Mesmo quando se quer analisar um assunto sob o
ponto de vista jurídico e sem nenhum viés político, se faz necessário iniciar
com uma série de esclarecimentos. O texto não tem a intenção de favorecer
nenhum dos pólos ou o centro político, não é de oposição ou situação, não é
“isentão” (como se denomina atualmente aqueles que não aderem a nenhuma
doutrina), e não há ideias pré-concebidas. A análise pensa simplesmente em um
projeto de bem para o país, a iniciar pela melhoria das condições de vida de
todos. Shutterstock
Iniciando pelo futuro, imaginemos o período pós
eleições (com a premissa de que elas ocorram sem sobressaltos), a posse do novo
Presidente eleito e o que esperar do novo governo. A árdua batalha
eleitoral terá acabado e agora é hora de governar o Brasil.
Supondo que o vencedor seja um governante de
esquerda, o que vem sendo dito na campanha de Lula é que a grande tendência
será a de abolir o teto de gastos, deixando em segundo plano a responsabilidade
fiscal. O discurso será o de vamos gastar porque o que interessa são programas
sociais que retirem o povo da pobreza e depois pensamos no resto.
Só que o fim do teto de gastos e o consequente
inchaço dos gastos públicos, não são um tema meramente ideológico. A legislação
brasileira foi alterada, criando-se a lei de responsabilidade fiscal justamente
para evitar que se gaste sem medida, que se tenha sempre uma gestão
deficitária.
Obviamente que, além do mencionado, o aumento de
gastos vem acompanhado do loteamento político de cargos entre as forças
políticas que auxiliaram na eleição e outras medidas como liberação de emendas
ao parlamento, medidas que debilitarão a economia e trarão em seu bojo o
crescimento da inflação, a alta de juros como forma de conter o consumo e a
diminuição de investimentos estrangeiros e insegurança jurídica. Já vivemos
isso no passado.
Por esse raciocínio econômico podemos concluir que
a vitória da esquerda deve gerar dificuldades que poderão, em última análise,
nos levar a uma nova recessão. E isso sem mencionar ideias como a revogação da
reforma trabalhista, a revisão de desestatizações que trarão ainda maior
prejuízo.
O que pode nos desanimar é que, não bastasse o
cenário do day after com a esquerda, a perspectiva com uma reeleição da
direita também não traz um cenário animador.
A gestão atual fez alianças (que prometia jamais
fazer) como vários governos ortodoxos anteriores, inclusive com os mesmos
protagonistas do denominado Centrão e outros partidos tendenciosamente
governistas (seja qual for o governo).
Uma vez eleito, o Presidente deve tomar medidas que
garantam seu governo até o fim do mandato, sem risco de que o Presidente da
Câmara dos Deputados aceite algum pedido de Impeachment contra ele. Após a
Constituição Federal de 1988 já tivemos o Impeachment de Fernando Collor e
Dilma Rousseff.
Denominam nosso sistema político como um
presidencialismo de coalização que certamente estará presente no próximo
governo. Escândalos como o mensalão tinham como fundamento arrecadar dinheiro
para a obtenção de apoios políticos. Descobriu-se e condenou-se, mas não
alterou a lógica do sistema.
Tivemos então o Petrolão, onde os indicados
políticos para empresas estatais (sobretudo a Petrobras) foram cooptados por
empreiteiros, que pagavam a ele propinas e também a políticos. A operação
Lava-Jato teve o mérito de expor os desvios ocorridos, mas, por erros e
atropelos de investigação e processuais, teve suas decisões comprometidas e
anuladas.
Sob o ponto de vista da população, restou a ideia
de que houve “roubos” de dinheiro público, mas, no final, todos estão se
safando. Não há a compreensão dos mencionados erros processuais, mas sim uma
brusca mudança de direção do Judiciário.
Afinal, as indicações políticas existem também para
órgãos do Poder Judiciário e a princípio tudo isso permanecerá existindo. Os
tribunais superiores são vistos e analisados com base em quem indicou cada
Ministro e não na isenção de cada um deles.
A percepção de que Tribunais Superiores mudam de
direção ao sabor do vento, traz consigo a acusação de ativismo judicial cuja
origem pode estar na Carta Magna de 1988 que, ao permitir a interpretação
vertical e horizontal das normas constitucionais, gera uma interferência
excessiva do Judiciário no dia a dia do país. Muitos dizem que Ministros interferem
demais nos outros Poderes, porém, a Constituição lhe atribuiu essa competência.
E isso, a princípio, também não mudará.
Qualquer que seja o eleito, a batalha judicial
tomará a nação. A esquerda acusando o Presidente de vários crimes de responsabilidade
e de abuso do poder eleitoral e exigindo sanções por parte da Justiça Eleitoral
e do Supremo Tribunal Federal. A direita ameaça não reconhecer o resultado
eleitoral se suas exigências não forem acatadas, já que o atual TSE (Tribunal
Superior Eleitoral) não possuiria imparcialidade para conduzir o pleito e as
urnas eletrônicas não são confiáveis.
Por isso, a intenção deste texto é pensar no day after,
que acaba esquecido diante da guerra política e de acusações diárias. A questão
é: como será gerido o país no próximo e subsequentes governos, com reformas
estruturais necessárias, sendo que tudo isso ainda não surgiu nas pré-campanhas
eleitorais.
Mas há um valor fundamental para todos os
brasileiros, o de poder pensar livremente e em um regime democrático. Por isso,
guerras à parte, é fundamental que todos os cidadãos defendam a democracia e
não aceitem viradas de mesa e outros tipos de golpismos. A premissa é a
manutenção da democracia.
Após as eleições e a proclamação do vencedor, a
sociedade deve reavaliar com muita serenidade se a Carta Magna Cidadã de 88,
com nobres princípios e cláusulas pétreas, se mostra efetiva para atender aos
anseios da sociedade. O movimento de desestabilização da democracia
desenvolveu-se debaixo desse manto constitucional que permitiu que em nome da
liberdade de expressão e outras invocações se desestruturasse várias
instituições.
Caberá amplo debate sobre todos os temas
supracitados, mas é preciso governabilidade (para qualquer governo) e pensar
que eliminar o presidencialismo de coalização e ter uma reforma judicial podem
ser excelentes pontos de partida.
Francisco Gomes Júnior - Sócio da OGF Advogados. Presidente da Associação
de Defesa de Dados Pessoais e do Consumidor (ADDP). Autor do livro Justiça Sem
Limites. Instagram: https://www.instagram.com/
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