada um deles, isoladamente, é suficiente para concluir que as teorias sobre burnout, enquanto doença, não param em pé. Mas aqui não vou me estender sobre tais argumentos. Vou tratar de apenas um aspecto que responde ao tema do artigo: um diagnóstico impossível.
O diagnóstico médico depende
de dois fatores distintos e elementares: sintomas e sinais. Para
deixar claro o que isso quer dizer, vamos usar um exemplo muito simples: você
está com dor de garganta. Você vai ao médico e se queixa de dor de garganta,
febre, talvez calafrios e mal-estar geral. Estes são os sintomas ou
elementos
subjetivos do exame médico. O médico vai medir sua febre, examinar
sua garganta, palpar seu pescoço em busca de gânglios aumentados, avaliar seu
estado geral, etc. Estes são os sinais ou elementos objetivos
para se chegar a um diagnóstico. Se ele identificar pontos amarelos, vai pensar
numa direção. Se constatar somente vermelhidão, vai pensar em outra direção e
cada uma delas acabará conduzindo a uma determinada hipótese diagnóstica.
Essa possibilidade simplesmente não existe quando se fala em burnout porque não existem
elementos objetivos que um observador externo e independente possa verificar e
concluir que se trata de “burnout”. Assim, não é possível realizar
o diagnóstico nem diagnósticos diferenciais. E por que isso? Por inúmeras
razões: burnout se confunde com mais de 30 diagnósticos psiquiátricos, tem 140
sintomas (!!!) e é “diagnosticado” em cem por cento das pessoas que respondem
ao questionário usado para pesquisar o fenômeno, o MBI, Maslach Burnout
Inventory.
Em minha opinião, os próprios autores fundadores do “conceito” de burnout parecem saber de sua fragilidade e insustentabilidade. Nesse sentido, Maslach, tentando resolver o problema diagnóstico do fenômeno, acredita ter encontrado os elementos subjetivos (sintomas) e objetivos (sinais), citando um autor que propõe como fazer o diagnóstico psiquiátrico de burnout: “Bibeau et al. (1989) propõem critérios diagnósticos subjetivos e objetivos para o burnout. O principal indicador subjetivo é o estado geral de fadiga extrema [...] O principal indicador objetivo é uma significativa diminuição no desempenho no trabalho durante um período de vários meses, que precisa ser observada em relação a (1) clientes (que recebem serviços de menor qualidade); (2) supervisores (que observam uma eficiência diminuída, absenteísmo, etc.); (3) e colegas (que observam uma perda geral de interesse em assuntos relacionados ao trabalho). *(Maslach & Schaufeli, 1993) (grifos meus).
Impressionante! Maslach,
psicóloga social da Universidade de da Califórnia, parece desconhecer que as
observações de terceiros são tão sujeitas à subjetividade quanto as do
próprio doente. São chamadas anamneses indiretas. O problema não
sai do lugar e a proposta de Maslach é um disparate. Além disso, imagine você
sendo “diagnosticada” ou “diagnosticado”, seja lá do que for, a partir das
observações de clientes, supervisores e colegas!... Você toparia? Acharia que
estão fazendo ciência ou pseudociência com a sua saúde??.
Em síntese: o diagnóstico de
burnout é impossível porque a noção está mergulhada em confusão,
inespecificidade e indiscriminação, conforme exposto acima.
(Maslach & Schaufeli, 1993, p. 15, apud Vaz de Lima, E. Burnout: a doença que não existe. 2021, Appris Editora, Curitiba)
Estevam Vaz de
Lima - médico psiquiatra, psicanalista e autor do livro “Burnout: a doença que
não existe”.
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